“I o sangue de Jesus Cristo / Sangui pisado de dô / Nus pé du maracujá / Tingia todas as flor // Eis aqui seu moço / A estoria que eu vi contá / A razão proque nasce roxa / A flor do maracujá” (Flor do Maracujá, Catulo da Paixão Cearense).
Até o início do século XX, tocar violão era um ato de heresia nos salões da alta sociedade. Instrumento de chorões, boêmios e malandros, só começou a ser reabilitado para a boa moral e os bons costumes da aristocracia brasileira quando, em 1908, Catulo da Paixão Cearense realizou um recital no Instituto Nacional de Música a convite do maestro Alberto Nepomuceno. “Músicos, literatos, médicos, jornalistas, advogados, engenheiros, professores, diplomatas, misturaram-se a populares”, espantou-se Catulo ao comentar a recepção ao recital, que fez um enorme sucesso. Tanto que ajudou a afirmar pelo País não só a imagem do violão como aquele que seria o principal suporte criativo da música brasileira, mas também a fama do cantor, teatrólogo e poeta nordestino. Em 1914, Catulo surpreenderia novamente o andar de cima ao fazer um recital no Palácio do Catete, a convite da primeira-dama Nair de Teffé (aquela que adotaria o pseudônimo da caricaturista Rian). É possível que tenha apresentado, na ocasião, a linda "Flor Amorosa", polca de Joaquim Callado que recebeu letra sua.
Nascido em São Luis , em 1863, Catulo mudou-se para o sertão cearense ainda criança e em seguida partiu para o Rio de Janeiro, onde sua família se estabeleceu. Na adolescência, quando já convivia com chorões como Viriato, Anacleto de Medeiros e Quincas Laranjeiras, tentou apresentar uma composição numa seresta na República de Estudantes mas foi impedido pelo pai, que quebrou-lhe o violão na cabeça pois não queria o filho envolvido na boemia. Fez-se poeta, editor de cordéis de modinhas e lundus, mas nunca abandonou a música, dono que era de um timbre de barítono e de uma dicção impecável com que interpretava seus poemas - muitos deles, escritos a partir de melodias dos compositores da época. Entre esses compositores, estava João Pernambuco, com quem travou uma briga jurídica pela autoria da melodia de “Luar do sertão”, sua letra mais célebre. Os tribunais decidiram a favor de Pernambuco, que passou a ser reconhecido como autor da música – embora alguns pesquisadores ainda defendam que tratava-se, na verdade, de um tema folclórico adaptado por Catulo.
Aos que quiserem mergulhar nos versos caudalosos do compositor, uma alternativa é vasculhar os sebos e a internet em busca de CDs como Catulo da Paixão Cearense na voz de Vicente Celestino e Paulo Tapajós, que o selo Revivendo lançou em 1994 a partir de fonogramas anteriores; ou a antológica História da Música Brasileira, lançada pela abril nos anos 70. Outra alternativa é o acervo do Instituto Moreira Salles, onde é possível encontrar vasto material de Catulo gravado por diversos cantores.
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