domingo, 5 de setembro de 2010

A prioridade da Colômbia. E a de Serra


Mirar apenas a campanha feroz e diuturna que a chamada grande imprensa promove contra o Governo Lula acaba fazendo com que alguns militantes e simpatizantes do presidente percam o foco nas contradições e impasses brasileiros que o atual mandatário da República não conseguiu resolver ou mesmo acentuou ao longo dos últimos oito anos - seja porque não soube responder muitas das demandas que tensionaram e ainda tensionam sua gestão na direção de soluções e políticas inspiradas em ideais de esquerda; seja porque, sempre que tensionado nesse sentido, procurou refugiar-se no pragmatismo centrista, onde foi obrigado a dialogar com oligarquias e frentes conservadoras.
Em especial no campo da esquerda, há muitos estômagos sensíveis a tal interlocução, mas a ética da responsabilidade de quem assume o poder nas condições históricas em que Lula assumiu o País não poderia se furtar ao expediente. Por outro lado, o diálogo que o Governo passou a promover com novos interlocutores no plano interno (sentando-se à mesa, por exemplo, com movimentos sociais historicamente criminalizados) e, principalmente, no plano externo (onde passou a trilhar um caminho mais altivo, efetivamente multilateral, disposto ao diálogo com parceiros internacionais até então insondáveis pela diplomacia verde-amarela) tem se transformado num cardápio indigesto para a pauta dos diários e hebdomadários nativos. Em geral, há um véu de intolerância, preconceito e cinismo a cobrir o noticiário do Itamarati. E, não raro, há exageros jornalísticos que, na caça ao presidente petista, acabam colocando a torcida toda a favor de Lula.
Tome-se, por exemplo, o caso das Farc. Recentemente, o novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos reuniu-se com o presidente Lula (foto acima) e afirmou sua disposição em melhorar as relações (esgarçadas pelo governo de seu antecessor) com seus vizinhos sulamericanos. Entre eles, os "bolivarianos" de Venezuela, Equador e Bolívia. O Brasil, por sua posição no continente, foi o primeiro destino de suas viagens como chefe de Estado. Na pauta com Lula, Santos tratou de etanol e de cooperação tecnológica e econômica. Para a mídia nativa, a pauta era as Farc. O novo presidente colombiano limitou-se a dizer que trata-se de assunto interno de seu País e que qualquer mediação internacional teria de ser aprovada por seu governo. No entanto, como noticia a Carta Capital desta semana, se disse plenamente satisfeito com a postura brasileira sobre o tema: "O que mais interessa é a parte econômica. Essa questão das Farc é ultrapassada na Colômbia. Nossa agenda é outra".
Apenas a grande imprensa - que continua a orquestrar versões de tal forma delirantes sobre a suposta relação entre o núcleo terrorista colombiano e o governo brasileiro que renderiam um ótimo romance no melhor estilo realismo fantástico - parece não ter entendido o recado. Editoriais raivosos pulularam ao longo da semana e o sangue voltou a jorrar dos olhos de muitos colunistas. José Serra, avatar dos mesmos interesses que movem a economia simbólica (e financeira) de certas redações brasileiras, voltou a saracotear na berlinda da mídia bradando aos quatro ventos (ou aos quatro veículos: Veja, Folha, Estadão e Globo) que Lula desenvolve uma política externa prejudicial aos interesses do País e é negligente com o tema das Farc. "(Serra) disse que, se eleito, tratará proativamente as Farc como grupo terrorista. Continua candidato a alguma eleição do passado", define o editorial da Carta.
A título de justiça histórica, o governo brasileiro não classifica as Farc como grupo terrorista porque, no dizer do assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, "não é uma agência de classificação do que quer que seja". Lula, que declarou ser contra o terrorismo como instrumento de luta política, prefere se nortear por regras da ONU. Serra, decerto, preferiria a lista do Departamento de Estado dos EUA.

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