domingo, 15 de março de 2015

Diz que não fui por aí...


Se alguém perguntar por mim, diz que não fui por aí. Não vou me juntar aos broncos nessa marcha da insensatez, nessa saturnália da direita festiva. E que festa pobre! Pobre de sentido, de verdade, de honestidade.
Os tais "homens de bem" reivindicam, no plano público, a moralidade e a ética que são incapazes de reproduzir no âmbito privado. Os "defensores da pátria" refugiam-se no patriotismo (o último refúgio dos canalhas, como se sabe), quando, a rigor, servem de correia de transmissão aos que querem vender nossas riquezas, alienar nossa auto-determinação. Os "pagadores de impostos" ostentam o discurso patológico da "ameaça comunista", quando, na verdade, só sabem viver por dentro e à sombra do Estado frondoso, maquinando "jeitinhos" e benesses que tornam nossa experiência capitalista um regime ainda mais doente: uma livre-iniciativa patrimonialista ou um patrimonialismo de mercado.
No fim das contas, querem não a reforma política, não a prosperidade pela democracia, não a igualdade de direitos e oportunidades. Ao contrário, querem a não-política. A direita brasileira é o terreno da não-política. Seu estatuto midiático é o corolário de uma constrangedora incapacidade de formulação crítica e racional da realidade; suas respostas são movidas por uma amnésia histórica convenientemente crônica. A direita brasileira é o território opaco do esquecimento.
Em "Homens em tempos sombrios", Hannah Arendt lembrava que a descrição da existência humana feita por Heidegger dava conta de que "tudo o que é real ou autêntico é assaltado pelo poder esmagador da 'simples fala' que irresistivelmente surge do âmbito público, determinando todos os aspectos da existência cotidiana, antecipando e aniquilando o sentido ou o sem-sentido de tudo o que o futuro pode trazer". A marcha facista que deve se espalhar pelo País neste domingo é um cortejo insano e histérico dos que querem justamente matar o futuro, interditando o desejo e a política, para celebrar o eterno retorno de tempos sombrios. Querem fazer da história brasileira e da nossa incipiente democracia uma carroça abandonada na beira de estrada.
A direita brasileira é, hoje, o lugar dos que pensam pequeno e que querem continuar pensando pequeno - de preferência, da porta de casa pra dentro. "Olhos tão habituados às sombras, como os nossos, dificilmente conseguirão dizer se a luz era a luz de uma vela ou a de um sol resplandecente", nos lembra Hannah Arendt. A cegueira facista vai hoje às ruas e baterá no peito, orgulhosa de seu próprio entreguismo, de sua alienação política e histórica. A constatação mais difícil talvez seja a de que os tempos sombrios que se anunciam a partir de hoje não são novidade. Sabemos exatamente aonde podem nos conduzir.
Invertendo a beleza dos versos de Leminski: isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar aquém. Enfim, se alguém perguntar por mim, diz que não fui por aí..

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