quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Poeminha de fim de ano

O funil da ampulheta
apressa, retardando-a,
a queda
da areia.

Nisso imita o jogo
manhoso
de certos momentos
que se vão embora
quando mais queríamos
que ficassem.


José Paulo Paes, em Elogio da Memória

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Egocentrismo do dia


"De uma vez por todas, tento resumir mais uma vez: Dom Casmurro não se martiriza por ter dúvidas a respeito de ter sido traído por Capitu ou não. Mas, em seu egocentrismo romântico, por saber que não se conhece e, logo, não foi capaz de conhecer Capitu. O livro é muito mais que uma charada".


Daniel Piza, em sua coluna Sinopse, no Estado de São Paulo do último domingo

Humano: demasiado efêmero


O blog abre espaço para uma colaboração do historiador Américo de Souza, que segue abaixo. Acima, cena de Vicky, Cristina, Barcelona, de Woody Allen.

Lembrando meu amigo Geraldo, que dizia serem livros e filmes são as melhores companhias em tempos de frustração e desalento, dei-me dois presentes neste último fim de semana. Primeiro A viagem do elefante, novo romance de José Saramago, depois Vicky, Cristina, Barcelona, novo filme de Woody Allen.
Para além de serem novidades, essas duas obras têm em comum o elogio ao que de mais humano há na vida: a condição do efêmero. Tendo como cenário uma Barcelona artística, boêmia, entregue aos prazeres da vida, imersa no colorido de Gaudi e no som vigoroso das guitarras, o filme de Allen conta uma história em que amor e desejo se confundem, se completam, se digladiam; casais se seduzem, sofrem, traem, enganam, separam, tentam de novo, num exercício intenso de exploração do dilema "não se pode estar junto, mas também não se pode ficar sem alguém", idéia que é apresentada não como uma condenação para ser lamentada, mas como condição própria das relações afetivas, porque humanas e, como tais, circunscritas ao caráter provisório e fugaz do ser e do fazer de homens e mulheres.
Saramago, por sua vez, narra, a seu modo, a história real de uma insólita viagem do elefante Salomão, que cruzou metade da Europa por extravagâncias de um rei e de um arquiduque, no século XVI. Irônico e sarcástico, como não poderia deixar de ser, o livro é em tudo e por tudo um exercício de compaixão e solidariedade pela fragilidade humana que a saga do elefante parafraseia. Assim como em Intermitências da morte e As pequenas memórias, a morte é reafirmada como destino único, comum e inevitável de todos os homens e que se reproduz em tudo que ele cria e experimenta. Ao virar a última página do livro temos duas opções: lamentar pela morte trágica de Salomão, ocorrida pouco depois de concluída a viagem, ou regozijar com a bela aventura da jornada. Ou seja, na vida podemos sentar e lamentar a certeza do seu fim ou aprendermos que o melhor modo de viver é conscientizar-se da provisoriedade humana, explorando ao máximo os momentos de alegria e beleza e tendo a certeza que, também para aqueles nem tão alegres, nem tão belos, o fim há de chegar.
Assim, torna-se impresindível a compreensão de que a mudança das coisas e dos sentimentos é, senão a única, a maior das verdades humanas. Por ironia, dois instrumentos de registro e preservação da criação humana, a escrita e o filme, são tomados por esses dois gênios do mundo contemporâneo como suportes para afirmação do efêmero como aquilo que de mais humano e belo há em todos nós.
Quanto a mim, sigo em frustração e desalento, mas agora acopanhado da certeza de que, como tudo na vida, isso um dia vai mudar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Cristina Buarque


Manezinho da Flauta, um dos colossos do sopro brasileiro, foi convidado para tocar num show que, salvo engano, no início dos anos 70, fazia muito sucesso pelo País: Originais do Samba, Márcia e Baden Powell. Terminada a apresentação, do alto de sua simplicidade e ingenuidade em relação à fama internacional de Baden, disparou o convite: "Gostei muito do seu violão e estou precisando de um violonista para o meu regional. Você não quer tocar com a gente?".
Entre risos intermináveis e uma simpatia inabalável, essa foi uma das dezenas de histórias deliciosas que Cristina Buarque compartilhou com a gente no último fim de semana, durante sua passagem por Fortaleza. Aos 58 anos, Cristina é uma de nossas grandes cantoras e uma das principais pesquisadoras e divulgadoras de uma tradição de sambistas que, não fosse por ela, se enterraria no ostracismo. Seu repertório (praticamente infinito) é fruto de suas pesquisas e andanças (recentemente, gravou um trabalho lindo com o grupo Terreiro Grande, em São Paulo, uma turma especializada em sambas antigos das escolas do Rio de Janeiro). Já suas histórias são fruto da convivência com quase todo o olimpo do samba brasileiro: de Clara Nunes a Roberto Ribeiro, de João Nogueira e Nelson Cavaquinho, de Cartola a Clementina de Jesus.
Sempre agarrada ao cigarro e a um copo de cerveja, Cristina é uma senhora franzina, de passos rápidos e olhar melancólico. Seu bom humor e sua cordialidade, no entanto, são do tamanho de seu valor para a história do samba. Não reconheceu Fortaleza, que lhe pareceu "muito nova", quase vinte anos depois de sua última visita. Brahmeira fiel, se decepcionou com a Brahma da Cidade: "tem gosto de Skol!". Rendeu-se, então, temporariamente, à Antartica, servida com o devido mofo na roda de samba do Bar do Arlindo.
A roda de samba foi sua última escala musical na Cidade, num roteiro que começou na sexta com um show inesquecível no Anexo do Docentes e Decentes. Cristina saiu deixando uma penca de elogios aos músicos que lhe acompanharam - exceto, óbvio, pela minha performance na clarineta, mas isso é uma outra história... No domingo à tarde, um almoço maravilho do Onofre. Toinho e Juliana apareceram, Déborah e Fernando também. Minha mãe foi lá e se encantou com a conversa. Thales, Alfredo e Américo (que, mais uma vez, arrebentou nas fotos) completaram o time. No cardápio, histórias como aquela em que Chico Buarque achou um absurdo a crônica de Mário Prata segundo a qual Sérgio Buarque de Hollanda fazia uso terapêutico de maconha e que Dona Amélia, matriarca do clã, bebia uísque. "Minha mãe só bebe cachaça!", teria dito um Chico inconformado. E tome risos.
Em seguida, eu e minha esposa fomos deixá-la no aeroporto. Como o vôo atrasou, deu tempo para mais umas duas cervejinhas e mais um punhado de causos antes do embarque. Ora hilários, ora dramáticos, mas narrados sempre com leveza e com entusiasmo. Do lado de cá, ficou o desejo de um retorno em breve a Fortaleza. Do lado dela, o convite para conhecer Paquetá, onde Cristina foi se refugiar longe dos carros e da ebulição do Rio de Janeiro.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A justiça segundo o futebol colombiano

Esse lance é simplesmente absurdo. Vejam esse pênalti que foi marcado num jogo do campeonato colombiano. O melhor de tudo é o malandro depois reclamando com o bandeirinha.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Para ouvir com capacete

Uma paulada inclemente na moleira. Foi assim que me soou pela primeira vez - e ainda continua a soar - a obra do austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951). Inventor do dodecafonismo, ele estilhaçou a secular estrutura tonal da música ocidental, criando uma arquitetura musical completamente diferente - para uns, absolutamente abstrata e intangível; para outros rigorosa e cristalina. Para Júlio Medaglia, por exemplo, ela é as duas coisas ao mesmo tempo: "Schoenberg provocou um envenenamento na engrenagem das formas, levando-as ao superlativo da expressividade, ao conflito, a uma neurótica e impulsiva subjetividade onde o indivíduo situava-ase como centro absoluto, intérprete e juiz do universo", define o maestro em seu livro Música Impopular. Para mim, ela é permanentemente provocadora e jamais soa gratuita. Cerebral sem perder seu lastro de lirismo. Aliás, foi o próprio Schoenberg quem declarou certa vez que: "Aquele que não possuir o romantismo em seu coração é um ser humano decrépito".

Abaixo, duas interpretações marcantes da obra de Schoenberg. A primeira, "Fantasia", com dois gigantes: Glen Gould, um de meus pianistas peferidos, e o violinista Yehudi Menuhin. A segunda, o "Concerto para Piano", com a pianista Mitsuko Ushida e a Filarmônica de Rotterdam.

Uma dica: melhor ouvir com capacete.