Há boas e más notícias no topo da pirâmide da educação brasileira. É o que revela o livro Doutores 2010: Estudos da Demografia da Base Técnico-Científica Brasileira, resultado de um estudo desenvolvido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e que mapeou todo o andar de cima de nossas universidades entre os anos de 1996 e 2008. O livro foi lançado hoje em Brasília pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e esgrima dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Ministério do Trabalho.
Para nossa sorte, as boas notícias superam as conclusões negativas. Entre elas (as boas notícias), está o aumento significativo do número de doutores no Brasil. Em 1996, eram apenas 2830 luminares que se titulavam por ano. Em 2008, esse número saltou para 10.705, um aumento de 278%. Ao longo desses 12 anos, foram 87.063 pessoas tituladas e um crescimento médio anual de 11,9%.
Também é animadora a notícia de que esse aumento significativo no número de doutores vem acompanhado de uma descentralização das titulações. O maior número de doutores titulados ainda está na Região Sudeste - 67.626, o que corresponde a 77,7% dos 87.063 doutorados entre 1996 e 2008. Entretanto, ao longo desse período, o Nordeste registrou um aumento de 2.487% no número de doutores que conseguiram o título nas universidades da região. Em 1996, 1,4% dos doutores estavam no Nordeste. Em 2008, este número passou para 9,7%
No entanto, e apesar da discreta euforia com que o Governo Federal anunciou o resultado do estudo, ainda preocupam alguns números revelados pelo CGEE. Um deles é o de que, embora com pequeno incremento ao longo dos últimos anos, apenas 3,7% dos doutores estão empregados nas atividades profissionais de ciência e tecnologia. Outro é o de que as titulações nas áreas da chamada ciência dura (engenharia, ciências exatas e da terra, biológicas e agrárias) perderam participação no bolo dos doutorados de todas áreas de conhecimento, caindo de cerca de 55% em 1996 para cerca de 40% em 2008.
Essa queda nos remete a um cenário de queda de vitalidade em setores como a indústria de transformação, o setor de inovação tecnológica e o de desenvolvimento de patentes e faz ressoar a palestra recente de João Moreira Salles na Academia Brasileira de Ciências, em que o cineasta e jornalista questionou as assimetrias na economia simbólica da formação profissional e científica no Brasil. "Existem no Rio quatro universidades que oferecem cursos de cinema; no Brasil, são ao todo 28, segundo o Cadastro da Educação Superior do MEC. No ano passado, a PUC-Rio formou três físicos, dois matemáticos e 27 bacharéis em cinema. Existem 128 cursos superiores de moda no Brasil. Em 2008, segundo o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], o país formou 1.114 físicos, 1.972 matemáticos e 2.066 modistas. Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes", brincou Salles.
Em seu discurso, o cineasta chamou atenção para a carência de engenheiros no País. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), a taxa de formação de engenheiros no Brasil é inferior à da China, da Índia e da Rússia, países emergentes com os quais competimos. "A Rússia forma 190 mil engenheiros por ano, a Índia, 220 mil e a China, 650 mil, diz o relatório. Nós formamos 47 mil. Os números da China são pouco confiáveis, mas outras comparações eliminam possíveis dúvidas. A Coreia do Sul, por exemplo, com 50 milhões de habitantes, forma 80 mil engenheiros por ano, 26% de todos os formandos. Na China, a crer nas métricas, essa proporção chega a 40%. Em 2006, a taxa por aqui era de apenas 8%. Até o México, país com indicadores sociais semelhantes aos nossos, hoje possui 14% de seus formandos nessa área".
Não se trata de questionar a importância do investimento na pesquisa e da profissionalização na área de humanas (na qual humildemente se inclui este blogueiro), nem de alimentar o pragmatismo cínico do discurso que insiste em relacionar universidade e mercado. Mas de repensar o modelo de aproximação entre a juventude brasileira, cada vez mais seduzida pelo canto da sereia da economia da cultura (que deve sim ser encarado, ressalte-se como um estruturador de políticas públicas), e a ciência num país que cada vez menos valoriza esta última. As vocações, afinal, estão à espera de políticas que lhes atualizem, sejam elas para o cinema, a literatura e a dança; sejam para a engenharia, a matemática e a física.
"Sempre me espanto com a presença cada vez maior de projetos sociais que levam dança, música, teatro e cinema a lugares onde falta quase tudo. Nenhuma objeção, mas é o caso de perguntar por que somente a arte teria poderes civilizatórios. Ninguém pensa em levar a esses jovens um telescópio ou um laboratório de química ou biologia? Centenas de estudantes universitários gostariam de participar de iniciativas assim. Com entusiasmo - e um pró-labore -, mostrariam que a ciência também é legal e despertariam talentos", aposta Salles.
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