sexta-feira, 31 de julho de 2009

O padrinho de Paulinho da Viola

Esse sambista andava afastado da minha "vitrola" há um bom tempo. Eis que literalmente me cai um disco dele na minha frente e encontro a deixa para percorrer novamente o repertório de José Flores de Jesus (1921-1999), o Zé Quietinho. Ou Zé Ketti, como lhe consagrou a história do samba. Aos não iniciados, três discos são fundamentais para compreender a riqueza da música desse portelense: o registro do show Opinião, em que atuou ao lado de Nara Leão e João do Vale; Zé Ketti, lançado em 1977 (e que desde então ganhou umas três edições diferentes, inclusive em CD), e Identidade, editado dois anos mais tarde. 
Personagem plural - cronista, ator, agitador cultural, compositor (de sambas e marchinhas), cantor, entre outros predicados -, Zé Ketti também era dono de um radar privilegiado em relação a novos sambistas, tanto que foi o padrinho musical da carreira de ninguém menos que Paulinho da Viola e Elton Medeiros, com quem assinou composições memoráveis. Entre elas, "Mascarada", que ele aparece cantando aqui no programa Ensaio

O primeiro round do pré-sal


O novo marco regulatório do petróleo brasileiro será apresentado ao presidente Lula na próxima segunda-feira. Alguns jornais noticiaram hoje que um supercomitê vai administrar os recursos gerados pela camada pré-sal. Ao contrário do desejo do Ministério da Fazenda, que pretendia destinar o dinheiro para um fundo soberano como forma de reforçar as contas públicas e "melhorar" a imagem do Brasil no exterior, os recursos - pela proposta que será apresentada a Lula - terão basicamente três destinos. O primeiro (e prioritário) são os investimentos na área social. O segundo são os investimentos em países da América Latina e África, com o objetivo de criar novos mercados para produtos brasileiros e fortalecer a posição geopolítica do Brasil. O terceiro é a redução do volume de dólares no País para neutralizar a chamada "doença holandesa" - valorização excessiva da moeda local causada pela forte entrada de dólares devido a elevadas exportações de determinados produtos, como petróleo e gás, que acabam prejudicando outros setores da economia. 
Importante destacar que o fundo do pré-sal ficará de fora do orçamento, medida importante para evitar o desvio de recursos. "É medida fundamental para assegurar que os recursos não serão desviados para outros fins, como tem sempre ocorrido em sucessivos governos. A educação e a saúde conseguiram alguns avanços dos anos 90 pra cá por conta do direcionamento de verbas para o setor. De lá para cá, todos os fundos criados acabaram sendo desviados para cobrir despesa correntes e deixar o Banco Central confortável para praticar taxas de juros absurdas", aponta o jornalista Luis Nassif, em seu blog.
O debate promete esquentar nos próximos dias. Interlocutores de Lula já sinalizaram que o tema vai virar bandeira de sua sucessão, com o redivivo slogan "O petróleo é nosso" - um disparate cínico se considerarmos a retomada dos leilões de reservas petrolíferas patrocinadas pelo Planalto. De sua parte, a oposição de direita (PSDB à frente) segue em seu ataque a Petrobrás, de olho numa desestabilização da empresa que, via CPI, desestabilize também a campanha de Dilma e que abra caminho para outros usos do baú do pré-sal. Em mãos tucanas, como mostra nossa história recente, esse patrimônio poderia servir apenas para irrigar o mercado financeiro e viabilizar uma nova rodada de "privatarias", inspiradas no mito da eficiência fiscal construída a partir da dilapidação do Estado e do patrimônio público. Antes de 2015, nem petistas nem tucanos colocarão as mãos nos dividendos do pré-sal já que as previsões técnicas mais otimistas dão conta do início da exploração comercial desse novo petróleo brasileiro somente daqui a seis anos. 
A questão é que o próximo governo definirá o modo como o Brasil vai se apropriar dessa riqueza - ou vendê-la. Nassif, mais uma vez, dá algumas boas pistas da importância de elevarmos esse debate ao patamar de um projeto nacional mais amplo, focado no desenvolvimento social. "Há uma visão estreita no país, de separar o bom gasto (investimento) do mal gasto (despesa corrente). É evidente que as despesas correntes precisam ser submetidas a um bom gerenciamento. Mas, para efeito de responsabilidade de Estado e desenvolvimento de país, gastos em educação, inclusão social, tecnologia são mais relevantes até que investimentos - já que o Estado pode se valer de parcerias público-privadas para completar a necessidade de recursos", ele defende.

E continua: "O risco que existe é o da substituição de recursos - algo que ocorreu com a IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira). Aproveitou-se o recurso novo para reduzir as dotações orçamentárias para o setor. A ideia de comitê gestor do fundo firmar convênios com estados e municípios é um dos pilares da modernização do federalismo brasileiro. A forma veio do SUS, ganhou força com a Bolsa Família e, depois, com o PAC Saneamento e com o Plano Habitacional. A União provê os recursos, a regras do jogo e a regulação. Estados e municípios se organizam e implementam os programas. Divide-se o mérito das obras - principal mola propulsora da ação política no País".

terça-feira, 28 de julho de 2009

Manuel Bandeira (1886-1968)


Momento num café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

De olho na geração "nem nem"

Depois da geração X, vem aí a geração "nem nem", termo com o qual sociólogos e estudiosos dos temas da juventude estão definindo os jovens desse início de século XXI. Em resumo: uma geração que não tem estímulo nem para o trabalho nem para o estudo. Uma pesquisa realizada recentemente na Espanha e divulgada no fim de junho pelo El País mostra que 54% dos espanhóis entre 18 e 34 anos dizem não ter nenhum projeto pelo qual se sintam especialmente interessados ou entusiasmados. "Surgiu uma geração apática, desvitalizada, indolente, embalada no conforto familiar?", pergunta o jornal. 
Segundo especialistas, a recente crise econômica acentuou a incerteza no seio de uma geração que cresceu em um ambiente familiar de melhora continuada do nível de vida e que foi confrontada com a deterioração das condições de trabalho. "As vantagens de ser jovem numa sociedade mais rica e tecnológica, mais democrática e tolerante, contrastam com as dificuldades crescentes para se emancipar e desenvolver um projeto vital de futuro", assinala o jornal. 
Para o historiador Elias Thomé Saliba, essa geração está cada vez mais vulnerável à devastação do mundo do trabalho, o que lhe faz reduzir os compromissos, flexibilizar os desejos e rejeitar simultaneamente o estudo e o trabalho. Em alentado artigo publicado na Carta Capital, Thomé resenha o livro A criação da juventude (foto ao lado), de Jon Savage, editado no Brasil pela Rocco. A partir da extensa pesquisa de Savage, Thomé discute como a juventude estaria deixando de ser o elo histórico entre o passado e o futuro das sociedades. "A juventude não é uma essência, mas uma invenção cultural; a juventude não é, ela se faz", defende. 
Em Fortaleza, a geração "nem nem" costuma se reunir em eventos como o Fortal, que se encerrou no último domingo, arrastando para seu vórtice outras gerações, mais velhas, que cada vez mais se contaminam com esse hedonismo acéfalo, com esse mito de diversão juvenil, com essa promessa de falsa alegria extemporânea e alienada que é tão mais trágica quanto mais naturalizada. Daí a imensa dificuldade de se falar em cultura, em arte e em solidariedade por essas bandas. A juventude, que tinha vocação natural de catalisadora das mudanças sociais, vive hoje a história como tragédia. Ou como farsa, transformando seus ritos numa recorrente festa dos mortos.  
Como alento, fica a crença de Elias Thomé segundo a qual, se a juventude foi historicamente inventada, ela pode muito bem reinventar-se. E trilhar novos e insuspeitos caminhos de invenção política e social. Não sei se compartilho dessa crença. Mas vejamos. 

O suicídio via google

Ex-colunista do Wall Street Journal, o jornalista britânico Jeremy Wagstaff mantém um blog sobre tecnologia (www.loosewireblog.com) em que traz levantamentos, no mínimo, pitorescos. A partir do Google Search Trends - ferramenta que mapea as principais tendências de pesquisas feitas em todo mundo no localizador -, ele descobriu, por exemplo, que a frase "commit suicide painlessly" (cometer suicídio sem dor) disparou entre outubro do ano passado e março deste ano, não por acaso o período crítico da crise econômica mundial. 
A partir de abril, o número de procuras pela frase voltou ao patamar anterior ao da crise - relativamente estabilizado desde 2004. Exceto no Reino Unido, cujos internautas continuaram a procurar, via internet, mais do que todo o resto do mundo, formas indolores de cometer suicídio. O Brasil tem um desempenho pífio nesse ranking, segundo o Google Trends. Mas há uma curiosidade macabra para os internautas cearenses: o Ceará é o segundo estado onde mais se tecla a palavra "suicídio". Perde apenas para o Distrito Federal. Entre as cidades, Fortaleza também aparece em segundo, atrás de Brasília.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O elefante

Para Dante Acciolly, Emanuel Furtado e aos que assistiram a algum show do Erosditos em meados da década de 90.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Governando na porrada


O post abaixo foi retirado do blog do escritor Guilherme Scalzilli.  O texto é inspirado na foto acima, que retrata a governadora gaúcha respondendo a uma manifestação de professores realizada em frente a sua casa na semana passada. Para que os três leitores deste Talabarte entendam: diante da manifestação, pacífica, dos professores, Yeda acionou os policiais do Batalhão de Operações Especiais e o pelotão de choque da PM gaúcha, que simplesmente varreram os manifestantes da rua, além de prender pelo menos seis pessoas. 

"Eis a governadora Yeda Crusius (PSDB-RS) em momento finesse. A ação truculenta da polícia sob seu comando imita a famigerada PM paulista, do correligionário José Serra. Ambos os Estados, como o partido que os domina, vangloriam-se de certa superioridade civilizatória. Vê-se.
Fico imaginando o que a imprensa diria se no lugar da simpática Yeda tivéssemos, digamos, Marta Suplicy, a vociferar protegida pelo portão e por cossacos da Guarda Imperial. As interjeições de Eliane (“Gente!”) Cantanhêde, os impropérios miriambatuqueiros de Bárbara Gancia, as lágrimas indignadas das beldades do Saia Justa, os comentários jocosos de Arnaldo Jabor.
Yeda sobrevive porque a grande mídia (local, mas também nacional) ainda acredita que seu interminável cozimento é preferível ao vergonhoso impeachment de uma governadora tucana às vésperas das eleições. Enquanto isso, a direção do PSDB julga que o desgaste sepulta de vez um quadro partidário incômodo; seria o mal menor de uma operação dolorosa, mas necessária.
Tudo isso pode mudar ao sabor das próximas pesquisas e da criatividade da governadora".

terça-feira, 21 de julho de 2009

Viva a sociedade alternativa


"Faze o que quiseres", provoca Rabelais.
"Pois é tudo da lei",  ironiza Raulzito.
"Principalmente se o Gilmar Mendes estiver de plantão", celebra Daniel Dantas.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Publicidade: Secom democratiza em quase 1000% distribuição de verbas


Até 2003, o Governo Federal concentrava sua verba publicitária em 499 veículos e 182 municípios. No ano passado, o universo de órgãos de comunicação contemplados subiu para 5297, em 1149 municípios. Em termos percentuais, um aumento - leia-se democratização - de quase 1000% (961% para ser mais específico) na repartição das verbas. Detalhe: as verbas publicitárias dos órgãos ligados ao Governo Federal permaneceram no mesmo patamar da era FHC, algo em torno de R$ 1 bilhão por ano. "Pelo mesmo custo, (o Governo) está falando melhor e mais diretamente com mais brasileiros. Acompanhando a diversificação que está ocorrendo nos meios de comunicação", afirmou o ministro Franklin Martins (foto), da Secretaria de Comunicação Social, que divulgou esses números. 

sexta-feira, 17 de julho de 2009

God bless the child


Há exatos 50 anos, morria Billie Holiday. Em seu DNA, Lady Day trazia o talento estupendo para o canto e a maldição que assolou toda uma linhagem de grandes cantoras - que começa com Bessie Smith e, depois de passar por Janis Joplin, vem desaguar em Amy Winehouse - que tiveram a vida devastada pelo vício e pelos dramas amorosos. Não é a maior cantora de jazz de todos os tempos, como alardeam os mais apressados ou os mais apiedados. Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan estão num patamar mais alto. Mas é, sem favores, uma das maiores personas do jazz, esse gênero musical que é uma síntese da luta do negro norte-americano pela liberdade. Billie costumava encerrar seus shows com a dolorosa "Strange Fruit", um canto inspirado na imagem de dois negros enforcados no sul dos EUA e já abordado neste talabarte.


Goats head soup: a fuçura de Jagger

Não existe nenhuma banda qualquer; só os Stones. Acho que a frase é de Caetano Veloso e sempre fez muito sentido para mim quando o assunto era a banda britânica. Sim, em minhas remotíssimas memórias musicais, eu consigo recuperar uma época em que discos como Dirty Finger, Goats Head Soup (foto ao lado) e Exile on Main Street quase ganhavam meu toca-CD por usucapião. Eu gostava daquele som cru, chapado, daquela afetação cínica de titia Jagger e da melodias de keith Richards. Aquela melancolia relapsa e aquele enfado fake - que se reproduz até hoje em bandas como Strokes e Artic Monkeys - faziam todo o sentido do mundo, me faziam acreditar numa transcedência mediada pelo rock´n´roll. No caso dos Stones, a promessa de felicidade se transformou em decadência, em auto-indulgência caricata. O que é ótimo porque podemos ouvir um álbum como Goats Head Soup - que, junto com outros discos da melhor fase dos Stones, a virada dos 60 para os 70, ganhou uma reedição remasterizada pela Universal -, como ele efetivamente é: apenas um bom disco. Ou um disco qualquer.

P.S. - Aliás, goats head soup, em bom cearense, é a boa e velha fuçura do sertão


segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dodecafônico



Qual o tom
             maestro?
Entre a puberdade tardia de Petty
e a decadência encatada de Waits

Fico jobinianamente com Zé, 
para abrir a cabeça
dos contentes
 
Ou tomzenianamente com Jobim,
essa pausa de mil 
compassos

no coração selvagem da música

Cearense assina capa de novo CD de Céu


Uma grande sacada o site do designer cearense Renan Costa Lima. Integrante do grupo Transição Listrada, Renan está morando em São Paulo e vem assinando algumas capas muito bacanas da novíssima música brasileira. Entre seus clientes, estão o grupo Cidadão Instigado (para quem Renan prepara o frontispício do novo trabalho) e a cantora Céu (que acaba de lançar o CD Vagarosa, cuja capa é assinada por Renan). No site, há outros trabalhos de Renan. Vale a pena conferir.

Rosa: um carrossel de sentidos

No meu diário de leitor, o reencontro com a obra de dois escritores é sempre uma alegria renovada: Italo Calvino e Guimarães Rosa. Por esses dias, andei me metendo de novo pelas veredas infinitas e circulares dos sertões do mineiro. Fascinante! Sempre. 
Desta vez, usei como bússola algumas coisas escritas por gente como Clenir Bellezi de Oliveira e Walnice Nogueira Galvão, que oferecem chaves preciosas para se compreender a grandeza da literatura de Guimarães Rosa, a partir, por exemplo, da fluência do autor em várias línguas. "Acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito a compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração", afirmava o escritor, fluente em quase uma dezena de idiomas. Essa intimidade com outros dizeres abriu seu caminho entre a coloquialidade sertaneja, com que revestiu de luz e grandeza personagens como Riobaldo, Miguilim, Nhinhinha, Sorôco, entre inúmeros outros. A filosofia de sua obra pode ser compreendida como uma investigação da própria língua, que se abre para um carrossel de sentidos absolutamente original. 
Seus aforismos, por exemplo, são indissociáveis de um jogo particular com a linguagem. Como em "Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o diabo". Ou "O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais". Não se trata apenas de "dizer" a realidade a partir da linguagem, mas de procurar em meandros e engenhos da língua camadas e matizes invisíveis dessa realidade. A luminosidade de sua literatura se dá porque, nela, o ser humano toma consciência de si a partir de uma linguagem rearticulada espontaneamente ao sabor das inquietações e da experiência dos próprios personagens; e não engessadas por cânones específicos. Em Rosa, a vida só é possível a partir da literatura.

domingo, 12 de julho de 2009

Gil e a pirataria via internet


Em entrevista ao jornal espanhol El País, Gilberto Gil se declarou contrário a punições à pirataria na internet, exceto no caso de um grande consenso social. "Estão em jogo as liberdades em uma sociedade democrática. Estas sanções só poderiam acontecer no caso de um grande consenso social", declarou o artista, que está na etapa européia de uma turnê mundial. 

Segundo Gil, no terreno cultural é preciso buscar um equilíbrio entre o interesse comum e a agenda do mundo capitalista. "Os limites às possibilidades que a tecnologia oferece ao público teriam que ser ser estabelecidos depois de um amplo debate democrático", afirmou. 


sexta-feira, 10 de julho de 2009

Sampler pra que te quero

Que vídeo bacana! David Ford é o nome da figura.

Ponto fora da curva

Branford é um ponto fora da curva da dinastia Marsalis, cujo DNA costuma trazer uma sonoridade mais conservadora e ortodoxa (mas nem por isso menos brilhante). Os discos de Branford têm um som mais visceral e arrojado do que, por exemplo, a produção de seu irmão Wynton, acenando para uma linhagem que passa por Coltrane e Ornette Coleman. Branford é dionisíaco, Wynton, apolíneo. Braggtown é um de seus discos mais recentes e que tem feito minha cabeça: uma paulada de cores, texturas e frases cheias de virtuose.

Mito do dia


"Não é possível dizer sem dor que também Kurt Cobain vendeu-nos a adolescência, o mito da eterna juventude, assim como antes dele Dean, Joplin, Hendrix. Os heróis adolescentes não podem ficar velhos, devem morrer para garantir o ideal da marca que representam. A marca é o mito da eterna juventude. O que importava nas imagens de mortos dos mitos, mesmo quando já não eram púberes, sempre foi a inexistência de relação com a vida real, aquela que envolve algo como a responsabilidade e que pode para muitos ser mais que desagradável. Melhor a morte".

Márcia Tiburi, no ensaio O cheiro do espírito adolescente


quinta-feira, 9 de julho de 2009

Aforisma

A ressaca devolve ao homem a consciência de sua finitude.

Dines e o "festival de hipocrisia"

Cheguei com atraso ao texto "Festival de hipocrisia", de Alberto Dines, publicado no site do Observatório da Imprensa, sobre a decisão do STF. Mas a leitura continua quente.

"Está extinta a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício profissional. Depois de 34 anos de manobras e maquinações, as corporações de empresários de comunicação conseguiram esta vitória de pirro: sob o pueril pretexto da defesa da liberdade de expressão, patrocinaram um retrocesso que afetará decisivamente a qualidade do nosso jornalismo.
Estes novos defensores da liberdade de expressão até agora não se deram ao trabalho de explicar à sociedade quem lhes conferiu o diploma de representantes do interesse público. Qual a credibilidade do Sindicato das empresas de rádio e Tv do estado de São Paulo para falar em nome da sociedade civil? As emissoras reunidas neste Sindicato, todas concessionárias da União, por acaso têm reputação ilibada? Respeitam o telespectador, obedecem à classificação indicativa, oferecem um entretenimento edificante?
O fim do diploma teve o mérito de mostrar mais uma vez como se comporta a mídia quando os seus interesses estão em jogo.
O episódio foi acompanhado por uma cobertura parcial, claramente manipulada. Ninguém explicou o que é que o Ministério Público Federal estava fazendo numa ação difusa, doutrinal, suscitada aleatoriamente, sem fato novo ou ameaça imediata. Isto não foi explicado. Nada foi explicado, importava martelar um único factóide. Os males da nossa imprensa decorrem da obrigatoriedade do diploma.
Não é estranho que, na grande mídia, só se manifestaram os profissionais contra o diploma? A favor do diploma só apareceu um grande nome: o colunista da Folha, Jânio de Freitas. Por acaso não há outros? Onde está o pluralismo de uma imprensa que se pretende livre e objetiva? É certo que a centenária ABI e a Federação dos Sindicatos apareceram num cantinho do noticiário repudiando a decisão do STF. Mas por que não se publicou o voto do ministro Marco Aurélio de Mello, o único ministro que ousou contestar os argumentos do relator Gilmar Mendes?
O diploma de jornalista para o exercício do jornalismo foi considerado desnecessário pela Suprema Corte. Mas graças a este mesmo diploma tivemos o privilégio de assistir ao festival de hipocrisias daqueles que usam o pretexto da liberdade de expressão para acabar com ela".

Mania de listas

Os cinco melhores discos do primeiro semestre.

1. Balangandãs, de Ná Ozzetti. Disco-tributo a Carmem Miranda que revisita o repertório clássico de compositores igualmente canônicos, como Assis Valente, João de Barro, Synval Silva, Dorival Caymmi e Zequinha de Abreu, entre outros, com roupagem revigorada e delicada assinada por Dante Ozzetti e Mário Manga. Uma delícia.

2. Zii e Ziê, de Caetano Veloso. Ao dar continuidade à sonoridade crua e minimalista construída em Cê, mas superando o amargor das letras do disco anterior, Caetano grava um disco corajoso, em que volta a tensionar o horizonte de nosso consumo musical e mexe mais algumas peças no tabuleiro do jogo entre a tradição e o contemporâneo.

3. Debussy, Nelson Freire. O pianista brasileiro chegou a um ponto tal de maturidade artística e virtuosismo que qualquer registro seu entra automaticamente para qualquer lista dos melhores discos de todos os tempos. Pois bem, como lançou esse belíssimo Debussy no primeiro semestre, não poderia ficar de fora.

4. Peixes pássaros pessoas, de Mariana Aydar. A promessa anunciada em Kavita 1 se confirma nesse disco com sonoridade e repertório poderosos. Um samba jovial, sem amarras nem manias de passado, anda de mãos dadas a um pop inteligente, artigo cada vez mais raro em nossas estantes. Vide a ótima Tá?

5. Saudades do Cordão, de Guinga e Paulo Sérgio Santos (foto acima). Dois outros exemplos de músicos que, sempre que lançam trabalhos novos, figuram entre os mais mais do ano. Lançando um disco em parceria, então, os dois vão para as cabeças. Para as mais inteligentes e sensíveis, naturalmente. Discão.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Contraponto do dia


"A mídia impressa deveria ser um contraponto de civilidade à obsessão da mídia eletrônica por celebridades".

Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha de São Paulo.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Os balangandãs de Ná Ozzetti

Quando não o samba (que, em seu caso, as crises e supostas mortes já são rotineiras, bem como o seu renascimento), mas o próprio formato de canção é colocado na guilhotina (Chico Buarque, Tinhorão e Wisnik, por exemplo, já questionaram o lugar que a canção ocupa hoje em nossa cultura), eis que um disco areja e dá novas tintas à discussão. Balangandãs, disco-tributo de Ná Ozzetti a Carmem Miranda, revisita o repertório clássico de compositores igualmente canônicos, como Assis Valente, João de Barro, Synval Silva, Dorival Caymmi e Zequinha de Abreu, entre outros, com roupagem revigorada e delicada assinada por Dante Ozzetti e Mário Manga. 
A primeira pergunta ao se deparar com o disco é: qual o motivo de revisitar, mais uma vez, o repertório consagrado por Carmen Miranda? E depois: por que revisitar canções que, ao marcar época, ganharam inúmeras regravações e constituíram uma matriz importante do formato que ora se apresenta em crise? No disco, Ná Ozzetti, umas das intérpretes mais técnicas e afinadas de sua geração, responde tais questionamentos com uma altivez e uma leveza que impressionam: porque se é preciso tensionar e desconstruir a canção popular (expediente, aliás, brilhantemente percorrido pela geração paulistana a que Ozzetti se filia) para que se possa decantar seus procedimentos e compreender seu novo locus em nossa cultura, duas alternativas se colocam. A primeira é produzir um novo tipo de canção, que supere as limitações às quais o gênero se aprisiona hoje. A segunda é tentar desconstruir a própria base do modelo. E qual uma base em termos de canto feminino na música popular brasileira? Carmen Miranda, muito prazer. 
Discão!

Abaixo, Ná Ozzetti em ação.


A FHC o que é de FHC

Essa vem quentinha. Direto do blog do Emir Sader:
"Que cada um expresse aqui o reconhecimento que FHC pede. Felizmente, para a oposição, FHC não se contêm, não consegue recolher-se ao fim de carreira intelectual e política melancólicos que ele merece. E cada vez que fala, o apoio ao governo e a Lula aumentam. Agora, reaparece para reclamar que não se lhe dá os reconhecimentos que ele julga merecer. Carente de apoio popular, ele vai receber aqui os reconhecimentos que conquistou. (...)"
"O reconhecimento por ter quebrado o país por três vezes, elevado a taxa de juros a 48%, assinado cartas de intenção com o FMI, que consolidaram a subordinação do Brasil ao capital financeiro internacional. O reconhecimento dos EUA por ter feito o Brasil ser completado subordinado às políticas de Washington, por ter preparado o caminho para a Alca, para o grande Tratado de Livre Comércio, que queria reduzir o continente a um imenso shopping Center. O reconhecimento a FHC por ter promovido a mais prolongada recessão que o Brasil enfrentou. O reconhecimento a FHC por ter desmontado o Estado brasileiro, tanto quanto ele pôde. Privatizou tudo o que pôde. Entregou para os grandes capitais privados a Vale do Rio Doce e outros grandes patrimônios do povo brasileiro".
"Por isso ele é adorado pelas elites antinacionais, por isso montaram uma fundação para ele exercer seu narcisismo, nos jardins de São Paulo, chiquérrimo, com o dinheiro que puderam ganhar das negociatas propiciadas pelo governo FHC. FHC será sempre reconhecido pelo povo brasileiro, que tem nele a melhor expressão do anti-Brasil, de tudo o que o povo detesta, ele serve para que se tome consciência clara do que o povo não quer, do que o Brasil não deve ser".

CD traduz clássicos negros assinados por judeus


Um dos CDs mais importantes do ano será lançado no início de agosto e virá assinado por Carlos Rennó e Jaques Morelembaum. Trata-se de Nego, uma coletânea reunindo diversos artistas brasileiros (Seu Jorge, João Bosco, Maria Rita, Zélia Duncan, Gal Costa, entre outros) interpretando clássicos da música negra norte-americana escritos por compositores judeus e brancos (Gershwin, Irving Berlin, Richard Rodgers, Lorenz Hart, etc).
"A época dos anos 20 aos anos 40 foi um dos pontos mais altos da canção popular americana. Floresceram e se desenvolveram obras que ficarão para sempre na história das canções. E a maior parte do primeiro time de músicos era formada por judeus de origem simples, que descendiam de estrangeiros vindos da Europa", explica Rennó em entrevista à coluna de Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo. "No coração dessa explosão musical está a aliança negro-judaica, onde negros e judeus dos EUA se identificaram como povos exilados, outsiders. A música era uma via de emancipação. E aconteceu então uma identificação em que músicos judeus vão assimiliar a música e a musicalidade dos negros".
Segundo Rennó, esse encontro e essa identificação entre autores judeus e músicos negros foram determinantes para o erguimento das grandes obras da música popular americana. "Os que mais sofreram são os responsáveis principais pela alegria dos povos, se considerarmos que muito dessa alegria vem do consumo da música".
Uma das músicas escolhidas para o disco é "Strange Fruit", com que Billie Holliday costumava encerrar seus shows. A canção é uma bela e triste alegoria para o sentimento de horror de Abel Meeropol, autor da música, diante de uma das fotos mais chocantes do século XX - em que aparecem dois negros enforcados numa árvore, depois de terem sido linchados por um multidão em Indiana, no sul dos EUA (foto acima). "Eis uma fruta/ pra que o vento sugue/ pra que um corvo puxe/ Pra que a chuva enrugue/ pra que o sol resseque/ pra que o chão degluta./ Eis uma estranha/ E amarga fruta", diz a letra de Abel, que assinava como Lewis Allan, vertida para o português por Rennó e interpretada no disco por Seu Jorge.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Fagner, Ednardo e Belchior

Acabo de retornar da TV O POVO, onde participei do programa Coletiva. O entrevistado foi o cantor e compositor cearense Raimundo Fagner, que anunciou que é desejo seu dividir o palco com Belchior e Ednardo em Fortaleza para, segundo ele, pagar uma dívida com o público dos três na Cidade. Tal show só não acontece, em sua versão, por restrição dos dois outros artistas. Lançando disco novo, Fagner foi entrevistado por mim, Paulo Linhares, Luciano Almeida Filho e Fausto Nilo, que resumiu muito bem o que poderia ser esse novo encontro entre F, E e B. Segundo Fausto, o show deveria acontecer pelo carisma e pelo carinho que o público cearense tem com esses três nomes, mas não pela necessidade de tornar coletiva uma experiência ou um projeto na música cearense. Para ele, nunca houve projetos coletivos na música cearense, mas apenas carreiras individuais que caminharam paralelamente e que se encontraram eventualmente. Fagner assinou embaixo. O programa vai ao ar no próximo domingo à noite, na TV O POVO. 

domingo, 5 de julho de 2009

Coltrane-se

Um Coltrane para uma linda manhã de domingo. Um dos melhores quartetos de jazz de todos os tempos. McCoy Tyner, Elvin Jones e Jimmy Garrison ao lado de Coltrane.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A era dos abalos


Vivemos a era dos abalos. Sempre mais violentos e cada vez mais estéreis, para usar um pensamento de Robert Hughes. É cada vez mais tortuoso o caminho que separa - em meio a um deserto de valores nas artes, na culinária e em outros campos da produção cultural -, a experimentação da parvoíce, a consistência inovadora da retórica vazia, o sublime da grosseria e da vulgaridade. Pretende-se hoje, nas palavras do crítico de arte australiano, fazer algo diferente daquilo que se fez ontem, para verificar que se trata de diferenças sem qualquer significado.
"Quando a razão está em xeque, confusões e equívocos multiplicam-se e o homem perde o senso", dispara Mino Carta, a título de epígrafe de um ótimo texto sobre o tema, o "Ensaio sobre a fraude", publicado esta semana na Carta Capital. Ele cita como exemplos de fraude em nossos dias a enganação "molecular" da cozinha de Ferran Adrià, que pode cobrar de seus comensais algumas centenas de dólares por um punhado de insipidez; os salários astronômicos pagos a qualquer cabeça-de-bagre no futebol europeu; e, principalmente, os embustes da chamada arte contemporânea, como o "Tubarão", de Hirst (foto acima), avaliado em imbecis U$ 12 milhões.
"Está claro que a aventura da cozinha molecular não é exemplo isolado da imbecilização do mundo. O qual viveu décadas a fio à sombra da doutrina econômica neoliberal, baseada na fé de que o dinheiro fermenta por conta própria. Deu no que deu, apesar do denodo dos embusteiros e da credulidade dos parvos", segue Mino, tabelando com Hughes: "Em arte, a experimentação é somente figura de retórica". Assim como o crítico, voltei a preferir as luminescências das pérolas de Vermeer do que as vitrines de Joseph Beuys. Se a arte projeta novos mundos, talvez seja a hora de retomarmos valores do passado como desafio e estímulo na direção de novas formas, como propõe a professora Elisa Byington em O Projeto do Renascimento (Jorge Zahar editora)
"Poder e dinheiro, nos dias de hoje, não têm contribuído para a evolução da humanidade. Entorpecem o senso estético e outros sentidos, em nome da moda, da novidade, do up-to-date. E obnubilam as consciências, atordoam os espíritos, turvam as ideias", fecha Mino. Em resumo: precipitam a imbecilização do mundo.

Em tempo: em abril, o jornalista alemão Jörg Zipprich descortinou os bastidores da tal cozinha molecular e descobriu que a caçarola de Adrian leva de 20% a 40% de aditivos químicos para modificar o gosto dos alimentos e obter extravagâncias, poupando matéria-prima.