sábado, 21 de agosto de 2010
Um meteoro chamado Clifford Brown
A essência da genialidade de Miles Davis estava em sua permanente inquietação com o, literalmente, "estado da arte" no campo do jazz. Movido por esse sentimento, ele formou grupos antológicos, gravou discos referenciais (com texturas singulares) e reinventou a música pelo menos umas três vezes no século XX. No entanto, Miles não era "o" virtuose do trumpete - o que, aliás, lhe causava certo embaraço pessoal. Do ponto de vista estritamente técnico, atravessou mais de meio século de carreira à sombra de nomes como Dizzy Gillespie, Lee Morgan, Freddie Hubbard e, principalmente, Clifford Brown.
"(Clifford) é uma mina de ideias melódicas, tanto nas baladas (com um lirismo que Wynton Marsalis luta para igualar) quanto nos dedilhados frenéticos (mas que fazem sentido) nos temas em tempo rápido. Tudo isso a bordo de um som cheio e redondo do trompete, de uma beleza que, digamos, Dizzy Gillespie não quis procurar e Miles Davis não conseguiu encontrar", define Ruy Castro no livro Tempestade de ritmos. Ao contrário de Davis, Clifford teve muito pouco tempo para mostrar trabalho. Sua carreira foi tão curta quanto igualmente impactante no mundo do jazz. Ao morrer em 1956, aos 26 anos, num acidente de carro que também vitimaria o pianista Richie Powell, ele tinha meteóricos cinco anos de carreira e apenas três de gravações - em que produziu discos em torno dos quais continuam a orbitar os candidatos a trumpetista.
São basicamente dois os conjuntos mais marcantes de gravações de Brown. O primeiro para a francesa Vogue, com discos gravados em Paris, às escondidas do então patrão Lionel Hampton. Nessa série, CB foi acompanhado por nomes como Quincy Jones, o trompetista Art Farmer, o sax-alto Gigi Gryce e o trombonista Jimmy Cleveland. O segundo é a antológica parceria com Max Roach no que entraria para a história do jazz como o Clifford Brown-Max Roach Quintet. Foram 63 faixas registradas para a gravadora EmArcy - hoje, espalhadas em CDs ainda possíveis de serem encontrados em qualquer boa antologia do gênero.
Esses três anos ao longo dos quais Clifford dedicou-se às gravações foram de tal forma intensos que o guia da Penguin lista nada mais nada menos que 25 discos no currículo de Brown. Alguns desses discos, principalmente aqueles resultados de apresentações ao vivo, infelizmente, têm uma péssima qualidade de som - não raro, com uma forçada tentativa de dar mais proeminência à bateria de Roach. Ainda assim, a força do som de CB incendeia os registros e chama logo a atenção do ouvinte.
Se Miles levou mais de meio século promovendo suas revoluções no mundo do jazz, Clifford Brown precisou de apenas cinco anos para reinaugurar a história do gênero. Miles era a teoria, CB, a prática.
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