terça-feira, 30 de setembro de 2008

Machado e a crise


"Não há bancos eternos. Todo banco nasce virtualmente quebrado; é o seu destino, mais ano, menos ano".

"As pessoas foram crianças, não esqueceram decerto a velha questão que se lhes propunha, sobre qual nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha. Eu, cuja astúcia era então igual, pelo menos à de Ulisses, achava uma solução ao problema, dizendo que quem primeiro nasceu foi o galo. Esta semana lembrei-me do velho problema insolúvel. Com os olhos no chão, repeti o monólogo de Hamlet, perguntando o que nasceu primeiro, se a baixa do câmbio, se o boato. Se ainda tivesse a antiga astúcia, diria que primeiro nasceram os bancos".

"O mal do câmbio parece-se um pouco com o da febre amarela, mas, para a febre amarela, a magnésia fluida de Murray, que até agora só curava dor de cabeça e indigestões, é específico provado neste verão. (...) Que magnésia há contra o câmbio? Que Murray já descobriu o modo certo de acabar com a decadência progressiva do nosso triste dinheiro?"

Os trechos acima foram escritos por Machado de Assis em sua coluna "A semana", no jornal "Gazeta de notícias", na virada do século XIX para o século XX. Como se percebe, certas coisas permanecem até nossos dias: a genialidade do Bruxo do Cosme Velho e o cinismo de certas instituições financeiras.


Quem ferra o touro?


Deixa ver se eu entendi. O panfleto fascista chamado Veja saudou o pacotaço de U$ 700 bilhões que Bush ia colocar no colo dos banqueiros e agiotas quebrados de Wall Street e setenciou que o Governo Lula, a bem do Brasil, tinha, diante da crise, de parar com a "gastança pública" e apertar novamente o nó do superávit primário. Bom, a barrigada da Veja foi antológica: o Congresso americano disse não e o Tio Sam acabou sem socorrer ninguém. Ponto para a Carta Capital desta semana que colocou a metáfora no seu devido lugar. Ainda assim, a revista dos Civita saudou o banditismo do cassino financeiro mundial como o injetor de liquidez responsável pelo crescimento de países como o Brasil. E mandou o presidente repensar medicinalmente o "intervencionismo" do Estado no Brasil e seus "gastos". Naturalmente, a revista esqueceu de se referir ao Proer, à privataria tucana e à compra da reeleição do presidente FHC nos balcões do Congresso como evidências deste crescimento financiado com capital especulativo devidamente segurado por grana pública.

Sei não, mas depois que o delegado Protógenes, o juíz de Sanctis e o superintendente Paulo Lacerda foram eleitos "culpados" pela cobertura do episódio Daniel Dantas, é capaz da fatura da escumalha engravatada de Nova York estourar mesmo no colo de Lula e da esquerda latino-americana. Enquanto isso, o touro de Wall Street (foto) vai seguir sem ser ferrado. Eita imprensa!

Desabafo do dia


"Cada jornal e revista faz questão de ter uma entrevista exclusiva. Mas a pergunta é coletiva. Se eu pudesse, distribuía uma apostila com respostas para dez perguntas. O que mais as pessoas quisessem saber, aí eu dava uma exclusiva. Só que assim ninguém quer. Além disso, para não privilegiar nenhum veículo, os CDs chegam às redações no fim de um dia e as entrevistas são já no dia seguinte. Então, qualquer análise tem que ser rápida e, muitas vezes, superficial. Gostaria realmente de provocar uma reflexão sobre isso porque é um esquema ruim para o jornalista, ruim para o leitor, ruim para o jornal e ruim para o artista". Marisa Monte, em entrevista ao jornal O Globo no último domingo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Salgadinho do dia


"Calma que nós somos muito novos!"
Ronaldo Salgado (foto), professor, jornalista, guru e amigo querido, sobre situações em que se precisa decidir entre a pressa e o vagar

Pregnância do dia


"A cultura norte-americana, com sua forte pregnância classificatória, insiste muito na separação entre 'art' e 'entertainment'. Simplificando: se é arte, é chato, se é gostoso, não é arte. Esse jogo preconceituoso é péssimo: ele faz engolir gato por lebre e recusar lebre por gato. Há certas obras que são apaixonantes, mas consideradas difíceis. É que o espectador não encontrou as boas chaves para elas. Procurá-las é um desafio: dificuldade não quer dizer tédio, mas estímulo. As artes foram feitas para oferecer prazeres dos tipos e gêneros diversos. Se eu me aborreço, é que alguma coisa está errada".

Jorge Coli (foto), crítico de arte na coluna Ponto de Fuga do caderno Mais!, da Folha

Moyseis Marques


Samba do bom, sem frescura. Uma divisão inacreditável. O nome do homem é Moyseis Marques. O Moyseis se escreve assim mesmo: batismo do cantor, do compositor e do disco de estréia. Pra falar dele é simples: canta muito! Mais um da nova geração da Lapa: Pedro Miranda, Gallotti, Tira Poeira, Anjos da Lua, Casuarina, essa rapazeada boa que vai levando o samba adiante com muito talento, garra e respeito.
Meu amigo Thales Catunda me ligou outro dia de Brasília me perguntando o nome de um samba que ele estava ouvindo por lá, "é um que fala nos nomes das favelas". Pois o nome é esse mesmo: "Nome de favelas", samba do Paulo César Pinheiro que abre o disco. O Elton Medeiros dá uma canja no disco, em "Quatorze anos", do Paulinho. Dois "Gordurinhas" pra cá, dois "Wilson Moreiras" pra lá e o homem registrou a impagável "Meu enxoval" (numa "suíte" que tem também "Falsa Patroa") e "O vendedor de caranguejo", do primeiro; e "Mocotó do Tião" e "Fidelidade Partidária", do segundo. Essas últimas, aliás, dois carimbos da parceria com Nei Lopes.
Jackson do Pandeiro ia ficar morrendo de orgulho de ver um cabra ter tanto suingue na voz: "Estou dormindo ao relento, valei-me nossa Senhora!/ O meu travesseiro é o Diário da Noite/ E o resto do corpo fica na última hora".
Tem também "Roda" do Gilberto Gil, onde Moyseis dá outro show de divisão. Tem uma coisa linda chamada "Minha Verdade", do Délcio Carvalho e da Dona Ivone Lara: "Eu tenho a minha verdade/ Fruto de tanta maldade que já conheci/ Me deixa caminhar a minha vida livremente/ O que desejo é pouco/ Pois não duro eternamente". O samba de breque se faz presente com "Baile na Piedade", do Jorge Veiga. E tem ainda uma do Luiz Carlos da Vila e do Sereno, "Profissão".
O resto do disco é da lira do cara: "Samba, ciência da graca", "Palpite de gafieira", "Receita de Maria", "Prece à inspiração" e "Branda Liberdade". Quando a coisa tá no sangue, é foda: até o fim da adolescência, o Moyseis mal sabia quem era Paulinho da Viola, Candeia, Gil, Elton Medeiros, Paulo César Pinheiro e outros lordes do gênero.
Discão!

Abaixo, o homem em ação...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Baltar, a dama do novo samba

O samba não pára de frutificar grandes cantoras. Mariana Baltar, uma carioca de Copacabana de voz elegante e fina estampa, é mais uma delas. Depois de gravar, em 2005, seu primeiro CD, Uma dama também quer se divertir (Zambodiscos), ela foi indicada ao prêmio Tim de música de 2007 na categoria Revelação. Não levou e dizer que merecia talvez soasse como uma injustiça com seus pares de geração, como Mariana Haydar, Roberta Sá e Luciane Medeiros. Afinal, apesar de longe da mídia (a maioria), as novas cantoras de samba forma um time coeso que tem algumas características em comum, a exemplo do apuro técnico da emissão e da escolha pouco previsível do repertório. No caso particular de Baltar, a voz é de uma leveza e de um vigor muito especiais. No CD, o repertório foge do lugar-comum, seja na seleção ou mesmo nos arranjos, assinados por Evandro Lima, Alfredo Galhões, Paulão 7 Cordas e Eugenio Dale. Escoltada por esses arranjadores, Mariana vai ter com capítulos menos badalados - mas extremamente interessantes - da obra de Assis Valente ("Deixa Comigo"), João Bosco ("Bala com Bala"), Jorge Ben Jor ("Zumbi"), Cartola ("Fita meus olhos") e Billy Blanco ("O piston do Barriquinha"). Vale destacar também a versão - uma das melhores que a música já ganhou - de "Pressentimento", de Hermínio Bello de Carvalho e Elton Medeiros) e a grata surpresa de "Vai com Deus", um dos melhores sambas de Teresa Cristina (ao lado de João Callado) e que tem todo o jeito de um daqueles sambas arrasa-quarteirão da Velha Guarda da Portela.

Abaixo, uma canja da moça.


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Estamos de volta

Caríssimo(a)s,
Sei que a crise econômica mundial se explica em parte pelos dias de ócio deste blog, que, por sua vez, se explicam por uma mudança de endereço que vem consumindo todas as energias deste missivista. Portanto, o Talabarte informa que está retomando suas atividades normais como forma de apaziguar os ânimos da ciranda financeira, de Wall Street ao Beco da Poeira - onde a quebra do Lehman Brothers, a aquisição do Merril Lynch, o desmantelamento da AIG e o pacote trilhonário do Bush repercutiram de forma dramática no preço de comoditties como a avoante, a buchada e o DVD ao vivo das Tigresas Cover. Em breve, novos posts.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Unanimidade do dia

"Pouco a pouco, o copy desk acabou fazendo do leitor outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós, cem milhões de copy desk. Cem milhões de impotentes de sentimento".
Nelson Rodrigues, A Desumanização da Manchete