segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Todas as Lapas ao mesmo tempo agora


"Quem projetaria / essa elegância solta / essa alegria / (...) Lapa/ amo nosso tempo/ em ti". Os versos de Caetano Veloso iluminam não só o sentimento e o clima quase inefáveis que percorrem as ruas do boêmio bairro carioca da Lapa, meca para os amantes do samba e do choro em todo o Brasil (e para roqueiros, regueiros e raveiros de diversos matizes); mas também celebram o encontro de épocas que se atravessam e se cruzam nas dezenas de bares, botecos, galpões e sobrados que se espalham entre a ruas do Lavradio, Mem de Sá e do Riachuelo. Jovens revisitam repertórios de outros tempos e estendem a bandeira branca para o conflito de gerações que tanto constrangeu a música brasileira nos anos 80; velhos senhores e senhoras abrem os olhos e ouvidos para novas e novíssimas composições de gente como Alfredo Del Penho, Moyseis Marques, Edu Krieger, Teresa Cristina, Gallotti, Pedro Miranda e tantos outros novos gênios da raça; universitárias descoladas e neo-feministas entoam canções machistas que fizeram a glória do samba nos anos 40; reacionários de vários quadrantes da direita se permitem estufar o peito para cantar Chicos, Caetanos e quejandos saudando a igualdade das diferenças. É o mistério da Lapa, que dissolve fronteiras e gerações em nome da alegria da boa música brasileira, cada vez mais clandestina em sua própria terra (embora os grupos de jovens sambistas que vão pipocando em todo o País, muito por causa do movimento que se iniciou na própria Lapa - Evoé, Gallotti! - acendam uma alentadora esperança...).
A Orquestra Republicana - formada por músicos de diversos grupos cariocas como Tira Poeira, Garrafieira e Anjos da Lua - é um dos grupos mais tradicionais nesse novo mapa (contradição assim é a cara da Lapa) da boemia musical do bairro. Desde 2005, Gallotti, Pedro Holanda, Mariana Bernardes e cia. pilotam a gafieira moderníssima das noites de sábado no Democráticos, um charmoso e centenário sobrado localizado na Rua do Riachuelo que ferve ao som de muito partido-alto, samba sincopado, choros e valsas. Em 2008, o baile foi registrado e agora, finalmente, virou disco através do selo Bolacha Discos. No repertório, Lapas de diversas épocas se encontram. Mas o destaque é mesmo a novíssima Lapa cantada em composições de Alfredo Del-Penho ("Quebranto", "Pra Essa Gente Boa", "Noite à Lapa"), Pedro Hollanda ("Acontece", "Não Vem que Não Tem"), Eduardo Gallotti ("Partido do Homem Solteiro") e Samuel de Oliveira ("Rosa Branca Maré").  Um disco pra saudar a alegria de ser brasileiro, radicalmente brasileiro, e, como diz Caetano, saudar a alegria de viver em nosso tempo.

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