quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Diálogos Possíveis: Ronaldo Salgado


Para o jornalista Ronaldo Salgado, professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), é chegada "a hora de uma nova ordem de comunicação no Brasil". Essa nova ordem, no entendimento do acadêmico, passa pela discussão republicana dos novos direitos e deveres das empresas de comunicação em sua relação com a sociedade. Ele destaca que mecanismos como os conselhos estaduais de comunicação e o Conselho Federal de Jornalismo, que têm sido satanizados pelos grandes veículos de mídia no Brasil, são importantes na definição de um modelo brasileiro de controle social  - a exemplo do que acontece em diversos países do mundo. "(Os grandes veículos) esquecem o que está na Constituição Federal, deturpam o papel e as discussões que houve na Conferência Nacional de Comunicação e banem do noticiário as vozes favoráveis a essa discussão, de forma descarada e antiética, para dizer o mínimo", defende o professor.

Por e-mail, Ronaldo respondeu três perguntas enviadas pelo blog. As respostas seguem abaixo, na íntegra.

Talabarte - Quem perde e quem ganha com a revisão do sistema de regulação dos meios de comunicação por parte da sociedade civil que (in) existe no Brasil? Por quê? 
Ronaldo Salgado - Em verdade, essa questão é tão urgente quanto o são a reforma política, a reforma tributária e a reforma trabalhista, para ficarmos nesses três setores fundamentais para a reorganização política e socioeconômica do Brasil. Antes, cabe uma ressalva: essas reformas não podem ser vistas e analisadas somente sob a ótica da elite política e econômica do País. Urge que o conjunto da sociedade brasileira, na multiplicidade de suas entidades representativas e seus interesses específicos e gerais, seja ouvido e levado em consideração sobre o papel e a atuação dos meios de comunicação no Brasil. Daí a importância também da discussão sobre mecanismos de regulação dos meios de comunicação, principalmente o setor audiovisual – emissoras de rádio e televisão (aberta e paga), além da própria Internet. A questão de jornais e revistas também precisa ser levada em conta, mas sob outra ótica, já que, diferentemente das tevês e das emissoras de rádio – concessões públicas governamentais –, são empresas privadas, com registro na Junta Comercial. Mas cumprem um serviço de interesse público. Em um raciocínio mais ponderado, o ideal seria pensar num único vencedor: o interesse coletivo. A questão não é de controle, tutela ou submissão dos meios de comunicação a quaisquer mecanismos que sejam criados para acompanhar as produções jornalísticas, culturais ou de entretenimento, como ocorre nos países mais avançados do mundo. A questão deve ser vista sob o crivo da responsabilidade e do interesse de todos que consomem essas produções no quotidiano. Os meios de comunicação no Brasil precisam prestar contas, sim, à sociedade que serve – bem ou mal, esses serviços prestados não podem estar submetidos única e exclusivamente aos interesses, às ideologias, às vontades, aos caprichos ou à sanha de seus proprietários. Ora, quando manipulam reportagens, distorcem e sonegam informações, deturpam conteúdos, desrespeitam dignidades alheias, atentam contra os Direitos Humanos, ou, simplesmente, omitem informações à sociedade, atendendo somente aos interesses empresariais específicos de cada grupo empresarial da comunicação ou mesmo corporativos da mídia brasileira, abre-se espaço a um processo cada vez mais perverso de alienação da sociedade, nos segmentos mais desprovidos de uma consciência crítica. Ou, simplesmente, incorrem no crime de lesa-pátria por atender tão somente aos  interesses internacionais contrários à nação brasileira. Situação, aliás, vivida recentemente, quando do processo de desconstrução do Estado brasileiro que ficou conhecido como “privataria”.

Talabarte - Como você tem acompanhado a postura dos grandes veículos de comunicação em relação a esse debate? 
Ronaldo Salgado - Acompanho com tristeza, mas com minha consciência crítica em permanente estado de alerta. Afinal, a postura dos grandes veículos é, no mínimo, cínica, desrespeitosa para com os leitores, telespectadores e ouvintes de jornais, revistas, emissoras de TV e rádio. Essa postura faz gato e sapato da maior parte da população, simplesmente porque não informa com equilíbrio e isenção. Não é pautada pelo compromisso de informar com imparcialidade e eqüidistância como consta nos manuais de redação da maior parte desses veículos. Usam os atributos de imparcialidade, neutralidade, compromisso com a verdade dos fatos e atuação sob a égide da ética para conquistar audiência – ou seja, fazem uma descarada propaganda enganosa contra a sociedade, que paga por um produto jornalístico de qualidade e recebe outro completamente diferente. Veja o caso das discussões sobre o Conselho Federal de Jornalismo, há dois anos, e dos conselhos estaduais em processo de discussão preliminar no Ceará e em vários outros estados brasileiros, mais recentemente. Esquecem o que está na Constituição Federal, deturpam o papel e as discussões que houve na Conferência Nacional de Comunicação e banem do noticiário as vozes favoráveis a essa discussão, de forma descarada e antiética, para dizer o mínimo.

Talabarte - Que propostas concretas poderiam delinear esse novo modelo de regulação pública dos meios sem que isso se configure em expedientes de censura ou de cerceamento à liberdade de expressão?
Ronaldo Salgado - É necessário que os setores antagônicos nessa questão sentem-se à mesa e encarem o desafio de construir um modelo de controle social, cujo primeiro parágrafo do documento que daí vier a surgir seja: “Somos intransigentemente contrários a qualquer tipo de censura ou de cerceamento à liberdade de expressão no Brasil, submetidos que estamos à Carta Magna do País”. A partir disso, devemos nos debruçar sobre os modelos de controle social postos em prática em todo o mundo – nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, na Itália, na Alemanha, entre outros – e, de maneira crítica, racional, responsável e séria, encontrarmos o que mais bem se adéqua à realidade de um país com 27 estados federativos, além do Distrito Federal, e uma população de mais de 185 milhões vivendo em condições econômicas, sociais, políticas e culturais absurdamente diversas. Ora, essa complexidade, por si só, já nos basta para defender a urgência da discussão sobre controle social dos meios de comunicação no Brasil. Esses meios não podem ficar agindo – como o fazem muitas e muitas vezes – preocupados somente com os seus interesses familiares e\ou corporativos. É chegada a hora de uma nova ordem de comunicação no Brasil.

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