sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Dez nós na madeira

Hoje é o aniversário de 69 anos de João Nogueira. Para saudar a memória e a obra deste que foi um dos maiores cantores e compositores do samba, o Talabarte percorre dez discos fundamentais em sua discografia.

1. João Nogueira (1972)
LP de estreia do sambista. Até então, João Nogueira havia chamado a atenção da crítica e do mercado ao ser gravado por Elizeth Cardoso ("Corrente de Aço") e lançara apenas compactos e registros espalhados em algumas coletâneas. Ironicamente, foi um dos últimos discos de sua discografia a ser lançado em CD. No repertório, João revela suas inúmeras virtudes como intérprete, abordando com maestria composições de Casquinha ("Maria Sambamba"), Wilson Batista ("Mãe Solteira"), Garça ("7o. dia"), Silas de Oliveira ("Heróis da Liberdade") e Egberto Gismonti ("P'rum Samba"); e se reafirma como compositor, embora com resultados desiguais no disco (que traz "Beto Navalha", "Mariana da Gente" e "Alô, Madureira" como exemplos de bons sambas; e outros nem tão inspirados).



2. E lá vou eu (1974)
Nesse disco, a parceria com Paulo César Pinheiro já estava funcionando a pleno vapor. A linda "E lá vou eu", que deu nome ao LP; e as irresistíveis "Batendo à porta" e "Eu hein Rosa" entraram  para o repertório atemporal do samba. Ainda da dupla, o disco traz a nostálgica "Braço de boneca" e o sarcástico "Partido Rico". Gisa Nogueira, irmã que virou parceira, aparece com "Eu sei Portela" e  "Meu canto sem paz", bela composição que ainda merece ser melhor descoberta. De punho próprio, João assina "Tempo à beça" e "Sonho de um bamba", que se eternizou em sua homenagem à Portela. "Do jeito que o rei mandou" é resultado da parceria entre João e Zé Catimba e seria recriada 30 anos depois por Marcelo D2. "De rosas e coisas amigas", do sempre inspirado Ivor Lancelotti; e "Gago apaixonado",  que ganharia sua versão definitiva na voz de João, completam o disco.



3. Vem quem tem (1975)
Disco que deu sequência ao sucesso do LP lançado um ano antes. A parceria com Paulo Cesar Pinheiro se limitou a apenas uma música, mas por se tratar de "Mineira", homenagem antológica a Clara Nunes, ainda assim justificaria todo o disco. Novos parceiros cruzam o caminho de João, como Claudio Jorge ("Samba da Bandola", "Chorando pelos dedos" e "Pra fugir nunca mais") e Eugênio Monteiro, co-autor de "Nó na madeira", que fez o disco vender feito água. "Amor de malandro", de Alcides Malandro Histórico e Monarco, recolocam a Velha Guarda da Portela no repertório do sambista -  que já havia gravado samba de Casquinha em seu LP de estreia. Lancelotti aparece novamente, com "Seu caminho de abre", e João banca sozinho "Convênio com o cupido", "Albatrozes" e "O homem de um braço só", homenagem ao bicheiro Natal, então presidente da Portela.



4. Espelho (1977)
O sucesso da belíssima canção-título, com letra escrita por Paulo César Pinheiro em homenagem ao próprio João, acabou obscurecendo boa parte do repertório desse que é um dos melhores discos dos anos 70. Além de "Espelho", o LP passeia em alto nível pelo samba de breque ("Malandro JB"), pelo samba-exaltação ("O passado da Portela") e pelo samba sincopado ("Pimenta no Vatapá" e "Espere, oh Nega!"). A relação de João com os cultos afro-brasileiros também é evidenciada em músicas como "Batucajé" e "Dora das 7 Portas", outra supreendentemente pouco conhecida dentro da discografia do sambista. Nos vocais, João se revela mais à vontade e canta com mais leveza e suingue, acompanhado por um time de feras como Dino Sete Cordas, Wilson das Neves, Luizão Maia (o baixista do samba), Sérgio Barroso, Marçal e Edson Frederico. Discão!!!



5. Vida Boêmia (1978)
Coisas do mercado fonográfico brasileiro. Esse disco extraordinário de João Nogueira não ganhou edição em CD e ainda está confinado ao acervo dos colecionadores e dos sebos digitais. "Bares da Cidade", mais uma bela parceria com Paulo Cesar Pinheiro, abre o disco. "Do Lamas ao Capela/ e na Mem de Sá, passo no Bar Luiz/  e no Amarelinho é que eu vou terminar", canta João esbanjado emoção e gingado. Os clássicos se sucedem: "As Forças da Natureza", "Maria Rita", "Baile no Elite" (parceria de João com o endiabrado Nei Lopes) e "Recado ao poeta"(pérola da dupla PC Pinheiro / Eduardo Gudin). Cartola aparece com "A cor da esperança" ("Sinto brilhando no ar/ e sei que não é vã / A cor da esperança / A esperança no amanhã"), um dos grandes momentos do LP, que se encerra com a parceria extemporanea entre Noel Rosa e João na bem humorada "Ao meu amigo Edgard".



6. Clube do Samba (1979)
Na virada dos anos 70 para os anos 80, João Nogueira viveu uma das fases mais populares de sua carreira. À popularidade dos discos, somou-se a empatia ao movimento de resistência estética e cultural que, ao lado de outros sambistas, ele passou a encampar no Clube do Samba, agremiação que fundou e presidiu. O disco de 1979, que trouxe grandes êxitos como "Súplica", mais um golaço da dupla JN/PCP, resume bem essa fase, em que, na disputa por espaço midiático com gêneros como a discoteca e o incipiente B-Rock, o samba experimentou um de seus inúmeros renascimentos. Ao lado de Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione e Martinho da Vila, João formava a infantaria dessa resistência, lotando shows, vendendo bem e produzindo bons discos, como esse emblemático Clube do Samba. Destaque também para "Nicanor Belas Artes", curiosa parceria com Chico Anysio; "Canto do trabalhador" e "Esse meu cantar".



7. Wilson, Geraldo e Noel (1981)
Disco de intérprete. Aqui, João passeia com toda sua classe e todo seu suingue pelo repertório canônico de Wilson Batista, Geraldo Pereira e Noel Rosa, realizando versões definitivas para muitas das composições desses três fundadores do samba urbano brasileiro. "Louco", "De babado" e "Bolinha de papel", por exemplo, que abrem o disco, são três delas. Muito à vontade diante do desafio de repaginar clássicos atemporais, João alia à afinação impecável sua divisão virtuosa, equilibrando sílabas e silêncios num jogo de alto risco para os intérpretes mais desavisados. Destaque também para "Esta noite eu tive um sonho" (que ganharia outra versão igualmente importante na voz de Marcos Sacramento), "Pedro Pedregulho" e "Samba do Meyer" (homenagem de Wilson Batista à "capital dos subúrbios da Central", bairro que também seria berço de João).



8. Pelas terras do Pau Brasil (1984)
Os anos 80 seriam um período menor em termos de qualidade dos registros fonográficos de samba. Foram raros os bons discos de samba, mesmo quando o artista em questão era João Nogueira. Em geral, os estúdios se encheram de muito teclado, muito sintetizador, muita bateria eletrônica e quase nenhuma inspiração. O samba virou uma espécie de bolero apressado. Houve, claro, caras exceções, como este disco de 84. João, já ligado ao GRES Tradição, registrou o primeiro samba-enredo da agremiação, "Xingu"; e renovou sua parceria com PCPinheiro em outras duas composições, "Vovô Sobral" (que abria alas para as eleições diretas) e a cinematográfica "Chico Preto", história de um típico anti-heroi carioca que poderia servir de roteiro para o neo-favelismo que impregnou o cinema brasileiro dos anos 90. Destaque também para "Dois de dezembro", homenagem ao dia nacional do samba assinada em parceria com Nonato Buzar e Paulo Cesar Feital.





9. Parceria (1994)
Essa celebração dos mais de vinte anos de colaboração entre João e Paulo Cesar Pinheiro é um dos melhores discos brasileiros dos anos 90. Em pouco mais de uma hora, quase duas dezenas de sucessos assinados pela dupla são revisitados num clima acústico que cobre de delicadeza o registro. A voz roufenha de Paulo Cesar Pinheiro está em uma de suas melhores fases e João, mesmo já passando por problemas de saúde, ainda era o intérprete virtuoso de outras épocas. Destaque para "Forças da Natureza", "Nos bares da Cidade", em que Pinheiro faz um contraponto acertado à voz de Nogueira (formato que acabou ficando melhor que o registro original, gravado no disco Vida Boêmia, de 78), a versão instrumental de "Batendo a Porta", e a emocionante capela de João em "Minha Missão". Pena que não há registro em vídeo desse que é um dos grandes encontros da história da MPB, viraria um DVD antológico.



10. Chico Buarque Letra & Música (1996)
Para finalizar nosso top ten nogueiriano, outro disco de intérprete. A parceria com Marinho Boffa foi um dos últimos suspiros de João diante do ostracismo dos anos 90. Um disco impecável, em que João, mesmo baqueado pelo primeiro derrame cerebral, percorre com altivez o repertório do amigo Chico Buarque, com quem, curiosamente, nunca chegou a compor (se alguém lembrar de alguma, favor informar este blogueiro). Destaque para "Bastidores", "Homenagem ao Malandro", "Sonho de um carnaval" e "Sem fantasia", em que divide os vocais com Leny Andrade num encontro memorável - e que ainda hoje, milhares de audições depois, leva este blogueiro às lágrimas.

2 comentários:

marvioli disse...

Cabra corajoso. Fazer lista de dez melhores é preciso coragem. Pra mim Parceria é um dos melhores discos não da década de 90, mas da música brasileira. As músicas, a voz do João, a "voz" do PC, a capa. Valeu, Talabarte. Vou a Chaguinha tomar uma talagada de cerveja.

Felipe Araújo disse...

Valeu, Marvioli. Considere-se acompanhado nessa cerveja no Chaguinha. Inveja boa, camarada. Bom fim de semana e obrigado pela "audiência".