sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Samba em bemol diminuto



Nas noites de sábado são eles que comandam o samba do Vila Camaleão, na Praia de Iracema. Com muita categoria, ressalte-se. O nome veio de um acorde musical: o Sol bemol diminuto, que se cifra "Gbdim", mas que, no caso do grupo se escreve "Gebedim". Amarrando, de modo leve e maduro, as pontas entre tradição e contemporaneidade, eles percorrem o cânone do samba, mas também apresentam ao público (que lota o sobrado aconchegante do Vila Camaleão todos os sábados) novas composições - incluindo as de autoria do grupo - e novas leituras para músicas de outros gêneros. Com vocês, algumas ideias de Tiago, Bruno, Leonardo e Mateus (da esquerda para a direita na foto acima) sobre samba, repertório, pesquisa e formação musical.

Talabarte - Inicialmente, a pergunta-clichê, mas inevitável para esse primeiro contato: como nasceu o grupo? Quais são os integrantes do Gebedim?
Mateus - Nós já nos conhecíamos, mas começamos a conviver mais por causa do gosto em comum pela banda Los Hermanos. Acho que foi numa festa lá em casa que surgiu a ideia de montarmos uma banda de samba. Não demorou muito tempo, marcamos um ensaio na casa do Tiago e corremos atrás de arranjar instrumentos para podermos montar a banda. Ninguém sabia tocar nada, com exceção de mim e do Bruno, que sabíamos só um pouco de violão, além de piano clássico. As primeiras músicas eram muito mais sambadas do que sambas de verdade. Depois de muitos ensaios e muito barulho na casa dos outros nós conseguimos criar um repertório legal ao mesmo tempo em que fomos aprendendo a tocar os instrumentos. No início, a banda contava com sete integrantes. Hoje somos apenas quatro: Mateus Perdigão (violão), Bruno Perdigão (cavaco), Tiago Porto (Surdo) e Leonardo Fontenele (Pandeiro). Os outros três que ajudaram a fundar a banda foram o João Paulo, que era o principal vocalista, o Bruno Fontenele, antigo surdista e irmão do Leonardo, e o Martiniano, ex-pandeirista que batizou a banda.

Talabarte - O nome do grupo tem uma origem curiosa. Gostaria que vocês explicassem de onde surge o nome Gebedim. Ou seria mais preciso escrever GbDim?
Gebedim - A escrita que a gente adotou é Gebedim. O nome é uma leitura simplista de um acorde pouco comum, o Gbdim (sol bemol diminuto). Após os primeiros ensaios, a gente tinha o costume de ir para um bar que fica no começo da rua Lauro Maia - popularmente conhecido como Bar do Barbudo - para ficar conversando sobre samba e outras coisas. Numa das vezes estávamos discutindo um nome para a banda. Tentamos tudo e nada nos agradava. Enquanto procurávamos inspiração em cifras e letras de musica, o antigo pandeirista, o Martiniano, surgiu com o nome Gebedim. Ninguém entendeu o que era aquilo, até que ele mostrou que era um acorde cifrado em uma música do Chico Buarque. Como não havia nenhum consenso, nada melhor e todos riram muito dessa história, acabamos por acatar esse nome.

Talabarte - Como se dá a escolha do repertório de vocês? Quais as fontes de pesquisa e qual o critério de seleção das músicas que compõem a apresentação do Gebedim?
Gebedim - A escolha do repertório é coletiva e se dá na base do consenso. Depende muito do que cada um está escutando e mostra aos outros, mas só se toca o que todos concordarem em tocar. Às vezes nos encontramos só para discutir repertório, apresentar novas músicas, discutir sobre arranjos, etc. Como a banda se apresenta semanalmente, há uma rotatividade nas músicas tocadas. Algumas tocamos para nós mesmos, sem saber qual vai ser a reação do público e outras a gente sabe que tem que estar em qualquer repertório básico de samba. Outra coisa que podemos destacar é a vontade de sempre tocar músicas de novos compositores ou até mesmo de fazer versões de músicas que não são sambas, mas que ficam muito bem quando transformadas.

Talabarte - Além do Gebedim, vocês também organizam o bloco Luxo da Aldeia, que faz um (belo) trabalho de pesquisa de músicas de carnaval de autoria de compositores cearenses. Nesse "mergulho" que vocês fazem, vocês se depararam com sambas de compositores cearenses? Que músicas/compositores chamaram a atenção de vocês?
Mateus e Bruno - O Luxo da Aldeia é um projeto formado por Mateus, Bruno e o Tiago, da Gebedim, além do Marcus Vinicius, do Concentra mas não sai, e do João Paulo. O bloco toca frevos, marchas e sambas carnavalescos e cada tipo de música tem o seu destaque. No repertório do bloco existem sambas de Lauro Maia – que também compunha balanceios, um ritmo próximo ao samba - Mozart Brandão, Evaldo Gouveia e Luiz Assunção. Uma das músicas que mais se destaca é “Adeus Praia de Iracema”, de Luiz Assunção, que conta a história de quando o mar invadiu o litoral da Praia de Iracema. Essa invasão aconteceu por causa da construção do porto do Mucuripe, na década de 50, e destruiu boa parte do patrimônio construído na orla. Além de muito bonita, essa música conta um pouco da história da nossa cidade. Alguns sambas que são tocados no Luxo da Aldeia são também tocados no Gebedim, como "Deus me Perdoe", de Lauro Maia e Humberto Teixeira, e "O Conde", de Evaldo Gouveia e Jair Amorim. Contudo devido a rotatividade do repertório eles não estão sempre presente nas apresentações.

Talabarte - Como vocês percebem a recepção do público cearense ao trabalho que vocês desenvolvem no Gebedim?
Gebedim - A recepção tem sido muito boa tanto por parte do público como dos músicos daqui que já estão na luta faz tempo. Percebemos que as pessoas se identificam com o repertório por motivos distintos. Uns gostam mais dos clássicos, outros preferem quando tocamos músicas que nem sempre estão nos repertórios de outros, como Mundo Livre S/A, Mombojó, Orquestra Imperial, Los Hermanos, entre outros. Achamos que com essa mistura de sambas antigos, sambas novos e não-sambas tocados como samba, além das músicas autorais, nós conseguimos agradar várias pessoas, e não só o público sambista.

Talabarte - Muitos grupos de samba contemporâneos a vocês (e formados por jovens como vocês) são, a meu ver, soldados de preservação de uma memória importante para a música brasileira. No caso de vocês (essa é a minha leitura), há um compromisso com essa memória, mas há também a atenção ao trabalho de novos compositores e, o que acho mais relevante, o trabalho autoral. Dito isso, duas perguntas: quais são os novos compositores que despertam o interesse do Gebedim? Por que?
Gebedim - Edu Krieger, Marcelo Camelo, Moyseis Marques, Rodrigo Maranhão, Marcos Sacramento, Teresa Cristina, Rômulo Fróes, Zé Paulo Becker, o pessoal do Casuarina, do Sururu da Roda e vários outros. Existe um número muito grande de bons novos compositores, além de intérpretes e músicos. O que desperta o interesse é que estão fazendo um bom samba, trazendo inovações, novas maneiras de compor, de escrever e tocar se preocupando também com o que veio antes deles. Nós podemos contribuir também divulgando esses novos nomes. Já soubemos de gente que conheceu o Casuarina porque ouviu a gente tocando uma música deles e foi atrás de conhecer.

Talabarte - Ainda em relação à pergunta anterior: como se dá esse processo de composição de vocês? Como vocês trabalham essas composições em suas apresentações?
Gebedim - Como o Bruno é o responsável pela maior parte das composições (ou todas), a gente vai deixar essa pra ele responder:
Bruno - O processo de composição ainda não é tão regular quanto eu gostaria. Ainda não tenho o hábito de compor de maneira constante. Tenho mais facilidade em fazer a música. Às vezes passo meses com uma música encostada até que consigo botar uma letra. Mas ainda é tudo de forma muito tímida. No grupo, esse processo também ainda está bem inicial. Além de tudo, é muito difícil trabalhar música autoral no samba, já que nas festas as pessoas querem ouvir sempre as mesmas coisas e nem sempre estão dispostas a prestar atenção. Mas a gente vai colocando aos poucos em nossas apresentações e queremos, no futuro, fazer a gravação de algumas dessas músicas para poder divulgá-las melhor.

Talabarte - Dois dos integrantes, o Mateus e o Bruno, têm formação musical erudita. De que forma o rigor e a disciplina do universo acadêmico ajudaram na hora de abordar um gênero como o samba? Na via inversa, é possível falar de algum tipo de contribuição do samba à execução erudita?
Bruno - O conhecimento de música erudita nos ajudou muito a ter um horizonte musical muito amplo. Nosso contato com a música sempre foi essencialmente nas formas, nas harmonias, nas expressões musicais. Então, sempre ouvimos música de várias estilos. Ouvimos samba do mesmo jeito que ouvimos de rock, reggae, rumba, sabendo entender o que cada estilo tem de bom. É claro que temos nossos gostos e preferências. Nunca tinha parado pra pensar realmente sobre isso antes de sua pergunta, mas acho que a minha vontade de tocar samba veio de uma atração por uma linguagem brasileira, pela expressão ritmada do samba. Isso também veio de uma forte influência de quando tive meus primeiros contatos com a música de Ernesto Narazeth no piano, um dos compositores eruditos que muito contribuiu para uma linguagem brasileira na música
Mateus – Além do que o Bruno falou, coloco também que o estudo do piano me ensinou a importância de tocar bem e corretamente seja o estilo que for. Muita gente acha que a música erudita e a música popular são antagônicas. Não vejo dessa forma. Acho que é tudo música e sempre que quebram essas "barreiras" há ganhos maravilhosos para todos os lados. Para ilustrar isso, tomo como exemplo a suíte "Retratos", do maestro Radamés Gnattali, interpretada por Jacob do Bandolim. Jacob chegou a escrever uma carta para Radamés afirmando que "Mais do que ensaiar, é necessário estudar". O Radamés foi uma pessoa que influenciou bastante muita gente da música brasileira e merece uma atenção especial, principalmente quando se fala sobre esse assunto. Para mim, cada detalhe da música deve ser levado em consideração, principalmente se estamos nos apresentando em público. Em relação à contribuição do samba à música erudita posso dizer que as harmonias e contrapontos dos compositores brasileiros ficaram mais perceptíveis para mim sempre que vou tocar piano, principalmente nas músicas de Ernesto Nazareth.
Leonardo - Falando sob a nossa perspectiva, a formação musical erudita dos dois nos ajudou bastante no que se refere principalmente à disciplina e ao estudo mesmo, pesquisar, testar novas batidas, e não deter somente o conhecimento prático do instrumento mas aliar sempre à teoria também.

Talabarte - Que discos de samba são obrigatórios na discoteca do Gebedim?
LeonardoAxé, do Candeia; Todo menino é um rei, do Roberto Ribeiro; e Cartola (1976), do Cartola.
TiagoEstudando o samba, do Tom Zé; e Construção, do Chico Buarque.
BrunoMemorável samba, do Marcos Sacramento; Poeira Leve, da Adriana Maciel; e todos do Cartola.
Mateus – Todos do Cartola, Bebadosamba, do Paulinho da Viola; e Acabou Chorare, dos Novos Baianos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns ao Felipe pela ótima entrevista, e aos meninos da Gebedim pelo repertório "sem preconceito nem mania de passado".

Sérgio disse...

Bacana a entrevista com essa turma de jovens sambistas. Fortaleza tem uma boa cena de samba que muitas vezes não sai na mídia. Abração

marvioli disse...

Felipe

Muito boa a entrevista com o pessoal do Gebedim. Sou um pouco suspeito para elogiar mas,..
Parabéns ao Talabarte.
Abraços
Marcus