segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Um natal com Dawkins


Sem ironia barata, se me pedissem uma sugestão de leitura para este natal, diria Deus, um delírio, do britânico Richard Dawkins. Trata-se, nada mais nada menos, de um vigoroso ensaio contra Deus e, de forma mais ampla, contra a religião. 
O ponto de partida é o conflito entre a visão darwiniana da evolução humana e a postura criacionista que ganha, em escalas cada vez maiores, um incômodo eco entre os neoconservadores cristãos mundo afora. A partir desse impasse, Dawkins investe contra o conceito de Deus recuperando posições de intelectuais de várias épocas e enfrentando dezenas de clichês e mitificações sobre o tema. 
Em alguns trechos, ele descamba para um panfletarismo antirreligioso difícil de engolir. Os melhores momentos de seu ensaio, aliás, e também do restante de sua bibliografia, se definem pelo manejo lúcido dos conceitos darwinianos em diferentes áreas da vida contemporânea. No entanto, na maior parte de seus capítulos, o livro é o exercício honesto e brilhante de um intelectual contra uma mentalidade hegemônica que, engessada em dogmas, sistemas e crendices, tem alimentado e extremado a intolerância.
Concorde-se ou não com Dawkins, convencido ou não por ele, Deus, um delírio é um ótimo roteiro para aqueles que, pelo menos, queiram depurar sua espiritualidade à luz da ciência e da razão; e livrar suas inclinações religiosas dos apelos inconfessáveis da hipocrisia. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Os holandeses caem no samba...

O nome é, no mínimo, curioso: Unidos dos Países Baixos. Mas o ritmo é bem redondinho e a alegria de ver o samba se espalhando pelo mundo, enorme. Nesse vídeo, esses holandeses aparecem fazendo convenções e tocando a caixa da Mocidade Independente (uma das mais difíceis entre os tipos de batida de samba). Nos vídeos relacionados, é possível vê-los tocando no ritmo do Estácio (a batida de caixa mais popular entre as escolas). Falta, é fato, aquele molho tipicamente brasileiro. Mas o resultado é muito legal.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O destino


"No campo do azul vem o verão
plantar as suas nuvens.

Na cidade imperfeita
vem o dia
plantar a sua luz:
No mármore morto
dos viadutos.
No verde novo 
depois das chuvas.
Na cinza que ameaça os monumentos.

Num lance de dados se planta o destino.
O destino: a previsão da náusea dos espaços.
O destino
destruidor de nuvens.
O destino 
levando vantagem".

O destino, poema de H. Dobal, poeta piauiense.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Aquela marquinha...


Ai, aquela marquinha. Sublinha o sexo, acentua as curvas. Gravura de biquini, a quente, no sol. Na geografia do corpo feminino, ela envolve e realça as latitudes recônditas que embalam o nosso imaginário. Tatua desvãos de nádegas, seios e olhares.
Ai, aquela marquinha. O vestígio de um despudorado maiô de duas peças, renda corpo aberto no espaço. Negativo da lycra que descortina a mulher para o sol. Coração de eterno flerte, com a licença de Caetano. "A natureza ganhando terreno sugeriu o biquini. O maiô de pequeno ficando mais pequeno. Não se sabendo mais até onde um corpo branco pode ficar moreno", Millôr define e encerra o assunto.
Democrática, a marquinha serve a pobres e ricas, posto que o sol nasce para todas. Serve até a feias e bonitas, jovens e velhas, muitas vezes diminuindo as óbvias diferenças de generosidade divina. Numa praia de nudismo não há marquinhas, daí por que todos transitam com transcendente indiferença ao corpo feminino. Mas é só alguém deixar à mostra uma marquinha, por menor que seja, num burocrático escritório cheio de gravatas, vestidos longos e paletós, que logo a tensão se instala no ar.
Ai, aquela marquinha. É ela que preserva para a noite o mapa do calor do dia na pele da mulher amada. Caminhando com falsa displicência na rua, nas praças, no trabalho, é ela que desata no velho a saudade da juventude; e faz arrebatar no jovem o desejo da maturidade que ainda não chegou. Ninguém lhe é merecedor, afinal. A não-roupa, o não-toque. A marquinha é o início e o fim de nossos sonhos.
Ai, ai...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Universidade, pra que te quero?


A universidade pública agonizou no período FHC e quase foi sepultada com outras instituições da vida brasileira ao longo daqueles oito anos de triste memória. Em sua liturgia de desmonte do Estado, a cartilha neoliberal tucana deixou o ensino superior à míngua e atrelou de modo profundo o sentido secular das universidades à praxis do mercado. Na época, a reação dos setores de esquerda foi o bordão da defesa de uma "universidade pública, gratuita e de qualidade". Nada , no entanto, que superasse o pragmatismo míope que, no campo da educação, fazia confundir o ensino superior com uma pedagogia de caráter técnico e não raro desumanizador. 
Universidades não servem ao mercado. A rigor, uma universidade "serve" para pouca coisa se considerarmos a quantidade de ciência que vira tecnologia absorvida pela vida prática cotidiana. Ela é um reduto de saber, cujo sentido é o de tensionar e levar adiante a experiência humana nas diferentes áreas do conhecimento. Não tem, portanto, contas a acertar com o mercado e nem pode se preocupar com seus termos (do mercado) para se legitimar no seio de uma sociedade. Ela é fim em si mesmo e se realimenta de seus próprios méritos científicos.
Esse equívoco está na origem da crítica que se faz ao "encastelamento" dos acadêmicos em relação à vida cotidiana. Os acadêmicos não podem ser cobrados por não oferecer receitas mágicas de felicidade e distensão sempre que impasses de ordem técnica ou de pessoal se revelam no horizonte de grandes empresas e corporações. Seu compromisso é com a recuperação do conhecimento acumulado nos diversos setores da "vida real" e com a produção científica que desdobrará e enriquecerá esse conhecimento. 
"Universidade que não tem capacidade de produção científica nos diversos ramos do conhecimento não é universidade. Apenas toma o nome que alguém lhe deu eleitoreiramente e economicamente", aponta Aziz Ab'Saber em entrevista ao Le Monde Dilpomatique Brasil deste mês. "E essa é a maioria, infelizmente". 
Agora que o mundo assiste assombrado aos debates de Copenhague, a universidade pode, por via da pesquisa científica, produzir respostas para os desafios colocados pela questão climática planetária. Antes, no entanto, é necessário libertá-la dos limites conceituais da "consciência de mercado" que enforca os investimentos públicos e reforça a ditadura do crédito. O estrago dos anos FHC, porém, pode ter sido grande demais. Assim como o fortalecimento das estruturas estatais por parte do Governo Lula pode não ser o suficiente.

Luiza Dionísio: uma voz na terceira margem

Um livro fundamental para se entender a conformação da "música brasileira" é O século da canção, de Luiz Tatit (Ateliê Editorial). Nesse ensaio, o musicólogo e compositor paulista constata que a prática musical brasileira do século XX sempre esteve associada à mobilização melódica e rítmica de palavras, frases e pequenas narrativas cotidianas. É como se essa prática só engendrasse um sentido quando as formas sonoras se mesclam às formas linguísticas inaugurando o "gesto cancional". 
Temos música instrumental, claro, mas ela está longe de constituir a praxis decisiva de nossa história musical, é o que defende Tatit. Esse papel decisivo, desde meados do século XIX, fica com o formato "canção". "Tudo ocorre como se as grandes elaborações musicais estivessem constantemente instruindo um modo de dizer que, em última instância, espera por um conteúdo a ser dito", ele propõe. Mas há algo mais. Dependendo do intérprete vocal, esse modo de dizer se completa tanto pelo conteúdo quanto pela força da dicção do cantor ou da cantora em questão. É quando o "gesto cancional" alcança uma terceira margem da história. 
É o caso de Luiza Dionísio, cantora carioca que lança seu primeiro CD, Devoção. Em suas gravações, há algo além desse encontro primevo entre música e letra. Seu canto é um gesto que, embalado por sua voz intensa, percorre uma zona fronteiriça, onde acabam os sentidos musicais e se instala um sentido maior, mais profundo, que remonta a figuras como Clementina de Jesus e Clara Nunes. Uma força atávica que ressoa em regiões recônditas da alma brasileira, que faz dançar signos imemoriais e inefáveis da nossa cultura. 
"Você não pode cantar meu samba assim sem alma/ Tem que ter calma pra poder compreender / Que o samba traz / Um sentimento / Que só com alento irás perceber/ que o samba não é só um momento", ela defende com dolência em "Alma", ótimo samba de Ratinho. 
Dionizio, dionisíaca. Tem "na veia o sangue dos boêmios", como canta em "Velho amigo", um abraço chorão de Paulo César Pinheiro e Luiz Carlos Máximo em Aldir Blanc. Em "Conceição da Praia", outro golaço de Luiz Carlos Máximo, ela renova a certeza na amplidão espiritual de nossa música, com versos como "Hoje ouvi/ Bater os tambores/ Vi o teu nome a velejar// Senti o odor das flores/ Perfumando em cores o mar". E completa: "Joguei ao ar/ Todas as palavras que fazes retornar/ Em gotas nos meus olhos/ Que deixo recair no mar". 
Há ainda a participação da Velha Guarda do Império Serrano e outra dezena de sambas inspirados, tudo transbordando para além da música, para além do canto, para além do som. Um disco que transpira beleza, uma secular beleza brasileira que fez a glória da nossa música, mas que anda um tanto apartada do grande público.
Vida longa, portanto, ao canto de Luiza Dionizio, a maior cantora de quem o Brasil ainda não ouviu falar. Ainda.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Poemetes Araújos - VI


Provinciano!

Obrigado, mas não.
Prefiro cortar o pulso de meus olhos
e fazer de Vinícius de Moraes o embaixador 
             de minha ditadura;
prefiro servir 
a ternura como receita de meu pragmatismo;
tomar o aqui como a medida do além. 

Obrigado, mas não. 
Prefiro sangrar meus ouvidos
e fazer de Drummond o vigia desta tarde;
fazer de Jackson o engenheiro de meu 
parque de diversões.
Obrigado, mas prefiro o pandeiro,
o samba, 
o carnaval, 
essa ação de graças em meus dias.
Prefiro a crítica da consciência à consciência crítica.

Obrigado, mas não.
Prefiro o joelho de Nara Leão,
a manhã tropical e a rede de Dorival. 
Prefiro arrancar a língua da América e fazer 
de Jobim o Colombo de minha Espanha,
em fuga para as Índias 
e para as morenas. 
Iracema é América!

Prefiro fazer de Cabral (o João), o Sinatra 
de meu silêncio.
Prefiro o sim de Gullar, o gorjeio de Patativa e o aconchego de 
um sorriso amigo.
Jericoacara é minha Guantanamo.
Quero inventar-me cais.

Prefiro o futuro, a Praia do Futuro.
Paulinho da Viola e essa saudade que ainda não vivo,
                 mas não curo.

Obrigado, mas não.

                              Novembro de 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

Uma vez Flamengo, sempre... pontos corridos

Em 2003, quando da adoção do campeonato de pontos corridos no Brasil, engrossei as fileiras dos que se opunham ao formato. Achava que era um sistema enfadonho, um deslumbre boboca com o futebol europeu (embora ainda perceba, entre nossa "crônica", um deslumbre exacerbado e risível com os campeonatos do Velho Continente - onde se pratica, com exceção do campeonato inglês, o ludopédio mais chato do mundo!); e que o torcedor brasileiro estava acostumado com os jogos decisivos, que teriam feito a glória de nossos campeonatos. Em particular, incomodava-me o fato de que a partida final, com suas dezenas de milhares de torcedores lotando os estádios, ia ser abolida do nosso calendário, dando lugar a um sistema meio insípido, onde o campeão se revelaria com rodadas de antecedência e faria do restante da tabela um rito sonâmbulo e burocrático.  
Além disso, via o debate sobre o formato do campeonato embotar um debate maior, anterior, que é o da lisura e transparência política do nosso futebol, tema em que não avançamos. Com os primeiros campeonatos disputados a partir dessa nova fórmula, recuei um pouco nesse ponto de vista e passei a argumentar que, pontos corridos ou não, o importante era o Brasileirão ter um formato consolidado, que garantisse, digamos, uma "segurança jurídica" ao seu torcedor. Mais alguns anos e, admito, mudei de opinião - apenas em relação ao modo como o torneio é disputado. Os pontos corridos são, de fato, o melhor sistema para um torneio como o nosso campeonato. 
No que diz respeito à presença de público, por exemplo, em vez de uma final, este ano tivemos pelo menos umas vinte. Tanto na série A quanto na série B. Mesmo que um time desgarrasse na ponta da tabela, a disputa pelas vagas da Libertadores e a luta contra o rebaixamento (não falo da Sulamericana porque não me parece um campeonato relevante) garantiriam o frenesi dos estádios. Hoje, o Couto Pereira e o Engenhão receberam cerca de 40 mil torcedores cada um para os jogos decisivos (finais a seu modo) de Coritiba e Botafogo, que lutavam contra o rebaixamento. 
Confesso que torci contra o São Paulo não por ter nada contra o time paulista, mas por achar que o tetracampeonato seguido do Tricolor poderia fortalecer o argumentos dos que começam a se mobilizar pelo fim dos pontos corridos. Entre eles, a Globo Esportes, que cuida dos interesses da Vênus Platinada, e que, diante da queda de audiência do campeonato, tenta junto à CBF o retorno do sistema mata-mata. Seria um retrocesso impiedoso para o futebol brasileiro. Aliás, credito a queda na audiência do campeonato brasileiro não ao formato do campeonato, mas ao fortalecimento dos times regionais, que fraturam o antigo monopólio de Rio e São Paulo. Mas isso é tema para outro post...
A conquista do Flamengo chega em boa hora, sepultando o jejum rubro-negro, e arejando o espectro das conquistas dessa nova fase de nosso campeonato (Minas tem um título; o futebol paulista, cinco; e o carioca, um). O penta (sim, penta) do time da Gávea, que tem um elenco apenas mediano e um treinador cuja grande virtude é sua capacidade aglutinadora, também enfraquece o pedantismo de gente como Luxemburgo e Muricy Ramalho. 
Esse talvez tenha sido o golpe mais duro nos interesses de quem quer ver o mata-mata redivivo: a comemoração da maior torcida do Brasil em pleno campeonato de pontos corridos, onde supostamente prevaleceria a assepsia de conceitos como "planejamento" - bordão surrado nas penas dos cronistas de plantão. 
Nada é menos planejado e mais desorganizado do que o Flamengo, que devolveu ao futebol brasileiro o delírio delicioso da surpresa.  
Vida longa ao Mengão! Vida longa aos pontos corridos!

sábado, 5 de dezembro de 2009

Mania de listas (os melhores discos do ano)

Salvo algum lançamento improvável de última hora, os melhores discos do ano já podem ser mapeados. Segue a relação escolhida pela “equipe” do Talabarte, que complementa a lista que havia sido feita para o primeiro semestre.

  

1. Balangandãs, de Ná Ozzetti. Disco-tributo a Carmem Miranda que revisita o repertório clássico de compositores igualmente canônicos, como Assis Valente, João de Barro, Synval Silva, Dorival Caymmi e Zequinha de Abreu, entre outros, com roupagem revigorada e delicada assinada por Dante Ozzetti e Mário Manga. O grande disco do ano para a “equipe” de redação do Talabarte.

  

2. AfroBossaNova, de Paulo Moura e Armandinho. Chega de saudade! O barquinho mudou sua rota. Manteve a bússola da bossa nova de Jobim, mas, em vez do macio azul do mar, fez de sua carta náutica uma aquarela étnica e percorreu o mares bravios e intensos de suas raízes negras. Do samba ao west-coast, do candomblé ao hard-bop: axé Coltrane, axé Gerry Mulligan! Wes Montogomery pede a bênção a Pixinguinha e Silas de Oliveira. Água no pote de Oxalá e música na alma do mudo inteiro!

  

3. Saudades do Cordão, de Guinga e Paulo Sérgio Santos. Dois outros exemplos de músicos que, sempre que lançam trabalhos novos, figuram entre os mais mais do ano. Lançando um disco em parceria, então, os dois vão para as cabeças. Para as mais inteligentes e sensíveis, naturalmente. Discão.

  

4. Debussy, Nelson Freire. O pianista brasileiro chegou a um ponto tal de maturidade artística e virtuosismo que qualquer registro seu entra automaticamente para qualquer lista dos melhores discos de todos os tempos. Pois bem, como lançou esse belíssimo Debussy no primeiro semestre, não poderia ficar de fora.

  

5. Zii e Ziê, de Caetano Veloso. Ao dar continuidade à sonoridade crua e minimalista construída em , mas superando o amargor das letras do disco anterior, Caetano grava um disco corajoso, em que volta a tensionar o horizonte de nosso consumo musical e mexe mais algumas peças no tabuleiro do jogo entre a tradição e o contemporâneo.

  

6. Peixes pássaros pessoas, de Mariana Aydar. A promessa anunciada em Kavita 1 se confirma nesse disco com sonoridade e repertório poderosos. Um samba jovial, sem amarras, anda de mãos dadas com um pop inteligente, artigo cada vez mais raro em nossas estantes. Vide a ótima “Tá?”.

  

7. Live from Salzburg, de Nelson Freire e Marta Argerich. Brasil e Argentina numa tabela de titãs. Destaque para o virtuosismo em "Variações sobre um tema de Haydn", de Brahms; e para a arquitetura preciosa de "Variações sobre um tema de Paganini", do polonês Witold Lutoslawski.

8. Devoção, de Luiza Dionísio. Tarefa difícil escolher a maior cantora brasileira viva de quem o Brasil - infelizmente - ainda não ouviu falar. Luiza Dionísio tem meu voto. Seu canto é de um delicado vigor e emociona à primeira audição. Seu repertório, com belas inspirações religiosas afro-brasileiras, se espalha pelo choro-canção ("Velho amigo"), samba sincopado ("Vila do meu coração") e samba de roda ("Mar de jangada").

9. Pimenteira, de Pedro Miranda. Tradição, presente e futuro. Tudo desaguando na voz afinadíssima e cheia de suingue de Pedrinho Miranda. Sem manias de passado nem frescuras de modernidade. Um disco de altíssimo astral e de inegável "força histórica". 

10.Yesterdays, de Keith Jarrett. Há os que prefiram outros trios de Jarrett, como o que contava com Paul Motian e Charlie Haden. Mas é inegável que foram Peacock e DeJohnette que consolidaram o projeto musical do pianista em relação a suas formações jazzísticas. Esse disco celebra mais uma vez essa parceria de mais de trinta anos, com standards como “Stella by Starlihgt”, “Smoke gets in your eyes” e “You took advantage of me”, que, como se espera de um disco do trio, deixam de ser clichês e viram outra coisa nas mãos endiabradas de Jarrett.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Do arco dos velhos


O curso caudaloso - mas impregnado de beleza e alegria - do livro Rabecas do Ceará (Expressão Gráfica/Laboratório de Estudos da Oralidade), do professor e pesquisador Gilmar de Carvalho, convida o leitor a se colocar diante de um trabalho que é, ao mesmo tempo, uma aventura estética e uma experiência intelectual que, no limite, desagua num impasse.
Aventura porque Gilmar - ao lado do fotógrafo Francisco Sousa - se lançou, ao longo de quase três anos, num empreendimento ousado, percorrendo, entre o oco do sertão e a umidade das serras, cerca de 40 municípios e compilando mais de uma centena de interlocutores em seu mapeamento da rabeca e dos rabequeiros no Estado. 
Dessa cartografia musical e antropológica, Gilmar saiu-se com um livro que é verdadeira epopéia sobre a paixão e a intensidade com que os rabequeiros cearenses se dedicam às cordas de seu instrumento. E também sobre os usos, costumes e particularidades que foram cercando, no Ceará, a história de um instrumento cuja origem é milenar - remonta aos instrumentos de cordas tocados por um arco que já eram usados em todas as grandes civilizações da Ásia e da África antes mesmo da produção dos textos bíblicos. 
Em texto publicado na edição digital da revista Raiz, o jornalista Alexandre Bandeira conta que a rabeca teria viajado até a Europa, durante a dominação dos mouros, onde se tornaria bastante apreciada nas mãos dos menestréis medievais. Com o surgimento do violino e seu timbre mais limpo, no entanto, a rabeca foi perdendo a atenção da nobreza e se refugiando nas aldeias distantes dos centros urbanos, virando instrumento preferido da população de menor poder aquisitivo.
“É, além do mais, dos instrumentos típicos dos cegos e pedintes urbanos”, define o livro Instrumentos musicais populares portugueses, de Ernesto de Oliveira e Benjamin Pereira (Ed. Gulbenkian, 2000). “Rabeca é como chamam ao violino os homens do povo no Brasil”, reforça Mário de Andrade no seu Dicionário musical brasileiro. Muitos entusiastas da rabeca, no entanto, refutam essa definição e defendem a autonomia entre os dois instrumentos. De qualquer forma, sem aval erudito ou aristocrático, e mesmo restrita às festas populares e religiosas, o fato foi que a rabeca se espalhou pelo Brasil, adaptando-se à cultura de cada região, do Sul ao Nordeste; e, não raro, cruzando a fronteira do Brasil oficial nas mãos de artistas como Antônio Nóbrega, Mestre Salustiano e o grupo pernambucano Mestre Ambrósio. 
Esse Rabecas do Ceará é o capítulo definitivo a respeito do quinhão cearense dentro da história da rabeca no Brasil. Um capítulo que remonta, segundo Gilmar, não apenas às cordas persas e européias, mas também a um "supreendente e dionisíaco instrumento de aroeira, couro e tripas de carneiro, conhecido como 'nabim', fabricado e tocado em Crateús". Hoje, quase todos os rabequeiros cearenses localizados por Gilmar são velhos. Em geral, a chave de acesso do instrumento às novas gerações de cearenses são programas de iniciação musical (Itapajé), ações de ONGs (Nova Olinda), a experimentação da luteria (Juazeiro do Norte) e a proposta de bandas como Dona Zefinha (Itapipoca). 
"Quase todos (os tocadores de rabeca entrevistados no livro) foram filhos de agricultores e também viviam de suas roças de subsistência, quase sempre na terra dos outros. A música era a possibilidade de fuga desse cotidiano", escreve Gilmar. Outro traço que une todos os rabequeiros do livro - de seu André Venceslau, entrevistado em Saboeiro; ao "lendário" Quincas Firmino, de Quiterianópolis, a quem Gilmar define como a "personificação da ética sertaneja" - é o aprender a tocar "de ouvido". "A música estava na ciência de pressionar as cordas no ponto certo e fazer o arco deslizar com suavidade ou energia. Era preciso mais que isso para se ter música: a 'alma', colocada no bojo da rabeca, aumentando sua capacidade de emissão de som". 
Ao localizar e contar a(s) história(s) de seus protagonistas, o trabalho hercúleo de Gilmar – que também registrou em áudio a arte de seus entrevistados, reunindo as gravaçõs num CD que acompanha o livro - dá visibilidade a uma tradição que já não se renova com a mesma dinâmica e que parecia perdida no tempo, extemporânea, à espera de alguém - quem sabe ele mesmo, Gilmar - que lhe restituísse a contemporaneidade. O livro lança luzes a algo que, soando novo para o leitor, já é velho. Eis o impasse citado no início do texto. Um impasse que foi, durante muito tempo, a própria bússola do trabalho de inúmeros folcloristas no Brasil; mas que, nos termos do livro, é superado pela argúcia do olhar e pela profundidade do trabalho do pesquisador. 
Gilmar, para utilizar uma expressão de Lilian Moritz Schwarcz, não aprisiona a cultura em nome de sua preservação. Pelo contrário, é ciente de que não pode reter a tradição e, portanto, aponta seu trabalho de "resgate", de "preservação" ou de "inventariação" - termos tão caros a folcloristas de outras épocas - para o contexto das dinâmicas da cultura. Postura que é facilitada pela compreensão do significado da palavra "criação" no contexto da tradição popular e pelo interesse renovado (mas ainda tímido) pelo instrumento por parte das novas gerações de músicos e artesãos. 
"Criar é gostar do que se toca. Ou como explicar que um deles (um dos rabequeiros entrevistados) tenha dito que determinada música era sua porque gostava de tocá-la? Saber o gosto do povo e estar atento a um diálogo com a natureza (dialogando com o canto dos pássaros) seriam pressupostos estéticos dessa mesma música de oitiva", escreve Gilmar.  "Eles pareciam congelados diante das novas tendências e a rabeca volta com a retomada da tradição como pressuposto de uma criação contemporânea. Pode ser um pouco tarde para a maioria deles". 
Se ecos dessa pesquisa de Gilmar puderem ser ouvidos em futuros trabalhos de etnomusicologia ou de antropologia, no entanto, o livro pode significar um auspicioso "antes tarde do que nunca" para a rabeca cearense.

Digo sim


Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos do meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que meu coração
é um sol de esperança entre pulmões
e nuvens

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
Mas não. O poeta mente.

A vida nós a assamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio à fome
e dizendo sim
– em meio à violência e a solidão dizendo
sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo meu filho perdido
meu vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que virá enfim,
não digo que a vida é bela
tampouco me nego a ela
– digo sim

Digo Sim, Ferreira Gullar

P.S. - O grande poeta virou um articulista conservador e obtuso. A cada domingo é um suplício cada vez maior ler seus textos nos jornais. Mas ainda digo sim a muitos de seus poemas.

O canto da encruzilhada


"Eu venho das dunas brancas/ Onde eu queria ficar/ Deitando os olhos cansados/ Por onde a vida alcançar/ Meu céu é pleno de paz/ Sem chaminés ou fumaça/ No peito enganos mil/ Na Terra é pleno abril" - "Terral" (Ednardo)

Nem a vista das "dunas brancas" nem o "céu pleno de paz" impediram Ednardo de arribar de sua aldeia para tentar o "Sul, a sorte e a estrada". Os tempos eram de dificuldade política, mas também de muita esperança para aquela leva de artistas que partiam de diferentes pontos do Nordeste rumo ao "videotapes" e "revistas supercoloridas". Muitos acabaram sobrando na curva do destino. Outros tantos queriam apenas ver a "menina meio distraída" repetindo a voz dos cantores consagrados - como diziam os versos de "Carneiro", parceria de Ednardo com Augusto Pontes. Poucos conseguiram fazer história.
Na bagagem para São Paulo, onde desembarcou junto com o "Pessoal do Ceará" no início da década de 1970, ele levou as memórias de uma Fortaleza ainda ingênua, que apenas começava a experimentar o "som e a velocidade" de novos tempos naquela virada dos 60 para os 70. Mas em vez de se perder no caldeirão de signos da metrópole e nas tretas do mercado fonográfico, a saudade da terra natal cravou marca na alma e virou um mote poético ao qual o compositor recorrentemente se voltou ao longo de mais de trinta anos de carreira.
"Vai meu filho vai/.../Só não esqueça de voltar para ver/ O que restou desse lugar/ Que o sol e a chuva/ E os homens práticos/ Vão modificar", ele canta em "Avião de Papel". Pois Ednardo não só não esqueceu de voltar para ver e abraçar poeticamente sua aldeia; como fez de Fortaleza uma inspiração terçã em seus versos. Sucessor de Ramos Cotoco, Lauro Maia e Luiz Assunção, seu canto insistiu em falar de coisas nossas, sem folclorizar nosso rosto nem inventar falsas tradições para a Cidade. Sua lírica é uma rota semiótica de mão dupla que tenta entender seu lugar de origem a partir de seu tempo enquanto canta sua geração a partir das referências que constituem a vida da Província.
Logo em seu primeiro disco - onde grava "Terral", " Palmas pra dar Ibope" (com seu aviso sobre o "desassossego" e o "veneno" que rondavam a nossa aldeia) e " Beira-Mar" -, o cantar Fortaleza se revela com urgência para Ednardo. "Viva o som, velocidade/ Forte, praia, minha cidade", ele dispara em Beira-Mar. "A cidade é bem mais que um pano de fundo para uma história de amor. Ela é personagem. Não é qualquer beira de mar de qualquer cidade do Brasil, mas uma Beira-Mar localizada, a de Fortaleza. Uma Beira-Mar com seu footing provinciano, seus bares, sua estátua de Iracema onde 'Só o meu grito nega aos quatro ventos/ a verdade que não quero ver'", analisa o jornalista e professor Gilmar de Carvalho no ensaio Referenciais Cearenses na Música de Ednardo, o mais completo sobre a trajetória do compositor.
Ednardo veio de longe, mas também veio de dentro de si, como ele sugere em "Blues à flor da pele". Ele é também o compositor de "Pastoril", que saiu "do mel da jandaíra" e veio da Maraponga. Essa geografia íntima do artista, que começou a se mostrar ao Brasil através do sucesso de "Pavão Mysteriozo" - onde o maracatu cearense embala a literatura popular -, serviu para reafirmar Fortaleza como uma cidade a partir da qual é possível fazer uma poesia cosmopolita e engajada.
No jogo poético de "Baião de Dois", por exemplo, Ednardo desconstrói em anagramas o mito fundador de sua terra: "Iracema ama/ Iracema ara/ Iracema ima/ Iracema cara/ Iracema rima/ Iracema mar/ Iracema é América". Em "Passeio Público", ele resgata o episódio da prisão de Bárbara de Alencar: "Hoje ao passar pelos lados/ Das brancas paredes, paredes do forte/ Escuto ganidos de morte/ Vindos daquela janela/ É Bárbara, tenho certeza". Mito e história, portanto, são duas balizas de uma obra que se propõe telúrica não para dar corda em qualquer ufanismo publicitário, mas apenas para falar ao mundo.
As musas de Ednardo, como a Elvira de "Brincando é que se aprende", podem vir tanto do Braz, quanto de Ipanema, quanto da Aldeota, não importa. O que importa é, como diz a letra de "Imã" a "canção ao vento leve" que a raiz "espalha em cada folha". Falando da saudade do verde mar da Cidade, da eterna briga entre o mar e as pedras da Praia de Iracema, ele diz em "Longarinas" que a "moda" não muda "seu mote".
Ednardo flagra Fortaleza como a cidade sem uma tradição cultural específica, ao contrário de Salvador, Recife ou Rio de Janeiro. Mas não faz disso uma muleta para a covardia criativa ou para a alienação gratuita, traços que, com raras exceções, seguem embalando nossa cena artística. Pelo contrário, ele entende Fortaleza como um terreno absolutamente livre para o risco, para a invenção, para o diálogo. "Coma tudo o que você puder/ Arrote e coma você mesmo até/ Consuma tudo em suma/ Definitiva e completamente/ Na destruição somente deste absurdo aniquilamento/ É que talvez surja um outro novo momento", diz a letra de "Padaria espiritual".
Eis nossa encruzilhada cultural primeva: se a arte essencialmente de Fortaleza é uma impossibilidade histórica, que viva a arte em Fortaleza.

*Texto publicado originalmente na Revista Fortaleza, produzida pelo jornal O POVO em 2006. 
** Na foto acima, Ednardo, Téti e Rodger Rogério em apresentação no início dos anos 70.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O dia e o clube

E hoje é o dia nacional do samba!

Da arte da distorção



Está disponível no youtube o vídeo com a íntegra da entrevista de Lula sobre o caso Arruda. Assistindo ao vídeo percebe-se a enorme distorção de conteúdo que foi oferecida aos leitores dos principais portais e jornais (que embarcaram na barrigada hoje) em relação às declarações do presidente. 
Segue o trecho mais importante: 

"Jornalista: Presidente, como é que o senhor stá acompanhando o escândalo envolvendo o governador Arruda, no Distrito Federal?
Presidente: Eu não estou acompanhando, porque está na esfera da Polícia Federal. Se está na esfera da Polícia Federal, o presidente da República não dá palpite. espera a apuração, para depois falar alguma coisa. Vamos aguardar...

Jornalista: As imagens não falam por si ali, presidente?
Presidente: Não, mas vamos aguardar. Imagem não fala por si. O que fala por si é todo o processo de apuração, todo o processo de investigação. Quando tiver toda a apuração, toda a investigação terminada, a Polícia Federal vai ter que apresentar um resultado final, um processo, aí anuncia. Aí você pode fazer juízo de valor. Mesmo assim, quem vai fazer juízo de valor final é a justiça. O presidente da República não pode ficar dando palpite, se é bom, se é ruim. Vamos aguardar a apuração"

Como se vê, Lula não declarou que as imagens escandalosas de Arruda e seu secretariado recebendo propina não falam por si, mas sim que apenas "imagem" - no genérico - não fala por si num processo de apuração policial. Além do que ele, presidente, não acompanhara o caso. Do sentido concreto da declaração à distorção feita pela maior parte dos veículos - que sugerem uma condescendência de Lula com o episódio ou, pasmem, uma estratégia do Planalto para sangrar a oposição até as eleições do ano que vem - há uma distância enorme. A mesma distância, aliás, que separa a propina dos panetones. 

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A arte do improviso


O jeito esquisito ao piano é resultado, em parte, das dificuldades vividas ainda nos primeiros estudos: a pequena estatura e as mãos pequenas faziam com que Keith, então com pouco mais de três anos, tivesse de se levantar do banco para alcançar as notas mais agudas e as mais graves do teclado. Mas foi a paixão intensa pela música e, em particular, pela arte do improviso que levou esse gênio não apenas a tocar de modo muito particular - em geral, se contorcendo à frente das teclas e solfejando as notas com grunhidos que costumam afastar os ouvintes desavisados - mas a se transformar num dos maiores nomes da música da segunda metade do século XX.
Art of Improvisation, um documentário fascinante de Mike Dibb produzido em 2005 e que apenas este ano foi lançado no Brasil pela Euro Arts, percorre a trajetória de Keith Jarrett investigando as idiossincrasias e a trajetória desse artista que é uma das grandes estrelas do jazz e da música erudita. Compositor e instrumentista virtuoso, o norte-americano personifica ao mesmo tempo o rigor da disciplina acadêmica e um desejo permanente de exploração musical guiado pela liberdade da estrutura jazzística. Em suas mãos, as composições eruditas ganham novos contornos e uma vitalidade rara através do repertório virtuoso da técnica de Jarrett. E o improviso ganha status de composição pronta, que, porém, nunca chegará a ganhar a eternidade das partituras pela natureza efêmera de seu processo de "escrita". 
"Nunca houve um tempo em que a improvisação tenha ganho o respeito devido. Pela virtude de seu espírito holístico, ela necessita de tudo para se concretizar. Ela demanda tempo real, nenhuma edição é possível. Isso leva seu sistema nervoso a estar alerta para todas as possibilidades de um jeito que não pode ser descrito por nenhum outro tipo de música", ele explica no filme. 

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Os justos


"Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acaricia um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo."

Jorge Luis Borges, Os justos

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Schoenberg monino

Haroldo Costa escreveu que a invenção musical mais importante do século XX, ao lado do jazz, são as escolas de samba. É fato. Apenas acrescentaria nesse balaio de contribuições paradigmáticas do século passado a música dodecafônica, que estilhaçou a estrutura tonal, aquele "código de entrelaçamento sonoro que vigorava há séculos, quase como um sinônimo da própria música ocidental", nas palavras de Júlio Medaglia. 
Passada essa primeira década do século XXI, é possível dizer que, em proporções mais tímidas, mas não menos relevantes, o estilo das escolas de samba também passa por um estilhaçar de sua estrutura que está transformando e ampliando o gênero do samba de enredo. Esse processo é visível no novo entrelaçamento de seus compassos, na nova (e a cada ano mais criativa) relação entre as vozes e timbres percussivos que constituem seu tecido sonoro. 
Nisso reside, ressalte-se, um paradoxo, já que a estrutura de composição está cada vez mais engessada e previsível, baseada nos famigerados refrões (sempre dois) e estrofes (sempre duas). Mas escutando o disco de sambas de enredo do grupo especial do carnaval de 2010, por exemplo, é possível perceber como as baterias nunca soaram tão audaciosas, nunca transbordaram tanto para além dos limites binários do samba. Diálogos de surdos, chamadas ralentadas de repiniques, desenhos de tamborins que soam como arpejos virtuosos, colorações extraordinárias de chocalhos: os recursos utilizados pelos mestres de bateria em suas bossas e na própria construção do ritmo são hoje de tal complexidade e engenhosidade que fazem do samba de enredo a expressão rítmica mais inteligente do País. 
Há letras interessantes (como os sambas da Beija Flor, Vila Isabel e Imperatriz), que de forma competente embalam o exuberante cortejo de painéis que é o desfile da Sapucaí, uma ópera tupiniquim de gramática própria e também cada vez mais engenhosa. Há também textos pífios -  a maioria, infelizmente. Mas a orquestração das baterias se sobressai a tais redundâncias e platitudes - embora o tão prometido disco gravado ao vivo tenha recebido acabamento de disco de estúdio, com uma edição criminosa de algumas faixas. 
O melhor das baterias segue nos ensaios de quadra, nas verdadeiras gravações ao vivo e, claro, no desfile de fevereiro. Vida longa a nossos Schoenbergs mominos! 

A luta passageira dos apáticos

"Uma das figuras mais originais e características da nossa era é a do revolucionário profissional, como foi definida pelos bolchevistas no começo do século. O militante inteiramente consagrado à atividade política, materialmente sustentado por uma organização partidária, a que em princípio deve dar adesão completa, obediência sem reservas, todo o seu pensamento e a sua ação, não devendo, como um clérigo, ter outro compromisso. A esses homens, formados segundo a mentalidade exclusivista das seitas, o nosso tempo deve algumas das realizações mais espantosas, tanto as redentoras quanto as atrozes. 
Mas é também interessante o tipo oposto, do homem sem qualquer compromisso com a revolução, que frequentemente é até contra ela, e no entanto nalgum período ou apenas nalgum instante da vida fez alguma coisa por ela: uma palavra, um ato, um artigo, uma contribuição, uma assinatura, o auxílio a um perseguido. Se fosse possível computar esses fatos ocasionais, essas atividades temporárias, talvez resultasse um total imenso de forças. Por isso, é atraente investigar os atos discordantes dos conformistas, os atos radicais dos conservadores, os períodos de lucidez revoltosa dos desinteressados, as lutas passageiras dos apáticos". 

Antonio Candido, em "Radicais de Ocasião" (ensaio incluído no volume Teresina Etc, da editora Ouro sobre Azul)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Encaixotando Jorge


Agora é que o superavit lá de casa vai pro saco: Salve Jorge!, caixa com os 13 primeiros discos de Benjor (todos lançados pela Philips entre 1963 e 1976) chega às gôndolas em dezembro. Durante muito tempo, títulos como Solta o pavão (1975), Forca bruta (1970) e Negro é lindo (1971) estiveram fora de catálogo e ajudaram a criar a mística em torno do Zé Pretinho - que soava tão mais genial quanto mais obscuras eram suas gravações. Pois bem, esses discos estão chegando novamente ao mercado no formato de CD, junto com clássicos absolutos como Tábua de Esmeraldas (o melhor de todos eles), África Brasil e Gil Jorge; e revelam a melhor fase da discografia de Jorge Ben. Destaque também para o disco com gravações raras e inéditas disponibilizado pela Universal na caixa.

Os discos encaixotados são os seguintes:
Samba Esquema Novo (1963)
Sacudin Ben Samba (1964)
Ben É Samba Bom (1964)
Big Ben (1965)
Jorge Ben (1969)
Força Bruta (1970)
Negro É Lindo (1971)
Ben (1972)
10 Anos Depois(1973)
A Tábua de Esmeraldas (1974)
Gil Jorge - Ogum Xangô (1975)
Solta o Pavão (1975)
África Brasil (1976)

Abaixo, Benjor canta "Domingas" ao lado dos Originais do Samba, em 1970.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Ataulfo Alves, 100 anos

Além de intérprete bem-sucedido da própria obra, caso raro entre os sambistas, Ataulfo Alves compunha num andamento singular, diferente, numa cadência mais "ralentada" sem, no entanto, encostar no samba-canção, como lembra Tárik de Souza. Esse passo mais vagaroso, mais elegante, permitiu que  sua obra se tornasse itinerário para músicos de outros gêneros, que descobriram em seus sambas uma paisagem pós-gafieira, de tons jazzísticos (sem, no entanto, encostar na bossa-nova), permanentemente aberta a novas abordagens. 
Itamar Assumpção, por exemplo, dedicou um de seus melhores discos a releituras moderníssimas da obra de Ataulfo. Agora, é o produtor Thiago Marques Luiz quem revira o baú de Ataulfo para celebrar seu centenário. Depois de seis meses de trabalho, ele reuniu um elenco brilhante de intérpretes para percorrer parte da obra deste compositor mineiro em dois CDs lançados simultaneamente: o primeiro reunindo artistas consagrados em diversas épocas e estilos; o segundo, apresentando a força e o vigor de novos nomes que se lançam na cena do samba e alhures. 
Nos discos, coube tudo em termos de gêneros. Da valsa ("Meus tempos de infância", com Ná Ozzetti) ao funk ("Na cadência do samba", com Elza Soares). Do bolero ("Errei sim", com Fafá Belém) à balada lírica ("Infidelidade", com o canto emocionante de Alaíde Costa e o piano exuberante de André Mehmari). Da gafieira ("Mulata Assanhada", com Elba Ramalho) ao reggae ("Desaforo eu não carrego", com o impagável Língua de Trapo). Tudo, porém, elegante e suingado, soando vigorosamente como samba. Ou melhor, como um samba de Ataulfo Alves. 
Abaixo, Ataulfo em um raro registro de 1967. 

domingo, 22 de novembro de 2009

Um novo ciclo

Há exatos dez anos, no fim da temporada de 1999, o então presidente do Ceará Sporting Club, Átila Bezerra, participava de uma mesa redonda dominical numa emissora local de TV e avaliava as perspectivas do clube para o ano seguinte. O Ceará acabara de ser tetracampeão estadual; batera na trave na disputa por uma vaga na primeira divisão do Campeonato Brasileiro – perdendo a vaga para o Goiás –; via seus rivais locais afundados em graves crises financeiras; e estava na iminência de fechar uma parceria com o banco Icatu Hartford, que prometia reinventar o modelo de gestão esportiva no futebol cearense a partir da profissionalização dos quadros da administração alvinegra. Para 2000, anunciou o mandatário, o (segundo) pentacampeonato estadual estava garantido e a sonhada vaga na elite do futebol brasileiro era apenas uma questão de tempo em função dos novos ares em Porangabuçu.

Mesmo o mais desconfiado dos alvinegros não poderia imaginar quão infelizes seriam aquelas declarações. A partir de 2000, a era de aquarius para o Ceará virou uma quadra de tristeza e frustrações. O calendário alvinegro passou a ser pautado pelas disputas fratricidas entre seus dirigentes, pela demagogia e pela incompetência administrativa de seus gestores, pela obtusidade e pelo cinismo de setores da imprensa comprometidos com interesses inconfessáveis dentro do clube e, por tabela, pela impaciência da torcida. Com isso, os anos 00 foram uma das piores décadas da história alvinegra: a fogueira de vaidades em que ardia o ego dos tragicômicos “cardeais alvinegros” inviabilizou a parceria com o banco e legou uma herança maldita que durante anos assombrou as contas de Porangabuçu, o clube viu seu principal rival renascer das cinzas, conquistou apenas dois campeonatos cearenses (embora o campeonato de 2004 não tenha sido decidido dentro de campo por conta de uma constrangedora armação da FCF) e balançou por diversas vezes na corda da bamba que dava para o abismo da terceirona.

Ontem, o Ceará chegou por seus méritos (sem precisar ser guinchado de divisões inferiores, ressalte-se) à elite do futebol brasileiro. Uma campanha que emocionou a maior (e mais fiel) torcida do Estado e arrancou elogios mesmo dos comentaristas mais sisudos. Dentro de campo, o time de PC Gusmão soube combinar o pragmatismo tático com a garra exigida pelas arquibancadas. Não houve futebol vistoso, mas houve futebol compromissado. Nenhum novo Zé Eduardo despontou, mas bons jogadores (Mota, Geraldo, Michel, Boiadeiro, Erivelton, Misael, Fábio Vidal e outros) vestiram com muita dignidade a camisa alvinegra e suaram lágrimas junto com a massa.

Fora de campo, a gestão de Evandro Leitão abraçou com seriedade e competência o desafio de comandar a maior paixão esportiva do Estado, implementando novas práticas gerenciais e reerguendo a auto-estima do torcedor alvinegro. Dez anos depois da famigerada barrigada do então presidente alvinegro, que deu início a um ciclo a ser esquecido pelos alvinegros, Evandro tem a oportunidade de novamente olhar para o futuro anunciando uma nova era para o Vozão. Um novo ciclo marcado não pela presunção vazia ou pela vaidade inútil; mas pela seriedade no trato com o patrimônio alvinegro. Um novo tempo marcado não apenas pelo desafio de montar times vencedores, mas pela missão de fazer do Ceará um grande clube.

É o que deseja o torcedor alvinegro, que hoje vai dormir bêbado de alegria, comemorando o tão sonhado acesso de nosso time querido. Mas que amanhã vai acordar com o desafio da primeira divisão pela frente.

Parabéns, Vozão! 

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A pimenteira de Pedro Miranda


Pimenteira, segundo disco solo do carioca Pedro Miranda, está saindo do forno. Ao mesmo tempo em que chegava às lojas, o CD era citado em alguns jornalões não propriamente pelo belo trabalho que é, mas pela bênção de Caetano Veloso ao novo álbum desse enfant terrible da Lapa. Entre outras palavras, o baiano disse que há muito tempo não escutava um disco com tanto entusiasmo. 
"Eu sempre sou citado como elogiador fácil de moças jovens bonitas que cantam samba. Nunca as elogiei sem que achasse justo fazê-lo. Dizer aqui que o CD de um marmanjo, que nem tipo gatinho é, é algo muito mais importante do que o que essas ninfas têm, em conjunto, alcançado deve dar uma ideia do quanto considero ‘Pimenteira’ um evento especial em nossa música. E, de quebra, pode dar mais credibilidade aos elogios que faço às moças", diz Caetano, que classifica o CD como um trabalho de "força histórica intensa". 
Noves fora a afetação de Caetano, essa é de fato uma boa chave para se entender a força do disco. Sucessor de Coisa com Coisa (20o6), o ótimo trabalho de estréia de Pedro, Pimenteira reafirma uma estética que, em escalas e competências diferentes, tem embalado o trabalho dessa (já não tão) nova geração de sambistas que fizeram da Lapa o epicentro de um discurso musical que contagiou outras latitudes do País e transbordou para outros gêneros. Trata-se de um olhar apaixonado e curioso para a tradição, que dispensa o tom solene em relação ao passado e vê nos grandes sambistas, não os sacerdotes de uma liturgia inabalável e engessada, mas uma fonte atemporal da alegria que é cantar samba. 
Cantar e compor, aliás. Além das peças nada óbvias de Nelson Cavaquinho ("Velhice"), Roque Ferreira (autor da faixa título do CD), Wilson das Neves ("Imagem"), Nei Lopes ("Compadre Bento"), Paulo César Pinheiro ("Baticum") e Elton Medeiros ("Na cara do gol"), que o próprio Pedro pesquisou e reuniu para o disco, Pimenteira é temperado por composições de jovens autores como Edu Krieger ("Coluna Social"), Alfredo Del Penho ("Caso encerrado"), Rubinho Jacobina (autor da impagável "Meio-tom") e Moyseis Marques ("Cartas de metrô"), que respondem pelo extrato atualíssimo do disco. 
Some-se ao repertório primoroso (cuja escolha em si constitui um ato autoral) a produção primorosa de Luis Filipe de Lima e é possível entender o discurso proposto por Pedro: um disco que recorre a procedimentos tradicionais (aqui retrabalhados e reprocessados em novos timbres e arranjos) para olhar para o futuro, celebrando sem neuras a alegria do bom samba. Nada mais moderno, portanto. Tradição, presente e futuro. Tudo desaguando na voz afinadíssima e cheia de suingue de Pedrinho Miranda. Sem manias de passado nem frescuras de modernidade. Um disco de altíssimo astral e de inegável "força histórica".  

P.S. - Ano passado, Pedrinho esteve em Fortaleza cantando com o Policarpo e a Estrela de Madureira. Segue abaixo o link.

Soldado da memória


Quase uma metonímia. A série Songbook, criada por Almir Chediak no final dos anos 80, passou a denominar um tipo de produto cultural que até então era uma raridade no País. Corriqueiro no exterior, o esforço editorial de reunir partituras de um determinado compositor popular - transcrevendo a letra e a melodia e cifrando a harmonia exatamente do modo como foram criadas - só vingou efetivamente no Brasil depois que o produtor carioca lançou os primeiros livros do gênero pela editora Lumiar, de sua propriedade. 
Assim foi que os ''songbooks da Lumiar'' - ou os ''songbooks do Chediak'' - viraram uma espécie de bombril didático-musical entre nossos instrumentistas. Outros editores também lançaram os seus, mas ninguém conseguiu fugir da sombra da produção meticulosa e perfeccionista de Chediak, que acabou consagrando seus livros (e posteriormente os CDs vinculados a eles) tanto por conta do método adotado, que preservava todos os detalhes criativos dos compositores, quanto pelos nomes que conseguiu editar. 
Primeiro foi Caetano Veloso, que teve a obra mapeada e transcrita em dois volumes lançados em 1988. Na época, qualquer pessoa que já tocava violão ou apenas se iniciava no instrumento, ficava babando ao descobrir um acorde novo ou uma passagem harmônica mais elaborada que se escondiam nas ''entrelinhas'' de uma composição do músico baiano. Quase como um anti-feiticeiro da linguagem musical, Chediak revelou esses truques e os colocou à disposição de estudantes, professores e músicos diletantes que até então eram um tanto órfãos de publicações do gênero. 
''Nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, um songbook de Cole Porter ou George Gershwin contém partituras que perpetuam nota por nota, palavra por palavra, o que cada um deles criou. Aqui, a prática corrente é a de não se respeitar a música popular do mesmo modo que se respeita a erudita'', afirmava o jornalista João Máximo na introdução de um dos volumes dedicados a Caetano. ''Chediak e sua editora ousam acreditar que a boa música popular do Brasil merece o mesmo destino de toda obra-prima: perpetuar-se''. 
Nesse sentido, Chediak tornou-se um raro guardião de parte da memória musical brasileira. Imagem que se somou a de autor de obras referenciais no ensino de música, especialmente Dicionário de acordes cifrados, que iniciou o processo de padronização das cifras no Brasil; e os dois volumes de Harmonia e improvisação, primeiro livro editado no País sobre técnica de improvisação e harmonia funcional (com aplicação em mais de 140 músicas populares). Mas se esses livros são obrigatórios em qualquer boa biblioteca de teoria musical, Chediak se consagrou mesmo com os seus Songbooks
''A idéia nasceu exatamente na casa de Caetano Veloso. Eu estava dando aula de violão a seu filho Moreno, quando comecei a pensar no quanto seria importante para professores, músicos, arranjadores e estudantes se tivéssemos as obras de nossos compositores catalogadas em um álbum do modo como foram criadas por eles, o que raramente acontece nas edições musicais, principalmente no que se refere às harmonias, fundamentais na medida em que grande parte de nossos compositores é de excelentes harmonizadores, músicos que sabem exatamente os acordes com que melhor vestem suas melodias'', ele explicava. 
Depois de Caetano, foram mais de vinte outros livros editados (a maioria com CDs correspondentes), contemplando nomes como Chico Buarque, Edu Lobo, Braguinha, Noel Rosa, Carlos Lyra, Dorival Caymmi, João Donato (foto acima), Djavan, Francis Hime, Rita Lee, Gilberto Gil, entre outros medalhões. O último trabalho foi o livro (e uma caixa com três CDs) de canções de João Bosco, presença constante em quase todos os discos produzidos por Chediak. 
''Eu participei em todos (os CDs da série Songbook), em alguns até com mais de uma música. É um trabalho importantíssimo. Os discos funcionavam como uma usina de experimentação, com muitas releituras feitas com total liberdade. E os livros eram feitos com muito cuidado, das cifras às entrevistas e biografias de cada artista'', João declarou ao saber da morte terrível de Chediak. ''Estou chocado, não sabemos o que houve, só que essa pessoa cheia de vida não está mais aqui''. O produtor musical foi assassinado brutalmente em maio de 2003, com quatro tiros no rosto, em Petrópolis. 
Nascido no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1950, Chediak começou seus estudos com uma das grandes lendas da música popular brasileira, o mestre Herondino Silva, o mitológico Dino Sete Cordas. Aos 17 anos, já dava aulas e aprimorava seus conhecimentos com o professor Ian Guest. Entre os alunos que passaram pelas aulas de Almir estavam nomes famosos, como Gal Costa, Moraes Moreira, Carlos Lyra, Tim Maia, Ed Motta e Cazuza, que se revezaram pelo seu Centro Musical instalado em Copacabana. 
Com sua morte, a MPB perdeu o autor de um trabalho que Tom Jobim definia como ''coisa patriótica''. Mais: perdeu um soldado insubstituível na guerrilha cultural travada entre a nossa música e a vertigem cretina das grandes gravadoras.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O dom e a dor


Minha Esquina (Paulo César Pinheiro)

Já peguei meu violão
Pra falar do nosso amor
Mas se Deus concede o dom
A mulher concede a dor

Assim voltei pra minha esquina
Mas sem querer voltar
Canto até seis da matina
Para não ter que chorar

Mas não tem nada não eu vou ficando com a rapaziada
Cantando um samba e outro no meu violão
Poeta que é poeta mora na jogada
Um amor que vai é mais uma canção

Mas quem tira ainda vai pôr
Pela lei da proporção
Quando Deus pede o penhor
A mulher pede o perdão

E assim deixei a minha esquina
Mas sem querer deixar
Mas rotina por rotina
Eu vou levando por levar

Mas o meu nome vai ficando pela madrugada
Que eu tenho um samba e outro pra cada emoção
Poeta que é poeta não perde a parada
O que vem é festa pro meu coração