Sem ironia barata, se me pedissem uma sugestão de leitura para este natal, diria Deus, um delírio, do britânico Richard Dawkins. Trata-se, nada mais nada menos, de um vigoroso ensaio contra Deus e, de forma mais ampla, contra a religião.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Um natal com Dawkins
Sem ironia barata, se me pedissem uma sugestão de leitura para este natal, diria Deus, um delírio, do britânico Richard Dawkins. Trata-se, nada mais nada menos, de um vigoroso ensaio contra Deus e, de forma mais ampla, contra a religião.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Os holandeses caem no samba...
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
O destino
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Aquela marquinha...
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Universidade, pra que te quero?
A universidade pública agonizou no período FHC e quase foi sepultada com outras instituições da vida brasileira ao longo daqueles oito anos de triste memória. Em sua liturgia de desmonte do Estado, a cartilha neoliberal tucana deixou o ensino superior à míngua e atrelou de modo profundo o sentido secular das universidades à praxis do mercado. Na época, a reação dos setores de esquerda foi o bordão da defesa de uma "universidade pública, gratuita e de qualidade". Nada , no entanto, que superasse o pragmatismo míope que, no campo da educação, fazia confundir o ensino superior com uma pedagogia de caráter técnico e não raro desumanizador.
Luiza Dionísio: uma voz na terceira margem
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Poemetes Araújos - VI
domingo, 6 de dezembro de 2009
Uma vez Flamengo, sempre... pontos corridos
sábado, 5 de dezembro de 2009
Mania de listas (os melhores discos do ano)
Salvo algum lançamento improvável de última hora, os melhores discos do ano já podem ser mapeados. Segue a relação escolhida pela “equipe” do Talabarte, que complementa a lista que havia sido feita para o primeiro semestre.
1. Balangandãs, de Ná Ozzetti. Disco-tributo a Carmem Miranda que revisita o repertório clássico de compositores igualmente canônicos, como Assis Valente, João de Barro, Synval Silva, Dorival Caymmi e Zequinha de Abreu, entre outros, com roupagem revigorada e delicada assinada por Dante Ozzetti e Mário Manga. O grande disco do ano para a “equipe” de redação do Talabarte.
2. AfroBossaNova, de Paulo Moura e Armandinho. Chega de saudade! O barquinho mudou sua rota. Manteve a bússola da bossa nova de Jobim, mas, em vez do macio azul do mar, fez de sua carta náutica uma aquarela étnica e percorreu o mares bravios e intensos de suas raízes negras. Do samba ao west-coast, do candomblé ao hard-bop: axé Coltrane, axé Gerry Mulligan! Wes Montogomery pede a bênção a Pixinguinha e Silas de Oliveira. Água no pote de Oxalá e música na alma do mudo inteiro!
3. Saudades do Cordão, de Guinga e Paulo Sérgio Santos. Dois outros exemplos de músicos que, sempre que lançam trabalhos novos, figuram entre os mais mais do ano. Lançando um disco em parceria, então, os dois vão para as cabeças. Para as mais inteligentes e sensíveis, naturalmente. Discão.
4. Debussy, Nelson Freire. O pianista brasileiro chegou a um ponto tal de maturidade artística e virtuosismo que qualquer registro seu entra automaticamente para qualquer lista dos melhores discos de todos os tempos. Pois bem, como lançou esse belíssimo Debussy no primeiro semestre, não poderia ficar de fora.
5. Zii e Ziê, de Caetano Veloso. Ao dar continuidade à sonoridade crua e minimalista construída em Cê, mas superando o amargor das letras do disco anterior, Caetano grava um disco corajoso, em que volta a tensionar o horizonte de nosso consumo musical e mexe mais algumas peças no tabuleiro do jogo entre a tradição e o contemporâneo.
6. Peixes pássaros pessoas, de Mariana Aydar. A promessa anunciada em Kavita 1 se confirma nesse disco com sonoridade e repertório poderosos. Um samba jovial, sem amarras, anda de mãos dadas com um pop inteligente, artigo cada vez mais raro em nossas estantes. Vide a ótima “Tá?”.
7. Live from Salzburg, de Nelson Freire e Marta Argerich. Brasil e Argentina numa tabela de titãs. Destaque para o virtuosismo em "Variações sobre um tema de Haydn", de Brahms; e para a arquitetura preciosa de "Variações sobre um tema de Paganini", do polonês Witold Lutoslawski.
8. Devoção, de Luiza Dionísio. Tarefa difícil escolher a maior cantora brasileira viva de quem o Brasil - infelizmente - ainda não ouviu falar. Luiza Dionísio tem meu voto. Seu canto é de um delicado vigor e emociona à primeira audição. Seu repertório, com belas inspirações religiosas afro-brasileiras, se espalha pelo choro-canção ("Velho amigo"), samba sincopado ("Vila do meu coração") e samba de roda ("Mar de jangada").
9. Pimenteira, de Pedro Miranda. Tradição, presente e futuro. Tudo desaguando na voz afinadíssima e cheia de suingue de Pedrinho Miranda. Sem manias de passado nem frescuras de modernidade. Um disco de altíssimo astral e de inegável "força histórica".
10.Yesterdays, de Keith Jarrett. Há os que prefiram outros trios de Jarrett, como o que contava com Paul Motian e Charlie Haden. Mas é inegável que foram Peacock e DeJohnette que consolidaram o projeto musical do pianista em relação a suas formações jazzísticas. Esse disco celebra mais uma vez essa parceria de mais de trinta anos, com standards como “Stella by Starlihgt”, “Smoke gets in your eyes” e “You took advantage of me”, que, como se espera de um disco do trio, deixam de ser clichês e viram outra coisa nas mãos endiabradas de Jarrett.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Do arco dos velhos
Digo sim
Digo Sim, Ferreira Gullar
P.S. - O grande poeta virou um articulista conservador e obtuso. A cada domingo é um suplício cada vez maior ler seus textos nos jornais. Mas ainda digo sim a muitos de seus poemas.
O canto da encruzilhada
"Eu venho das dunas brancas/ Onde eu queria ficar/ Deitando os olhos cansados/ Por onde a vida alcançar/ Meu céu é pleno de paz/ Sem chaminés ou fumaça/ No peito enganos mil/ Na Terra é pleno abril" - "Terral" (Ednardo)
Na bagagem para São Paulo, onde desembarcou junto com o "Pessoal do Ceará" no início da década de 1970, ele levou as memórias de uma Fortaleza ainda ingênua, que apenas começava a experimentar o "som e a velocidade" de novos tempos naquela virada dos 60 para os 70. Mas em vez de se perder no caldeirão de signos da metrópole e nas tretas do mercado fonográfico, a saudade da terra natal cravou marca na alma e virou um mote poético ao qual o compositor recorrentemente se voltou ao longo de mais de trinta anos de carreira.
"Vai meu filho vai/.../Só não esqueça de voltar para ver/ O que restou desse lugar/ Que o sol e a chuva/ E os homens práticos/ Vão modificar", ele canta em "Avião de Papel". Pois Ednardo não só não esqueceu de voltar para ver e abraçar poeticamente sua aldeia; como fez de Fortaleza uma inspiração terçã em seus versos. Sucessor de Ramos Cotoco, Lauro Maia e Luiz Assunção, seu canto insistiu em falar de coisas nossas, sem folclorizar nosso rosto nem inventar falsas tradições para a Cidade. Sua lírica é uma rota semiótica de mão dupla que tenta entender seu lugar de origem a partir de seu tempo enquanto canta sua geração a partir das referências que constituem a vida da Província.
Logo em seu primeiro disco - onde grava "Terral", " Palmas pra dar Ibope" (com seu aviso sobre o "desassossego" e o "veneno" que rondavam a nossa aldeia) e " Beira-Mar" -, o cantar Fortaleza se revela com urgência para Ednardo. "Viva o som, velocidade/ Forte, praia, minha cidade", ele dispara em Beira-Mar. "A cidade é bem mais que um pano de fundo para uma história de amor. Ela é personagem. Não é qualquer beira de mar de qualquer cidade do Brasil, mas uma Beira-Mar localizada, a de Fortaleza. Uma Beira-Mar com seu footing provinciano, seus bares, sua estátua de Iracema onde 'Só o meu grito nega aos quatro ventos/ a verdade que não quero ver'", analisa o jornalista e professor Gilmar de Carvalho no ensaio Referenciais Cearenses na Música de Ednardo, o mais completo sobre a trajetória do compositor.
Ednardo veio de longe, mas também veio de dentro de si, como ele sugere em "Blues à flor da pele". Ele é também o compositor de "Pastoril", que saiu "do mel da jandaíra" e veio da Maraponga. Essa geografia íntima do artista, que começou a se mostrar ao Brasil através do sucesso de "Pavão Mysteriozo" - onde o maracatu cearense embala a literatura popular -, serviu para reafirmar Fortaleza como uma cidade a partir da qual é possível fazer uma poesia cosmopolita e engajada.
No jogo poético de "Baião de Dois", por exemplo, Ednardo desconstrói em anagramas o mito fundador de sua terra: "Iracema ama/ Iracema ara/ Iracema ima/ Iracema cara/ Iracema rima/ Iracema mar/ Iracema é América". Em "Passeio Público", ele resgata o episódio da prisão de Bárbara de Alencar: "Hoje ao passar pelos lados/ Das brancas paredes, paredes do forte/ Escuto ganidos de morte/ Vindos daquela janela/ É Bárbara, tenho certeza". Mito e história, portanto, são duas balizas de uma obra que se propõe telúrica não para dar corda em qualquer ufanismo publicitário, mas apenas para falar ao mundo.
As musas de Ednardo, como a Elvira de "Brincando é que se aprende", podem vir tanto do Braz, quanto de Ipanema, quanto da Aldeota, não importa. O que importa é, como diz a letra de "Imã" a "canção ao vento leve" que a raiz "espalha em cada folha". Falando da saudade do verde mar da Cidade, da eterna briga entre o mar e as pedras da Praia de Iracema, ele diz em "Longarinas" que a "moda" não muda "seu mote".
Ednardo flagra Fortaleza como a cidade sem uma tradição cultural específica, ao contrário de Salvador, Recife ou Rio de Janeiro. Mas não faz disso uma muleta para a covardia criativa ou para a alienação gratuita, traços que, com raras exceções, seguem embalando nossa cena artística. Pelo contrário, ele entende Fortaleza como um terreno absolutamente livre para o risco, para a invenção, para o diálogo. "Coma tudo o que você puder/ Arrote e coma você mesmo até/ Consuma tudo em suma/ Definitiva e completamente/ Na destruição somente deste absurdo aniquilamento/ É que talvez surja um outro novo momento", diz a letra de "Padaria espiritual".
Eis nossa encruzilhada cultural primeva: se a arte essencialmente de Fortaleza é uma impossibilidade histórica, que viva a arte em Fortaleza.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Da arte da distorção
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
A arte do improviso
O jeito esquisito ao piano é resultado, em parte, das dificuldades vividas ainda nos primeiros estudos: a pequena estatura e as mãos pequenas faziam com que Keith, então com pouco mais de três anos, tivesse de se levantar do banco para alcançar as notas mais agudas e as mais graves do teclado. Mas foi a paixão intensa pela música e, em particular, pela arte do improviso que levou esse gênio não apenas a tocar de modo muito particular - em geral, se contorcendo à frente das teclas e solfejando as notas com grunhidos que costumam afastar os ouvintes desavisados - mas a se transformar num dos maiores nomes da música da segunda metade do século XX.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Os justos
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acaricia um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo."
Jorge Luis Borges, Os justos
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Schoenberg monino
A luta passageira dos apáticos
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Encaixotando Jorge
Agora é que o superavit lá de casa vai pro saco: Salve Jorge!, caixa com os 13 primeiros discos de Benjor (todos lançados pela Philips entre 1963 e 1976) chega às gôndolas em dezembro. Durante muito tempo, títulos como Solta o pavão (1975), Forca bruta (1970) e Negro é lindo (1971) estiveram fora de catálogo e ajudaram a criar a mística em torno do Zé Pretinho - que soava tão mais genial quanto mais obscuras eram suas gravações. Pois bem, esses discos estão chegando novamente ao mercado no formato de CD, junto com clássicos absolutos como Tábua de Esmeraldas (o melhor de todos eles), África Brasil e Gil Jorge; e revelam a melhor fase da discografia de Jorge Ben. Destaque também para o disco com gravações raras e inéditas disponibilizado pela Universal na caixa.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Ataulfo Alves, 100 anos
domingo, 22 de novembro de 2009
Um novo ciclo
Há exatos dez anos, no fim da temporada de 1999, o então presidente do Ceará Sporting Club, Átila Bezerra, participava de uma mesa redonda dominical numa emissora local de TV e avaliava as perspectivas do clube para o ano seguinte. O Ceará acabara de ser tetracampeão estadual; batera na trave na disputa por uma vaga na primeira divisão do Campeonato Brasileiro – perdendo a vaga para o Goiás –; via seus rivais locais afundados em graves crises financeiras; e estava na iminência de fechar uma parceria com o banco Icatu Hartford, que prometia reinventar o modelo de gestão esportiva no futebol cearense a partir da profissionalização dos quadros da administração alvinegra. Para 2000, anunciou o mandatário, o (segundo) pentacampeonato estadual estava garantido e a sonhada vaga na elite do futebol brasileiro era apenas uma questão de tempo em função dos novos ares em Porangabuçu.
Mesmo o mais desconfiado dos alvinegros não poderia imaginar quão infelizes seriam aquelas declarações. A partir de 2000, a era de aquarius para o Ceará virou uma quadra de tristeza e frustrações. O calendário alvinegro passou a ser pautado pelas disputas fratricidas entre seus dirigentes, pela demagogia e pela incompetência administrativa de seus gestores, pela obtusidade e pelo cinismo de setores da imprensa comprometidos com interesses inconfessáveis dentro do clube e, por tabela, pela impaciência da torcida. Com isso, os anos 00 foram uma das piores décadas da história alvinegra: a fogueira de vaidades em que ardia o ego dos tragicômicos “cardeais alvinegros” inviabilizou a parceria com o banco e legou uma herança maldita que durante anos assombrou as contas de Porangabuçu, o clube viu seu principal rival renascer das cinzas, conquistou apenas dois campeonatos cearenses (embora o campeonato de 2004 não tenha sido decidido dentro de campo por conta de uma constrangedora armação da FCF) e balançou por diversas vezes na corda da bamba que dava para o abismo da terceirona.
Ontem, o Ceará chegou por seus méritos (sem precisar ser guinchado de divisões inferiores, ressalte-se) à elite do futebol brasileiro. Uma campanha que emocionou a maior (e mais fiel) torcida do Estado e arrancou elogios mesmo dos comentaristas mais sisudos. Dentro de campo, o time de PC Gusmão soube combinar o pragmatismo tático com a garra exigida pelas arquibancadas. Não houve futebol vistoso, mas houve futebol compromissado. Nenhum novo Zé Eduardo despontou, mas bons jogadores (Mota, Geraldo, Michel, Boiadeiro, Erivelton, Misael, Fábio Vidal e outros) vestiram com muita dignidade a camisa alvinegra e suaram lágrimas junto com a massa.
Fora de campo, a gestão de Evandro Leitão abraçou com seriedade e competência o desafio de comandar a maior paixão esportiva do Estado, implementando novas práticas gerenciais e reerguendo a auto-estima do torcedor alvinegro. Dez anos depois da famigerada barrigada do então presidente alvinegro, que deu início a um ciclo a ser esquecido pelos alvinegros, Evandro tem a oportunidade de novamente olhar para o futuro anunciando uma nova era para o Vozão. Um novo ciclo marcado não pela presunção vazia ou pela vaidade inútil; mas pela seriedade no trato com o patrimônio alvinegro. Um novo tempo marcado não apenas pelo desafio de montar times vencedores, mas pela missão de fazer do Ceará um grande clube.
É o que deseja o torcedor alvinegro, que hoje vai dormir bêbado de alegria, comemorando o tão sonhado acesso de nosso time querido. Mas que amanhã vai acordar com o desafio da primeira divisão pela frente.
Parabéns, Vozão!
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A pimenteira de Pedro Miranda
Pimenteira, segundo disco solo do carioca Pedro Miranda, está saindo do forno. Ao mesmo tempo em que chegava às lojas, o CD era citado em alguns jornalões não propriamente pelo belo trabalho que é, mas pela bênção de Caetano Veloso ao novo álbum desse enfant terrible da Lapa. Entre outras palavras, o baiano disse que há muito tempo não escutava um disco com tanto entusiasmo.
Soldado da memória
Quase uma metonímia. A série Songbook, criada por Almir Chediak no final dos anos 80, passou a denominar um tipo de produto cultural que até então era uma raridade no País. Corriqueiro no exterior, o esforço editorial de reunir partituras de um determinado compositor popular - transcrevendo a letra e a melodia e cifrando a harmonia exatamente do modo como foram criadas - só vingou efetivamente no Brasil depois que o produtor carioca lançou os primeiros livros do gênero pela editora Lumiar, de sua propriedade.
Assim foi que os ''songbooks da Lumiar'' - ou os ''songbooks do Chediak'' - viraram uma espécie de bombril didático-musical entre nossos instrumentistas. Outros editores também lançaram os seus, mas ninguém conseguiu fugir da sombra da produção meticulosa e perfeccionista de Chediak, que acabou consagrando seus livros (e posteriormente os CDs vinculados a eles) tanto por conta do método adotado, que preservava todos os detalhes criativos dos compositores, quanto pelos nomes que conseguiu editar.
Primeiro foi Caetano Veloso, que teve a obra mapeada e transcrita em dois volumes lançados em 1988. Na época, qualquer pessoa que já tocava violão ou apenas se iniciava no instrumento, ficava babando ao descobrir um acorde novo ou uma passagem harmônica mais elaborada que se escondiam nas ''entrelinhas'' de uma composição do músico baiano. Quase como um anti-feiticeiro da linguagem musical, Chediak revelou esses truques e os colocou à disposição de estudantes, professores e músicos diletantes que até então eram um tanto órfãos de publicações do gênero.
''Nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, um songbook de Cole Porter ou George Gershwin contém partituras que perpetuam nota por nota, palavra por palavra, o que cada um deles criou. Aqui, a prática corrente é a de não se respeitar a música popular do mesmo modo que se respeita a erudita'', afirmava o jornalista João Máximo na introdução de um dos volumes dedicados a Caetano. ''Chediak e sua editora ousam acreditar que a boa música popular do Brasil merece o mesmo destino de toda obra-prima: perpetuar-se''.
Nesse sentido, Chediak tornou-se um raro guardião de parte da memória musical brasileira. Imagem que se somou a de autor de obras referenciais no ensino de música, especialmente Dicionário de acordes cifrados, que iniciou o processo de padronização das cifras no Brasil; e os dois volumes de Harmonia e improvisação, primeiro livro editado no País sobre técnica de improvisação e harmonia funcional (com aplicação em mais de 140 músicas populares). Mas se esses livros são obrigatórios em qualquer boa biblioteca de teoria musical, Chediak se consagrou mesmo com os seus Songbooks.
''A idéia nasceu exatamente na casa de Caetano Veloso. Eu estava dando aula de violão a seu filho Moreno, quando comecei a pensar no quanto seria importante para professores, músicos, arranjadores e estudantes se tivéssemos as obras de nossos compositores catalogadas em um álbum do modo como foram criadas por eles, o que raramente acontece nas edições musicais, principalmente no que se refere às harmonias, fundamentais na medida em que grande parte de nossos compositores é de excelentes harmonizadores, músicos que sabem exatamente os acordes com que melhor vestem suas melodias'', ele explicava.
Depois de Caetano, foram mais de vinte outros livros editados (a maioria com CDs correspondentes), contemplando nomes como Chico Buarque, Edu Lobo, Braguinha, Noel Rosa, Carlos Lyra, Dorival Caymmi, João Donato (foto acima), Djavan, Francis Hime, Rita Lee, Gilberto Gil, entre outros medalhões. O último trabalho foi o livro (e uma caixa com três CDs) de canções de João Bosco, presença constante em quase todos os discos produzidos por Chediak.
''Eu participei em todos (os CDs da série Songbook), em alguns até com mais de uma música. É um trabalho importantíssimo. Os discos funcionavam como uma usina de experimentação, com muitas releituras feitas com total liberdade. E os livros eram feitos com muito cuidado, das cifras às entrevistas e biografias de cada artista'', João declarou ao saber da morte terrível de Chediak. ''Estou chocado, não sabemos o que houve, só que essa pessoa cheia de vida não está mais aqui''. O produtor musical foi assassinado brutalmente em maio de 2003, com quatro tiros no rosto, em Petrópolis.
Nascido no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1950, Chediak começou seus estudos com uma das grandes lendas da música popular brasileira, o mestre Herondino Silva, o mitológico Dino Sete Cordas. Aos 17 anos, já dava aulas e aprimorava seus conhecimentos com o professor Ian Guest. Entre os alunos que passaram pelas aulas de Almir estavam nomes famosos, como Gal Costa, Moraes Moreira, Carlos Lyra, Tim Maia, Ed Motta e Cazuza, que se revezaram pelo seu Centro Musical instalado em Copacabana.
Com sua morte, a MPB perdeu o autor de um trabalho que Tom Jobim definia como ''coisa patriótica''. Mais: perdeu um soldado insubstituível na guerrilha cultural travada entre a nossa música e a vertigem cretina das grandes gravadoras.