Em 2003, quando da adoção do campeonato de pontos corridos no Brasil, engrossei as fileiras dos que se opunham ao formato. Achava que era um sistema enfadonho, um deslumbre boboca com o futebol europeu (embora ainda perceba, entre nossa "crônica", um deslumbre exacerbado e risível com os campeonatos do Velho Continente - onde se pratica, com exceção do campeonato inglês, o ludopédio mais chato do mundo!); e que o torcedor brasileiro estava acostumado com os jogos decisivos, que teriam feito a glória de nossos campeonatos. Em particular, incomodava-me o fato de que a partida final, com suas dezenas de milhares de torcedores lotando os estádios, ia ser abolida do nosso calendário, dando lugar a um sistema meio insípido, onde o campeão se revelaria com rodadas de antecedência e faria do restante da tabela um rito sonâmbulo e burocrático. Além disso, via o debate sobre o formato do campeonato embotar um debate maior, anterior, que é o da lisura e transparência política do nosso futebol, tema em que não avançamos. Com os primeiros campeonatos disputados a partir dessa nova fórmula, recuei um pouco nesse ponto de vista e passei a argumentar que, pontos corridos ou não, o importante era o Brasileirão ter um formato consolidado, que garantisse, digamos, uma "segurança jurídica" ao seu torcedor. Mais alguns anos e, admito, mudei de opinião - apenas em relação ao modo como o torneio é disputado. Os pontos corridos são, de fato, o melhor sistema para um torneio como o nosso campeonato.
No que diz respeito à presença de público, por exemplo, em vez de uma final, este ano tivemos pelo menos umas vinte. Tanto na série A quanto na série B. Mesmo que um time desgarrasse na ponta da tabela, a disputa pelas vagas da Libertadores e a luta contra o rebaixamento (não falo da Sulamericana porque não me parece um campeonato relevante) garantiriam o frenesi dos estádios. Hoje, o Couto Pereira e o Engenhão receberam cerca de 40 mil torcedores cada um para os jogos decisivos (finais a seu modo) de Coritiba e Botafogo, que lutavam contra o rebaixamento.
Confesso que torci contra o São Paulo não por ter nada contra o time paulista, mas por achar que o tetracampeonato seguido do Tricolor poderia fortalecer o argumentos dos que começam a se mobilizar pelo fim dos pontos corridos. Entre eles, a Globo Esportes, que cuida dos interesses da Vênus Platinada, e que, diante da queda de audiência do campeonato, tenta junto à CBF o retorno do sistema mata-mata. Seria um retrocesso impiedoso para o futebol brasileiro. Aliás, credito a queda na audiência do campeonato brasileiro não ao formato do campeonato, mas ao fortalecimento dos times regionais, que fraturam o antigo monopólio de Rio e São Paulo. Mas isso é tema para outro post...
A conquista do Flamengo chega em boa hora, sepultando o jejum rubro-negro, e arejando o espectro das conquistas dessa nova fase de nosso campeonato (Minas tem um título; o futebol paulista, cinco; e o carioca, um). O penta (sim, penta) do time da Gávea, que tem um elenco apenas mediano e um treinador cuja grande virtude é sua capacidade aglutinadora, também enfraquece o pedantismo de gente como Luxemburgo e Muricy Ramalho.
Esse talvez tenha sido o golpe mais duro nos interesses de quem quer ver o mata-mata redivivo: a comemoração da maior torcida do Brasil em pleno campeonato de pontos corridos, onde supostamente prevaleceria a assepsia de conceitos como "planejamento" - bordão surrado nas penas dos cronistas de plantão.
Nada é menos planejado e mais desorganizado do que o Flamengo, que devolveu ao futebol brasileiro o delírio delicioso da surpresa.
Vida longa ao Mengão! Vida longa aos pontos corridos!
Um comentário:
Mengão!!!! E dá-lhe, dá-lhe, Ô! Vai começar a festa!!!
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