quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Nelson Cavaquinho, o underground


Quando comecei a escutar samba, um cara que não saía do meu toca-discos era Nelson Cavaquinho. A descoberta de sua obra - e também de sua trajetória, através da biografia escrita por Flávio Moreira da Costa - foi cercada de um profundo encanto. Sua música - marcada por um lirismo absolutamente derramado, por um existencialismo casto e por uma indulgente religiosidade - não se comparava a nada que eu ouvira anteriormente. Sua voz roufenha e esganiçada, que para tantos soava risível, para mim era a expressão de uma entrega à música e à vida de músico (com seus excessos, seus dramas e suas alegrias) reservada apenas para alguns raros heróis. Aliás, até hoje, nenhum outro timbre - entre as dezenas de versões que suas músicas ganharam na posteridade - me soa tão bem com as soluções melódicas e harmônicas de sua música (ao mesmo tempo tão simples e geniais) quanto a voz de Nelson. 
Na época, ficava me perguntando por que um cara como o Nelson, um figura tão underground e a seu modo contestadora quanto ele, não era badalado para além do mundo do samba. Foi quando descobri que uma penca de outros bons contestadores, como Chico Buarque e Cazuza, por exemplo, eram seus fãs. Chico gravou "Cuidado com a outra" no precioso Sinal Fechado (1974). Já Cazuza chegou a gravar uma versão sublime de "Luz Negra" no disco que reuniu os melhores momentos do programa Chico & Caetano, da Rede Globo. Foi quando eu liguei as duas pontas da minha inquietação. 
Hoje, consegui um disco que há muito procurava. Trata-se de Nelson Cavaquinho, um LP fantástico, gravado em 1972 e reeditado em 1986 pela RCA Victor, que só agora chegou às lojas no formato de CD dentro da coleção Essential Classics, coordenado pelo titã Charles Gavin. 
A rigor, Nelson só tem três discos individuais em sua carreira, gravados entre 1970 e 1973. Os demais são tributos à sua obra ou colaborações com outros sambistas, como o antológico Fala Mangueira (1967) - em que divide as gravações com ninguém menos que Carlos Cachaça, Cartola, Clementina de Jesus e Odete Amaral.  Pois bem, na opinião desse humilde admirador da obra de Nelson, esse é o seu melhor registro solo em disco. 
No encarte, há um texto do Sérgio Cabral que também vale a pena ser lido. A seguir um trechinho: "Sempre tive um certo desprezo por um tipo de contestação que foi moda na música popular brasileira, por uma filosofia "underground" que predominou durante algum tempo, exatamente por causa de pessoas como Nelson cavaquinho, que já estavam nessa há muito tempo e os observadores não sabiam. Nelson Cavaquinho já fazia contracultura há mais de 30 anos e os nossos contestadores musicais procuravam o modelo internacional para fazer a sua, desrespeitando inclusive os princípios daqueles que os levaram a adotar a posição que tomaram. Nelson, sim, jamais se enquadrou nos padrões da moda, jamais criou visando ao consumo, jamais de rendeu aos padrões impostos". 

No youtube, há uns vídeos bem legais do Nelson. Segue um deles:

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