quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Ken Burns: um épico do jazz

"Mais americanos aprendem sua história através dos filmes de Ken Burns do que de qualquer outra fonte". A afirmação é do historiador Stephen Ambrose e revela um tanto da posição do documentarista Ken Burns dentro da vida cultural norte-americana. Autor de A Guerra Civil (1990) e Beisebol (1994), Burns é uma espécie de Eduardo Coutinho dos gringos. Não pela estética (que claramente se opõe pela delicadeza e pela espontaneidade de um e pelo rigor e montagem quase jornalística do outro), mas pelo reconhecimento quase unânime de que se tratam dos maiores documentaristas de seus países. Aliás, a moral americana talvez não permitisse o nascimento de um Eduardo Coutinho por aquelas bandas - no máximo, como se sabe, as galhofas e o atrevimento de um Michael Moore. O que também é verdade na mão contrária. Dificilmente, o humor e a cosmogonia brasileira fomentariam um documentarista tão vigoroso e peremptório quanto Burns. 
A guerra civil bateu recorde de audiência em sua estréia na televisão norte-americana, em 1990. Baseball (1994), por sua vez, é um épico de mais de 18 horas de duração e, assim como seu antecessor, arrebatou dezenas de prêmios dentro e fora dos EUA. Por fim, Jazz (2002), outro épico produzido para a TV, encerra a trilogia de Burns sobre a vida e a cultura norte-americana. No Brasil, o documentário foi exibido na GNT. A série completa foi reunida numa luxuosa caixa de quatro DVDs da Som Livre. Acabo de vencer todas as 13 horas de duração do documentário e posso lhes dizer que foi uma das travessias mais gratificantes que pude experimentar. 
Da criação do jazz - relatada por Winton Marsalis em episódios como a invenção da batida chamada "Big Four" - à sua fragmentação em infinitos subgêneros e seu ostracismo dentro da vida cultural dos Estados Unidos, Ken Burns nos conduz por um relicário de imagens e depoimentos dos grandes heróis da história dessa música que é uma das raras expressões artísticas genuinamente norte-americanas. Talvez apenas o blues e o hip-hop possam ostentar esse crédito. 
A série de Burns também chegou a inspirar uma coleção de CDs que fez muito sucesso em todo o mundo e através da qual muita gente se iniciou no gênero. Inclusive este blogueiro. 
Abaixo, um dos trechos do documentário. Trata-se da passagem em que Burns conta a história da gravação de A Kind of Blue, de Miles Davis, um dos maiores discos de jazz de todos os tempos - e também um dos mais vendidos. Não só porque reunia um time de estrelas (gente já consagrada ou que começaria a se consagrar com o disco) e que já ganhava antes de jogar: John Coltrane, Julian Cannonball Aderley, Paul Chambers e Bill Evans. Mas porque era todo fundamentado em escalas e modos e não mais na harmonia. 
Em resumo, um dos inúmeros Miles que vêm para o bem. 

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