quinta-feira, 1 de julho de 2010

"Sofro de um sopro de vida"

Se há (houve) alguma experiência radical no campo das letras no Brasil nos últimos dez anos, esse radicalismo atende pelo nome de Rodrigo de Souza Leão. Pintor e escritor, Rodrigo faleceu em 2009, vitimado pelos delírios de uma esquizofrenia aguda, deixando cerca de 35 inquietantes telas e dois livros prontos: o primeiro, Todos os cachorros são azuis (editora 7 letras), que começou a lhe projetar como artista cult; e o segundo, Me roubaram uns dias contados, que será lançado hoje, no Rio de Janeiro, pela editora Record.
"O trabalho do Rodrigo mistura mundo interno e externo de maneira radical. É uma escrita feroz. O cara não brincava em serviço, não escrevia por charme ou pedantismo. Escrevia com imensa coragem, para resistir à loucura, e para existir", define o crítico José Castello, em matéria publicada n'O Globo no último domingo.
Implacável e bela, a escrita de Rodrigo atordoa, descortinando a loucura que faz pulsar o tecido do nosso mundo real. Seu trópico é o do inconsciente, com cujos fios nos amarra a nossa realidade e em cujos retalhos expõe suas vísceras. Nem mártir nem arauto. Nem prosa nem poesia. Uma cusparada de poesia, ódio, amor e fúria na cara dos "caretas". Um desabafo que reafirma a necessidade de nossa conexão com o mundo através da escrita, um soco que tenta nos arrancar da letargia de nosso tempo. Um grito desesperado que tenta nos trazer novamente à tona de nossos sentidos.
"Rodrigo é beato. Acredita em deuses. Cristo. Iemanjá. Apolo. Afrodite. Ateneia. Exu. Afrodite. mickey Mouse. Chaves. (...) Tudo o que vem do humano é Deus. Uma geladeira. Uma máquina de lavar. Conheci os deuses na infância. Garotos que morreram. Solidões inóspitas que só se davam comigo. Café com leite. A utopia é importante. Escrever uma página hoje já é uma utopia. O futuro manda lembranças. As lambanças que fiz. Que farei. Eu sofro. Sofro de um sopro de vida", ele escreve em um trecho de Me roubaram uns dias.


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