domingo, 25 de julho de 2010

Samba no terreiro da delicadeza


Os anos 2000 foram uma das décadas mais produtivas na carreira de Cristina Buarque. Mansamente, sem fazer alarde, ela vem enfileirando discos, shows e participações especiais em projetos de outros artistas como poucas vezes se viu em seus quase 40 anos de carreira. Mesmo tendo trocado a agitação da área urbana no Rio de Janeiro pela tranquilidade e pelo isolamento da Ilha de Paquetá, onde mora desde meados dos anos 2010, os últimos dez anos foram de muito trabalho e gravações. Do antológico CD duplo O samba é minha nobreza, passando por discos como O samba informal de Mauro Duarte (gravado ao lado do grupo Samba de Fato) e Banda Glória convida Cristina Buarque, até a recente parceria com o grupo Terreiro Grande, que rendeu dois ótimos discos.

Como traço mais evidente desse trabalho, aparece a pesquisa ampla e incansável de repertório; o resgate de composições inéditas (ou quase) de autores ligados às escolas de samba cariocas, como Candeia, Mauro Duarte, Brancura, Zé da Zilda, Zé Ketti, Silas de Oliveira e outros; e a defesa tenaz de um samba mais delicado, mais dolente, sem correria e, principalmente, sem hipocrisia ou vaidades, contraponto à vertigem individualista que parece querer nos impor a dureza de nossos dias. A postura de resistência de Cristina consegue suspender as urgências e impor um andamento mais suave para as emoções cantadas em seus discos. Tome-se, por exemplo, os dois discos gravados ao vivo ao lado do grupo Terreiro Grande, onde a roda de samba levada ao palco (e às ruas de Paquetá, como revelam os vídeos disponíveis no youtube) passeia sem pressa por um repertório vasto, que chega a constituir blocos de 20, às vezes 30 minutos de duração.
O mais recente, Terreiro Grande e Cristina Buarque cantam Candeia, lançado em abril pela Tratore, visita o repertório do compositor que melhor expressa o sentido de fraternidade e de alegria da roda de samba. No disco, Cristina e a turma do Terreiro Grande gravaram clássicos consagrados como "Samba da antiga", "Não vem" e Dia de graça"; e apresenta pérolas menos conhecidas do mestre portelense, como a belíssima "Brinde ao cansaço" que só havia ganho uma gravação obscura do próprio Candeia. O clima de canto coletivo e os arranjos dolentes entusiasmam e emocionam.
"Será que Cristina volta?", perguntava o jovem Chico Buarque. Se for para o turbilhão da cidade grande e para a ribalta hipócrita do showbusiness, diga que não. Cristina vai "ficar por lá", vai ficar em Paquetá, tomando sua cervejinha (Brahma, por favor), revirando sua discoteca atrás de velhos/novos sambas e recebendo os sambistas do Terreiro Grande para animadas rodas de samba pelas ruas da ilha, que podem se estender por 8, 9, 10 horas (sem repetição de repertório, registre-se). E assim, discreta, mansa como sua voz, vai fazendo um bem enorme para a música brasileira.

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