Os anos 2000 foram uma das décadas mais produtivas na carreira de Cristina Buarque. Mansamente, sem fazer alarde, ela vem enfileirando discos, shows e participações especiais em projetos de outros artistas como poucas vezes se viu em seus quase 40 anos de carreira. Mesmo tendo trocado a agitação da área urbana no Rio de Janeiro pela tranquilidade e pelo isolamento da Ilha de Paquetá, onde mora desde meados dos anos 2010, os últimos dez anos foram de muito trabalho e gravações. Do antológico CD duplo O samba é minha nobreza, passando por discos como O samba informal de Mauro Duarte (gravado ao lado do grupo Samba de Fato) e Banda Glória convida Cristina Buarque, até a recente parceria com o grupo Terreiro Grande, que rendeu dois ótimos discos.
Como traço mais evidente desse trabalho, aparece a pesquisa ampla e incansável de repertório; o resgate de composições inéditas (ou quase) de autores ligados às escolas de samba cariocas, como Candeia, Mauro Duarte, Brancura, Zé da Zilda, Zé Ketti, Silas de Oliveira e outros; e a defesa tenaz de um samba mais delicado, mais dolente, sem correria e, principalmente, sem hipocrisia ou vaidades, contraponto à vertigem individualista que parece querer nos impor a dureza de nossos dias. A postura de resistência de Cristina consegue suspender as urgências e impor um andamento mais suave para as emoções cantadas em seus discos. Tome-se, por exemplo, os dois discos gravados ao vivo ao lado do grupo Terreiro Grande, onde a roda de samba levada ao palco (e às ruas de Paquetá, como revelam os vídeos disponíveis no youtube) passeia sem pressa por um repertório vasto, que chega a constituir blocos de 20, às vezes 30 minutos de duração.
O mais recente, Terreiro Grande e Cristina Buarque cantam Candeia, lançado em abril pela Tratore, visita o repertório do compositor que melhor expressa o sentido de fraternidade e de alegria da roda de samba. No disco, Cristina e a turma do Terreiro Grande gravaram clássicos consagrados como "Samba da antiga", "Não vem" e Dia de graça"; e apresenta pérolas menos conhecidas do mestre portelense, como a belíssima "Brinde ao cansaço" que só havia ganho uma gravação obscura do próprio Candeia. O clima de canto coletivo e os arranjos dolentes entusiasmam e emocionam.
"Será que Cristina volta?", perguntava o jovem Chico Buarque. Se for para o turbilhão da cidade grande e para a ribalta hipócrita do showbusiness, diga que não. Cristina vai "ficar por lá", vai ficar em Paquetá, tomando sua cervejinha (Brahma, por favor), revirando sua discoteca atrás de velhos/novos sambas e recebendo os sambistas do Terreiro Grande para animadas rodas de samba pelas ruas da ilha, que podem se estender por 8, 9, 10 horas (sem repetição de repertório, registre-se). E assim, discreta, mansa como sua voz, vai fazendo um bem enorme para a música brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário