domingo, 27 de junho de 2010

A música acima da moral


As mãos pequenas impediram a pianista portuguesa Maria João Pires de tocar uma quantidade considerável de peças. A limitação anatômica, no entanto, lhe permitiu focar o repertório na obra de alguns compositores e, com isso, mergulhar com uma rara intensidade nessas composições. Foi assim que escolheu Schumman, Chopin, Mozart e Beethoven como os pilares de seu ofício e consagrou-se mundialmente como uma leitora única das partituras desses artistas. "Suas mãos estão cheias de música, de humanidade, de enorme beleza", assim lhe dirigia a palavra ninguém menos que José Saramago.
Recentemente, seu CD Maria João Pires Plays Chopin chegou ao Brasil numa edição da Deutsche Grammophon. Sonatas, noturnos e mazurcas formam a base do repertório desse tributo ao compositor polonês. "Chopin foi pianista e lida com o instrumento de maneira muito especial", ela disse em entrevista ao jornal Estado de São Paulo no último dia 4 de abril. Muito especial também são as leituras de Maria João da plangência de Chopin, transformando os quase queixumes musicais do compositor em afirmação de vida, de força criativa e, portanto, de humanidade.
Se o autor da famosa série de "Noturnos" é o foco mais recente da carreira de Maria João Pires - que decidiu romper seu contrato com o selo Deutsche Gramophon para poder gravar "sem pressões" e se refugiar no Brasil, onde tenta implantar um projeto de educação musical na Bahia -, Beethoven é tema recorrente em sua inspiração como intérprete. "Ele é fundamental para qualquer músico. E para qualquer pessoa. Foi um iluminado, um mensageiro que trouxe algo à humanidade, tocado por uma graça. Ele fala de tudo em suas obras, de disciplina, de despreendimento. O estudo de Beethoven substitui qualquer moral, qualquer religião", define.

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