Um rápido e delicioso sarau com David Gouveia, o David 7 Cordas, um dos mais talentosos músicos da nova geração do samba e do choro no Ceará e um observador atento das coisas da nossa música. Na pauta, os encantos e mistérios do violão 7 cordas, que em Fortaleza encontrou terreno fértil em mãos como as de Tarcísio Sardinha, Pedro Ventura, Ribamar e Zé Renato. Na foto acima, da esquerda pra direita, o saudoso Zé Renato, Pedro Miranda (quando de sua passagem por Fortaleza em 2008), David e este blogueiro.
Talabarte - Como se deu a tua descoberta e o teu aprendizado do violão de 7 cordas?
David - Apesar de não ter pais que tocassem algum instrumento, a boa música sempre visitou minha casa, quer fosse pelos Lp's que eu ouvia em companhia do meu avô materno ou dos meus pais mesmo. Adolescência veio chegando e o videogame e outras brincadeiras saíram de cena e a música, principalmente o samba e o chôro, começaram a me instigar; e dos instrumentos, o que mais fascinava era o 7 cordas pela condução que fazia dos outros instrumentos no deslindar da música. Era comum ter festa na minha casa e eu sempre ouvia o meu primeiro referencial de violão 7 cordas tocando: o Ribamar 7 Cordas, meu Ribinha. Depois conheci o Daniel e nas rodas de samba da Dona Mocinha e Zé Bezerra fui nocauteado pelo vigoroso violão do querido Zé Renato. Mas ainda não tocava. Daí então, acho que por volta de 1997 comecei a ter aulas com o Professor Fábio Cláudio, mas de violão de 6 e ele de imediato me apresentou à obra de João Bosco (o rei do balanço e harmonia) e aos violões do Mestre Horondino Silva e do Raphael Rabello. Nesse marco aí parei e pensei: É tocar ou largar! Resolvi tocar...
Talabarte - O violão de 7 cordas é um instrumento inteligente, não que existam instrumentos "burros", mas sua execução é fascinante, se prestando tanto ao acompanhamento harmônico quanto ao contraponto e aos solos. Nesse sentido, ele tem mais recursos do que o violão de 6 cordas. Você concorda com essa definição? Como você descreveria o violão de 7 cordas?
David - De fato, não existe instrumento burro, existe gente burra e preguiçosa que o invés de estudar o instrumento prefere ficar coletando tecnologia MIDI para depois ficar fazendo mímica em palco de churrascaria. Mas quanto ao violão de 7 Cordas, não há burrice, pelo contrário, quando você abraça um violão de 7 cordas você abre um portal para um mundo misterioso e encantador: os harmônicos, as inversões, as infindas escalas, os mais variados timbres e o grave da 7ª corda, é claro. Estudiosos sobre a história do violão relatam que o 7 Cordas é um violão de origem cigana, daí talvez a razão de tanto encanto e até um tanto de misticismo pelo meio dessa história toda. O 7 cordas, se estivéssemos falando na linguagem náutica, seria o leme de uma embarcação, pois é quem conduz a harmonia para o desfecho ideal da música. Seria o galanteador que propicia a corte da melhor voz sobre o valsear melódico durante a execução da peça, o 7 Cordas se eu fosse aqui parar para descrevê-lo ia ser necessários mais de uma HD de 250 gb. Vixe! Exagerei. Ainda não achei a definição ideal para o instrumento que tanto venero, tanto amo.
Talabarte - Fale um pouco sobre o seu instrumento pessoal (marca, captador, luthier, cordas, dedeira, etc).
David - Bem, hoje tenho dois violões de 7 cordas feitos sob encomenda. O primeiro é um “ Do Souto” Modelo Regional 7 Cordas feito em pinho, jacarandá e Pau Ferro, datado de 19 de abril de 2000, feito pelo Luthier Oswaldo da Bandolim de Ouro no Rio de Janeiro. A melhor história desse violão é que na época eu o encomendei por telefone. Nunca fui ao Rio! E em 2000, mal consegui juntar o dinheiro do violão que na época me custou R$ 1.800,00. Lembro que era muita grana para época. Minha mãe foi quem me ajudou a realizar esse sonho de ter um “Do Souto”. Depois de conversar com o dono da loja , o Helinho do Souto, o cara disse assim:
“ Pera aí ô muleque que tem um cara querendo falar contigo!”. Advinha quem era? Nada mais nada menos que DINO 7 CORDAS! Ele riu porque eu não conseguia falar e mandou parar de ser bobo, porque violonista é tudo igual e ele não era mais do que eu, entre outras palavras de incentivo. Ao fim, disse que estava escolhendo meu violão e fazia muito gosto que eu não parasse de tocar. Infelizmente, nunca vi o mestre Dino na minha frente. O outro violão de 7 cordas, eu adquiri recentemente em outubro de 2009, precisamento no dia 20. Outro presente da minha mãe. É um violão todo em cedro feito artesanalmente pelo luthier Lucenir, também do estado do Rio de Janeiro, no município de São Gonçalo da Boa Vista. Ótimo instrumento, sonoridade impecável. Uso a captação canadense HIGHLANDER (custa em média R$ 900,00) modelo IP2 que não se acha aqui, apenas na internet ou em lojas de Goiânia. E minhas dedeiras são todas de aço sendo que quatro encomendei na AO BANDOLIM DE OURO no RJ feito pelo Julinho do Cavaco e guardo comigo uma especial que foi feita pelo amado Zé Renato, que de tanto ele polir com braço e silvo, a dedeira chega a espelhar. ( risos)
Talabarte - Qual a importância do 7 cordas dentro da orquestração de gêneros como o samba, o choro e o forró?
David - No samba, o 7 Cordas tem o condão de suprir qualquer contraponto feito por clarinete, saxofone ou ainda trombone, por que a sua região dos graves (vai do traste zero até a quarta casa entre a 7 e quarta corda) é matreira, melodiosa e conduz a harmonia de forma ímpar. No chôro, então, nem se fala. É imprescindível para a execução de uma peça de choro a presença do violão de 7 cordas. No forró, o 7 cordas foi implantando pelo Luiz Gonzaga, escute a "Ave Maria do Vaqueiro", "Escadaria" com Zé Calixto, ou Abdias dos 8 Baixos, além do Noca do Acordeon, Jackson do Pandeiro. Pois bem, no forró o 7 cordas auxilia o solista que às vezes fica sem chão por não assimilar bem o regougar da zambumba e o tilintar do triangulo.
Talabarte - Cite os violonistas de 7 cordas que ainda te inspiram e aponte os motivos.
David - Dino 7 Cordas: o pai, o mestre do 7 cordas, incontestável. Perfeito. Pena ter falecido.
Raphael Rabello: Discípulo. Copiou o Mestre Dino e ainda criou o seu próprio estilo. É de fazer chorar ouvir o Raphael tocar "Cordas de Aço" em disco em homenagem ao Cartola em que ele acompanha o Luiz Melodia.
Valdir e Valter 7 Cordas: Irmãos Gêmeos, improvisadores de mão cheia, VALDIR é o violão de 7 em todos os discos de sucesso do Roberto Ribeiro. Ouçam "Estrela de Madureira" e "Resto de Esperança"! Waldir ainda assina a gravação de "Sufoco" com Alcione e "Escadaria" com Zé Calixto no álbum Um 8 baixos às suas ordens, gravado pela COPACABANA. Valdir hoje toca cavaquinho devido a um acidente doméstico. Valter conheci tocando com Zé da Velha e Silvério Pontes e hoje o seu trabalho pode ser conferido no disco gravado com Yamandu Costa.
Rogerinho 7 Cordas: Vem mostrando um novo modo de executar o 7 cordas. Suas escalas e baixarias são inconfundíveis. Ao que se sabe foi aluno de cavaquinho do Henrique Cazes e aprendeu 7 Cordas com o Alencar 7 Cordas, do Iguatu.
Marcelo Gonçalves: Impecável a execução desse moço. Cada gravação mais linda do que a outra.
Jorge Simas: A gravação do disco do noite ilustrada em que ele destroça o pout porri confere a esse moço um lugar na corte do 7 cordas. Nunca mais o vi em ação. Parece que hoje tem dedicado o seu tempo para composições. Volte para a guerra MACHO VÉI!
Ribamar Freire: Meu Ribinha da praia, que apesar de aparentar estar de mau humor a toda hora é um exímio violonista e como já disse foi o primeiro 7 cordas que vi tocando na minha frente quando eu nem gostava dessas coisas.
José Renato: Quem ouviu o Zé tocar, dançar, pular, mungangar com o seu violão sabe do que eu estou falando. Ele me mostrou que o 7 cordas é mais que um instrumento.
Talabarte - Algum deles seria reconhecível por você logo nas primeiras bordoadas? Por que?
David - SE ME DESSEM UM CAMINHÃO DE CERVEJA ( Cuidado com a marca) para beber e depois colocasse esse time para eu ouvir, eu identificaria todos um a um porque a dedeira não toca a corda do instrumento por igual. Cada um tem o seu jeito de tocar.
Talabarte - Há uma nova geração de 7 cordas no País que, aos poucos, vai se consagrando em shows e discos. Nessa turma, incluem-se nomes como Marcelo Gonçalves, Yamandu Costa, Rogerio Caetano, entre outros. Como você avalia o trabalho desses "novos" nomes e como observa a relação deles com nossa tradição, digamos, canônica do violão de 7 cordas (Dino, Valdir, Valter, etc)?
David - Os violonistas andam se respeitando. Os novatos tocam com os antigos de igual para igual sem incorrer na mesmice e inovando dentro dos limites respeitáveis. Parabéns ao Yamandú, que depois de ser criticado como sujo e engolidor de notas, acena para um futuro de execuções mais aprimoradas balanceadas entre a técnica e o sentimento. Mil anos e o Brasil não terá outro DINO, RAPHAEL RABELLO...
Talabarte - No Ceará, há bons talentos seguindo as veredas do 7 cordas? Como você observa a relação entre a "velha" e a "jovem" guarda do instrumento no Estado?
David - Quando eu comecei a tocar o 7 cordas , isso em 1998, não me lembro se havia outro 7 cordas em Fortaleza na mesma faixa etária. Hoje, todo mundo compra o seu Giannini, Rozini e os Do Souto de segunda mão e estão por aí colados na velha guarda que nem tão velha é assim. Antigão mesmo tocando 7 cordas aqui tem o seu PEDRO VENTURA mas que não passa nada a ninguém por falta de didática. Mas a turma aqui é bem solícita como o caso do Tarcísio Sardinha, o Fábio, o nosso querido Zé também auxiliava muito mas ainda tem quem não aceite os novos. Um dia quem sabe. Mas para quem quer conhecer o 7 Cordas em disco vai uma dica. Posso deixar? CARTOLA - Volume I no qual tem "A Sorrir", "Alvorada", "Tive Sim" - O Dino só faltar dar um machadada no 7 Cordas. ROBERTO RIBEIRO- Fala Meu Povo! MARCOS SACRAMENTO - Na Cabeça! Zé CALIXTO- Um 8 baixo a suas ordens. YAMANDU/VALTER.
3 comentários:
abbemaSou supeita para falar do David,o conhece de bebê Porem sei de sua sinceridade como pessoa,então a sua sonoridade jamais será em falcete se assim posso dizer,o que é fundamental para se conquistar bons ouvidos e ser reconhecido como músico.....
David forte abraço emuita luz no seu caminho!!!
Uma boa entrevista. Parabéns
Excelente entrevista. Gostei da indicação do disco do Marcos Sacramento, que é realmente um prato cheio pra quem gosta de violão
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