sexta-feira, 23 de julho de 2010

Diálogos Possíveis: David Gouveia



Um rápido e delicioso sarau com David Gouveia, o David 7 Cordas, um dos mais talentosos músicos da nova geração do samba e do choro no Ceará e um observador atento das coisas da nossa música. Na pauta, os encantos e mistérios do violão 7 cordas, que em Fortaleza encontrou terreno fértil em mãos como as de Tarcísio Sardinha, Pedro Ventura, Ribamar e Zé Renato. Na foto acima, da esquerda pra direita, o saudoso Zé Renato, Pedro Miranda (quando de sua passagem por Fortaleza em 2008), David e este blogueiro.

Talabarte - Como se deu a tua descoberta e o teu aprendizado do violão de 7 cordas?
David - Apesar de não ter pais que tocassem algum instrumento, a boa música sempre visitou minha casa, quer fosse pelos Lp's que eu ouvia em companhia do meu avô materno ou dos meus pais mesmo. Adolescência veio chegando e o videogame e outras brincadeiras saíram de cena e a música, principalmente o samba e o chôro, começaram a me instigar; e dos instrumentos, o que mais fascinava era o 7 cordas pela condução que fazia dos outros instrumentos no deslindar da música. Era comum ter festa na minha casa e eu sempre ouvia o meu primeiro referencial de violão 7 cordas tocando: o Ribamar 7 Cordas, meu Ribinha. Depois conheci o Daniel e nas rodas de samba da Dona Mocinha e Zé Bezerra fui nocauteado pelo vigoroso violão do querido Zé Renato. Mas ainda não tocava. Daí então, acho que por volta de 1997 comecei a ter aulas com o Professor Fábio Cláudio, mas de violão de 6 e ele de imediato me apresentou à obra de João Bosco (o rei do balanço e harmonia) e aos violões do Mestre Horondino Silva e do Raphael Rabello. Nesse marco aí parei e pensei: É tocar ou largar! Resolvi tocar...

Talabarte - O violão de 7 cordas é um instrumento inteligente, não que existam instrumentos "burros", mas sua execução é fascinante, se prestando tanto ao acompanhamento harmônico quanto ao contraponto e aos solos. Nesse sentido, ele tem mais recursos do que o violão de 6 cordas. Você concorda com essa definição? Como você descreveria o violão de 7 cordas?
David - De fato, não existe instrumento burro, existe gente burra e preguiçosa que o invés de estudar o instrumento prefere ficar coletando tecnologia MIDI para depois ficar fazendo mímica em palco de churrascaria. Mas quanto ao violão de 7 Cordas, não há burrice, pelo contrário, quando você abraça um violão de 7 cordas você abre um portal para um mundo misterioso e encantador: os harmônicos, as inversões, as infindas escalas, os mais variados timbres e o grave da 7ª corda, é claro. Estudiosos sobre a história do violão relatam que o 7 Cordas é um violão de origem cigana, daí talvez a razão de tanto encanto e até um tanto de misticismo pelo meio dessa história toda. O 7 cordas, se estivéssemos falando na linguagem náutica, seria o leme de uma embarcação, pois é quem conduz a harmonia para o desfecho ideal da música. Seria o galanteador que propicia a corte da melhor voz sobre o valsear melódico durante a execução da peça, o 7 Cordas se eu fosse aqui parar para descrevê-lo ia ser necessários mais de uma HD de 250 gb. Vixe! Exagerei. Ainda não achei a definição ideal para o instrumento que tanto venero, tanto amo.

Talabarte - Fale um pouco sobre o seu instrumento pessoal (marca, captador, luthier, cordas, dedeira, etc).
David - Bem, hoje tenho dois violões de 7 cordas feitos sob encomenda. O primeiro é um “ Do Souto” Modelo Regional 7 Cordas feito em pinho, jacarandá e Pau Ferro, datado de 19 de abril de 2000, feito pelo Luthier Oswaldo da Bandolim de Ouro no Rio de Janeiro. A melhor história desse violão é que na época eu o encomendei por telefone. Nunca fui ao Rio! E em 2000, mal consegui juntar o dinheiro do violão que na época me custou R$ 1.800,00. Lembro que era muita grana para época. Minha mãe foi quem me ajudou a realizar esse sonho de ter um “Do Souto”. Depois de conversar com o dono da loja , o Helinho do Souto, o cara disse assim:
“ Pera aí ô muleque que tem um cara querendo falar contigo!”. Advinha quem era? Nada mais nada menos que DINO 7 CORDAS! Ele riu porque eu não conseguia falar e mandou parar de ser bobo, porque violonista é tudo igual e ele não era mais do que eu, entre outras palavras de incentivo. Ao fim, disse que estava escolhendo meu violão e fazia muito gosto que eu não parasse de tocar. Infelizmente, nunca vi o mestre Dino na minha frente. O outro violão de 7 cordas, eu adquiri recentemente em outubro de 2009, precisamento no dia 20. Outro presente da minha mãe. É um violão todo em cedro feito artesanalmente pelo luthier Lucenir, também do estado do Rio de Janeiro, no município de São Gonçalo da Boa Vista. Ótimo instrumento, sonoridade impecável. Uso a captação canadense HIGHLANDER (custa em média R$ 900,00) modelo IP2 que não se acha aqui, apenas na internet ou em lojas de Goiânia. E minhas dedeiras são todas de aço sendo que quatro encomendei na AO BANDOLIM DE OURO no RJ feito pelo Julinho do Cavaco e guardo comigo uma especial que foi feita pelo amado Zé Renato, que de tanto ele polir com braço e silvo, a dedeira chega a espelhar. ( risos)

Talabarte - Qual a importância do 7 cordas dentro da orquestração de gêneros como o samba, o choro e o forró?
David - No samba, o 7 Cordas tem o condão de suprir qualquer contraponto feito por clarinete, saxofone ou ainda trombone, por que a sua região dos graves (vai do traste zero até a quarta casa entre a 7 e quarta corda) é matreira, melodiosa e conduz a harmonia de forma ímpar. No chôro, então, nem se fala. É imprescindível para a execução de uma peça de choro a presença do violão de 7 cordas. No forró, o 7 cordas foi implantando pelo Luiz Gonzaga, escute a "Ave Maria do Vaqueiro", "Escadaria" com Zé Calixto, ou Abdias dos 8 Baixos, além do Noca do Acordeon, Jackson do Pandeiro. Pois bem, no forró o 7 cordas auxilia o solista que às vezes fica sem chão por não assimilar bem o regougar da zambumba e o tilintar do triangulo.

Talabarte - Cite os violonistas de 7 cordas que ainda te inspiram e aponte os motivos.
David - Dino 7 Cordas: o pai, o mestre do 7 cordas, incontestável. Perfeito. Pena ter falecido.
Raphael Rabello: Discípulo. Copiou o Mestre Dino e ainda criou o seu próprio estilo. É de fazer chorar ouvir o Raphael tocar "Cordas de Aço" em disco em homenagem ao Cartola em que ele acompanha o Luiz Melodia.
Valdir e Valter 7 Cordas: Irmãos Gêmeos, improvisadores de mão cheia, VALDIR é o violão de 7 em todos os discos de sucesso do Roberto Ribeiro. Ouçam "Estrela de Madureira" e "Resto de Esperança"! Waldir ainda assina a gravação de "Sufoco" com Alcione e "Escadaria" com Zé Calixto no álbum Um 8 baixos às suas ordens, gravado pela COPACABANA. Valdir hoje toca cavaquinho devido a um acidente doméstico. Valter conheci tocando com Zé da Velha e Silvério Pontes e hoje o seu trabalho pode ser conferido no disco gravado com Yamandu Costa.
Rogerinho 7 Cordas: Vem mostrando um novo modo de executar o 7 cordas. Suas escalas e baixarias são inconfundíveis. Ao que se sabe foi aluno de cavaquinho do Henrique Cazes e aprendeu 7 Cordas com o Alencar 7 Cordas, do Iguatu.
Marcelo Gonçalves: Impecável a execução desse moço. Cada gravação mais linda do que a outra.
Jorge Simas: A gravação do disco do noite ilustrada em que ele destroça o pout porri confere a esse moço um lugar na corte do 7 cordas. Nunca mais o vi em ação. Parece que hoje tem dedicado o seu tempo para composições. Volte para a guerra MACHO VÉI!
Ribamar Freire: Meu Ribinha da praia, que apesar de aparentar estar de mau humor a toda hora é um exímio violonista e como já disse foi o primeiro 7 cordas que vi tocando na minha frente quando eu nem gostava dessas coisas.
José Renato: Quem ouviu o Zé tocar, dançar, pular, mungangar com o seu violão sabe do que eu estou falando. Ele me mostrou que o 7 cordas é mais que um instrumento.

Talabarte - Algum deles seria reconhecível por você logo nas primeiras bordoadas? Por que?
David - SE ME DESSEM UM CAMINHÃO DE CERVEJA ( Cuidado com a marca) para beber e depois colocasse esse time para eu ouvir, eu identificaria todos um a um porque a dedeira não toca a corda do instrumento por igual. Cada um tem o seu jeito de tocar.

Talabarte - Há uma nova geração de 7 cordas no País que, aos poucos, vai se consagrando em shows e discos. Nessa turma, incluem-se nomes como Marcelo Gonçalves, Yamandu Costa, Rogerio Caetano, entre outros. Como você avalia o trabalho desses "novos" nomes e como observa a relação deles com nossa tradição, digamos, canônica do violão de 7 cordas (Dino, Valdir, Valter, etc)?
David - Os violonistas andam se respeitando. Os novatos tocam com os antigos de igual para igual sem incorrer na mesmice e inovando dentro dos limites respeitáveis. Parabéns ao Yamandú, que depois de ser criticado como sujo e engolidor de notas, acena para um futuro de execuções mais aprimoradas balanceadas entre a técnica e o sentimento. Mil anos e o Brasil não terá outro DINO, RAPHAEL RABELLO...

Talabarte - No Ceará, há bons talentos seguindo as veredas do 7 cordas? Como você observa a relação entre a "velha" e a "jovem" guarda do instrumento no Estado?
David - Quando eu comecei a tocar o 7 cordas , isso em 1998, não me lembro se havia outro 7 cordas em Fortaleza na mesma faixa etária. Hoje, todo mundo compra o seu Giannini, Rozini e os Do Souto de segunda mão e estão por aí colados na velha guarda que nem tão velha é assim. Antigão mesmo tocando 7 cordas aqui tem o seu PEDRO VENTURA mas que não passa nada a ninguém por falta de didática. Mas a turma aqui é bem solícita como o caso do Tarcísio Sardinha, o Fábio, o nosso querido Zé também auxiliava muito mas ainda tem quem não aceite os novos. Um dia quem sabe. Mas para quem quer conhecer o 7 Cordas em disco vai uma dica. Posso deixar? CARTOLA - Volume I no qual tem "A Sorrir", "Alvorada", "Tive Sim" - O Dino só faltar dar um machadada no 7 Cordas. ROBERTO RIBEIRO- Fala Meu Povo! MARCOS SACRAMENTO - Na Cabeça! Zé CALIXTO- Um 8 baixo a suas ordens. YAMANDU/VALTER.

3 comentários:

lili disse...

abbemaSou supeita para falar do David,o conhece de bebê Porem sei de sua sinceridade como pessoa,então a sua sonoridade jamais será em falcete se assim posso dizer,o que é fundamental para se conquistar bons ouvidos e ser reconhecido como músico.....
David forte abraço emuita luz no seu caminho!!!

Américo Souza disse...

Uma boa entrevista. Parabéns

Bruno Perdigão disse...

Excelente entrevista. Gostei da indicação do disco do Marcos Sacramento, que é realmente um prato cheio pra quem gosta de violão