sexta-feira, 3 de julho de 2009

A era dos abalos


Vivemos a era dos abalos. Sempre mais violentos e cada vez mais estéreis, para usar um pensamento de Robert Hughes. É cada vez mais tortuoso o caminho que separa - em meio a um deserto de valores nas artes, na culinária e em outros campos da produção cultural -, a experimentação da parvoíce, a consistência inovadora da retórica vazia, o sublime da grosseria e da vulgaridade. Pretende-se hoje, nas palavras do crítico de arte australiano, fazer algo diferente daquilo que se fez ontem, para verificar que se trata de diferenças sem qualquer significado.
"Quando a razão está em xeque, confusões e equívocos multiplicam-se e o homem perde o senso", dispara Mino Carta, a título de epígrafe de um ótimo texto sobre o tema, o "Ensaio sobre a fraude", publicado esta semana na Carta Capital. Ele cita como exemplos de fraude em nossos dias a enganação "molecular" da cozinha de Ferran Adrià, que pode cobrar de seus comensais algumas centenas de dólares por um punhado de insipidez; os salários astronômicos pagos a qualquer cabeça-de-bagre no futebol europeu; e, principalmente, os embustes da chamada arte contemporânea, como o "Tubarão", de Hirst (foto acima), avaliado em imbecis U$ 12 milhões.
"Está claro que a aventura da cozinha molecular não é exemplo isolado da imbecilização do mundo. O qual viveu décadas a fio à sombra da doutrina econômica neoliberal, baseada na fé de que o dinheiro fermenta por conta própria. Deu no que deu, apesar do denodo dos embusteiros e da credulidade dos parvos", segue Mino, tabelando com Hughes: "Em arte, a experimentação é somente figura de retórica". Assim como o crítico, voltei a preferir as luminescências das pérolas de Vermeer do que as vitrines de Joseph Beuys. Se a arte projeta novos mundos, talvez seja a hora de retomarmos valores do passado como desafio e estímulo na direção de novas formas, como propõe a professora Elisa Byington em O Projeto do Renascimento (Jorge Zahar editora)
"Poder e dinheiro, nos dias de hoje, não têm contribuído para a evolução da humanidade. Entorpecem o senso estético e outros sentidos, em nome da moda, da novidade, do up-to-date. E obnubilam as consciências, atordoam os espíritos, turvam as ideias", fecha Mino. Em resumo: precipitam a imbecilização do mundo.

Em tempo: em abril, o jornalista alemão Jörg Zipprich descortinou os bastidores da tal cozinha molecular e descobriu que a caçarola de Adrian leva de 20% a 40% de aditivos químicos para modificar o gosto dos alimentos e obter extravagâncias, poupando matéria-prima.

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