Muito se tem discutido sobre o futuro da música: o destino do CD, os novos suportes digitais, a queda na venda de discos, os prejuízos causados pela pirataria e a hipocrisia das grandes gravadoras diante do assunto, etc. Essa discussão, no entanto, me parece muito mais um debate sobre o futuro dos suportes da música "pop" do que uma exegese sobre os (des)caminhos da criação musical e sua relação com o público. A música de autor, com o perdão do trocadilho com a expressão "cinema de autor", também tem sofrido com essas questões. No entanto, depois das previsões mais alarmantes, parece-me que voltou a ser embalada por ventos bem mais estimulantes.
Uma pesquisa recente feita pela consultoria Nielsensoudscan revela que, em 1990, os discos da chamada música erudita representavam apenas 3,1% do total de discos vendidos, porcentagem que caiu para 2,4% em 2006. No entanto, um ano antes, em 2005, a música erudita respondia por 12% dos downloads realizados. Ano passado, esse valor subiu para 15%. Esse crescimento foi embalado por iniciativas como a da BBC de Londres, que, durante duas semanas de 2007, disponibilizou para download as nove sinfonias de Beethoven. Resultado: 1,4 milhão de internautas baixaram os arquivos.
Outro número interessante é o da violinista Janine Jansen, que teve 75% das vendas de seu novo disco - dedicado às célebres Quatro Estações, de Vivaldi - realizadas através de downloads. Ou seja, estamos diante de números surpreendentes. Tanto mais se considerarmos que alguns "especialistas" da área já haviam vaticinado a morte da música clássica. Junto com esses números animadores, no entanto, há novidades também na outra ponta do processo. Paradoxalmente, o maior beneficiado com o processo de diluição das alternativas de consumo musical colocado pela Internet - que acarretou a queda vertiginosa na venda de disco e um desespero generalizado nos CEOs do mercado fonográfico - foi o músico, que teve de retornar com mais intensidade lugar de origem: o palco, a performance. Ou alguém ainda acredita no modelo de consagração atrelado aos contratos milionários com as "majors" e à vitrine do disco e do rádio?
Vejam, por exemplo, esse trecho de um artigo escrito pelo crítico musical João Marcos Coelho e publicado no Estado de São Paulo do último domingo: "O avassalador balde de democracia da internet na produção e recepção de música transformou a derrocada anunciada da indústria num inesperado recomeço. Músicos e seu público estabelecem agora contato imediato. Um diálogo virtual que leva ao limite o qeu Walter Benjamin chamou lá atrás de perda da aura da obra de arte. Ele louvava a democratização do acesso à arte. Mas o fato é que as artes performáticas parecem ter recuperado ao menos parte de sua aura neste início de século XXI".
O texto foi escrito tomando como base a realidade da música erudita. Mas se aplica com muita tranquilidade ao novíssimo "mercado" de gêneros como o choro, o samba e o rock alternativo. Gêneros que, a rigor, nunca precisaram do grande mercado para sobreviver. "Durante meio século, músicos se esfalfavam para alcançar o status de gravar um disco. Hoje, ganham dinheiro na sua atividade-fim: em recitais e concertos. Ainda bem", completa Coelho. De fato, ainda bem.
Um comentário:
Ainda bem.
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