sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Calvin & Haroldo


As tiras de Calvin & Haroldo fizeram a cabeça de milhões de leitores em todo o mundo entre os anos 80 e 90. Em 1996, quando o cartunista Bill Waterson decidiu aposentar seus personagens mais famosos, eram impressionantes 2400 jornais em todo o mundo que reproduziam as historias deliciosas do pequeno garoto de cabelos espetados e seu amigo imaginário. Em inglês, a série se chama Calvin & Hobbes, em alusão ao teólogo protestante francês Jean Calvin e ao filósofo inglês Thomas Hobbes. No Brasil, a editora Conrad, que vem publicando coletâneas da dupla, lançou um volume com as primeiras tirinhas de Calvin & Haroldo, editadas originalmente em 1985.
Os quadrinhos de Waterson se inspiraram no trabalho de Charles Schulz, o autor do Snoopy. A mesma combinação entre humor e suave melancolia das tirinhas de Schulz é uma das marcas das histórias do garoto de imaginação grandiosa que arruma em seu tigre de pelúcia o amigo imaginário ideal para suas presepadas. "No começo da série, eu não era contra o merchandising, mas cada produto que pensei em criar parecia violar o espírito da tirinha, contradizendo a sua mensagem, e me afastando do trabalho que eu amava", diz Waterson em uma raríssima entrevista concedida a seus fãs e divulgada na internet, onde explica uma das características mais famosa a respeito de Calvin & Haroldo. Em mais de vinte anos, a dupla nunca gerou nenhum tipo de merchandising oficial.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Coltrane Supremo

No encarte do monumental A Love Supreme (1964), John Coltrane explica a motivação espiritual que cercou a gravação do disco. O saxofonista, que, no fim da década anterior, lançara o álbum Giant Steps, onde se afirmara como band-leader, solista e criador original; e passara a desbravar novos horizontes para o jazz, encerrava a primeira fase de sua revolução musical e voltava sua técnica para a exaltação de temáticas místicas. Sempre munido da impressionante extensão sonora de seu saxofone, que lhe permitia a mesma intensidade de som num arco que ia da nota mais grave que se pode obter no instrumento até aquela região agudíssima, umas três oitavas acima. "Durante o ano de 1957, experimentei, pela graça de Deus, um despertar espiritual que me levaria a uma vida mais rica, mais plena, mais produtiva. Naquele momento de gratidão, eu humildemente pedi que me fossem dados os meios e o privilégio de fazer os outros felizes por meio da música", ele escreveu. Os bastidores de gravação do disco - assim como a repercussão que o LP teve na carreira de Coltrane, que passou à condição de santo na Igreja Africana Ortodoxa de São John Coltrane em São Francisco, na Califórnia - são contados pelo escritor Ashley Kahn no livro A Love Supreme - A criação do álbum clássico de John Coltrane, que a editora Barracuda colocou nas livrarias.

Abaixo, o santo, digo, o homem em dois momentos antológicos. O primeiro é um vídeo raro de seu quarteto executando "Afro Blue", que não está no LP A Love Supreme mas é um dos melhores cartões de visita de Coltrane. Em seguida, vem uma releitura da primeira das quatro partes de "A love supreme", com o quarteto de Branford Marsalis.







segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A forma e o ensaio


Um dos ensaístas mais interessantes em atividade no País chama-se Francisco Bosco (foto acima). Filho do músico João Bosco, Francisco é editor da revista Cultura Brasileira Contemporânea, da Biblioteca Nacional, colunista da revista Cult, parceiro de composição do pai e doutorando em Teoria Literária. Em que pese a pouca precisão que o termo oferece ao tentar classificar um gênero específico de escritor em nossos dias, Bosco é um ótimo ensaísta na medida em que exerce como poucos aquilo que Adorno define como "forma" do ensaio. Ou seja, aquele tipo de escrita onde mais interessa interpretar do que "aceitar e classificar"; onde mais importante é entregar-se a "finuras", "implicando" onde aparentemente não há nada a explicar. "Ao ensaio, felicidade e jogo são essenciais. Ele não começa com Adão e Eva, mas com aquilo sobre o que se deseja falar; diz o que a respeito lhe ocorre e termina onde sente ter chegado ao fim, não onde nada mais resta a dizer: ocupa, desse modo, um lugar entre despropósitos", diz a epígrafe (de Adorno) do livro que Bosco lançou no ano passado pela editora Objetiva, sintomaticamente chamado de Banalogias.
O drama dos "playboys" diante da passagem do tempo, o jogo de "dupla nudez" que se opera numa tatuagem, o afeto indireto que se esconde por trás do carioquíssimo "me liga", o golaço e sua antologia, a ética da gafieira, as tensões do convívio humano sublimadas a partir do uso de apelidos e diminutivos. Em seus escritos, Bosco ilumina supostas banalidades para os quais grandes filósofos jamais desviariam o olhar. Seu segredo, no entanto, é a originalidade com que dá uma dimensão inesperada a essas questões. A exemplo da definição de Adorno, o olhar arguto do ensaísta dá contornos surpreendentes a cada tema. Bosco encontra na "forma" a sutileza e o vigor para cada provocação. Cito dois exemplos. O primeiro é a análise sobre o chiste tipicamente carioca do "me liga" utilizado quando do encontro de dois amigos que há muito não se viam: "O afeto é verdadeiro, é uma positividade, mas há em sua formação uma perda, uma impossibilidade: a da intimidade perdida. Isto é, telefonar seria um erro, seria apostar na improvável recuperação do estado antigo da amizade".
O outro exemplo é o texto que fala do temperamento de certos compositores em sua relação com a alegria e com a tristezas, entendidas aqui a partir dos conceitos de Espinoza, segundo os quais, alegria maior não pode haver numa obra de arte do que a realização de sua potência. Tristeza, por outro lado, é a impossibilidade de criação e está ligada não ao andamento musical, mas a tudo aquilo que impede que as pessoas desenvolvam e realizem suas potências. Assim, uma música de Jorge Ben é tão alegre quanto uma música de Milton Nascimento, se compreendidas na plena realização da suas possibilidades.
"É fundamental saber que uma canção triste, ou a tristeza de que se origina uma canção triste, pode ser ao mesmo tempo e sobretudo algo alegre e afirmativo. E que, da mesma forma, uma canção alegre pode ser ao mesmo tempo algo triste: há sempre certa tristeza nas criações fracas, a tristeza de uma alegria forçada, sem base, como um cheque sem fundos", escreve Bosco, antecipando um arremate que me pareceu brilhante: "É precisamente essa espécie de alegria fake que a cultura de alta performance e do Prozac estimula: uma alegria sem espessura, evasiva, em fuga. Nossa cultura, esta do mercado financeiro, do Viagra, das celebridades e das academias recalca sistematicamente a tristeza - mas nem por isso é mais alegre".
Em seguida, Bosco cita Milton Nascimento. "Basta ouvir uma canção como 'San Vicente' para entender tudo o que está em jogo: a melodia que começa triste e a letra que se alude, fragmentariamente, como num 'sonho estranho', a um drama histórico da América Latina de repente irrompem em uma alegria irresistível (na primeira parte sem letra), que cede novamente a vez à tristeza, mas já aqui se trata nitidamente de uma terceira margem do afeto, alegretriste, tristealegre, que explode em sua irredutibilidade no vocalise final". E fecha: "Milton é o homem triste, por excelência. Mas não é fácil sustentar a tristeza na cultura contemporânea. É assim que Milton vem tentando, desde há algum tempo, flertar com a estética da alegria: usa roupas mais modernas, canta canções pop, procura movimentar-se mais no palco. Mas, ao fazê-lo, trai seu genius, que neste instante o abandona: sendo triste, Milton é o mais alegre dos homens - sendo alegre, é um homem triste".

Deu no Blog do Noblat

Blog do Noblat - Ricardo Noblat: O Globo Online

Gente,

Tomei foi um susto. Mas o nosso glorioso talabarte foi parar no blog do Noblat. Divido minha alegria com vocês. Abração

domingo, 16 de novembro de 2008

Valeu, Moa!


Se pudéssemos ser sistemáticos diante da obra de Moacyr Luz, seria possível dizer que ele é 1. um dos grandes violonistas do País. 2. um compositor extremamente importante para o samba, parceiro que é de gente como Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Luiz Carlos da Vila e outros. 3. um agitador cultural inquieto, capaz de montar e tornar um sucesso o samba do trabalhador, uma roda de samba que reúne, todas as tardes de segunda-feira (!), no Rio de Janeiro, entre 500 e mil pessoas.
Diante da figura de Moacyr, de sua generosidade e seu talento, no entanto, toda essa mesura analítica vira um discurso manco. Moa, como lhe chamam os amigos e como ele próprio gosta de ser chamado, é muito maior do que supõe a vã filosofia das resenhas musicais. O samba transborda de sua persona artística de maneira fluida, generosa. Talvez porque sabe que o bom samba - pela sua origem social e, por que não dizer, espiritual - reside na fraternidade, prerrogativa dos espíritos iluminados. 
E Moacyr é um deles. 
Faço minhas as palavras de uma linda homenagem a Nelson Sargento escrita por Aldir Blanc, que bem poderia ter escrito pensando em Moacyr. "Essa é a grandeza que o samba nos legou:/ Em cada tristeza erguer nosso corpo ao humor/ Se o riso é mais do que cansaço/ Mangueira cabe em nosso abraço/ E toda a dor deste mundo enfeita nossa fantasia..."
Obrigado, mestre!



P.S. - Ah, sim. A foto acima foi tirada pelo Américo no show de sexta-feira, no Amicci´s.

O Brasil de Rolando Boldrin

Na música e na biografia de Rolando Boldrin, repousa mais do que aquilo que alguns pesquisadores costumam chamar de "Brasil profundo", mas um efetivo projeto de nação, mais delicada, mais solidária e mais humana. Mais orgulhosa de sua própria grandeza. O Brasil que esse paulista projeta em seus discos e em seus programas de TV, no entanto, tornou-se um País irreal, milhas e milhas afastado do Brasil real, oficial, que optou por se perder de si mesmo, por cretinizar sua alma musical. Violeiro, disco de 1982, é um dos grandes momentos na discografia de Boldrin. Aqui, ele tem a companhia de então remanescentes de duplas caipiras famosas, como Ranchinho, Cascatinha, Corumba e Bentinho. Entre uma e outra dolorida moda de viola, como "Violeiro Triste" e "Chapéu de paia"; Boldrin interpreta algumas jóias do melhor humor caipira, como "Balagulá" e "O sapo no saco", regravada por Pedro Miranda. Em resumo: um belíssimo 3x4 da obra de um artista que construiu, como poucos, um retrato grandioso para o País.

Abaixo, Boldrin acompanhado de outro gigante, Sebastião Tapajós.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Senhor Violão


Na rica história do violão brasileiro, poucos ocuparão lugar tão importante quanto Turíbio Santos, seja pelo talento e pela técnica (premiados em concursos e centenas de gravações no Brasil e no exterior) seja pela dedicação à pesquisa, à divulgação e ao ensino de um dos traços mais relevantes da musicalidade nacional. Mistura Brasileira, o 65º disco da carreira Turíbio, saiu no começo do ano pelo selo Delira Música. Nesse trabalho, Turíbio faz releituras de temas populares de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Tom Jobim. Quem quiser começar a descobrir o oceano de beleza e técnica que é a trajetória de Turíbio, uma boa dica é o site www.turibio.com.br, em que há partituras, gravações, discografia e fotos do violonista. Entre elas, essa foto de Turíbio ao lado de (ninguém menos!) Andrés Segóvia, em Santiago de Compostela, em 1965.

Abaixo, Turíbio e uma peça de Villa-Lobos.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Mingus Erectus

Uma chave para a compreensão da música de Charles Mingus é o espírito contraditório de sua personalidade, a alternância entre gentileza e agressividade que marcou sua trajetória e tensionou o músico em momentos decisivos. Um encontro de "ambigüidades", como define o crítico Augusto Pellegrini: da tradição com a vanguarda, da religiosidade com a contestação, da conformação com a revolta. Mestiço de negro e índio, Mingus sempre se considerou um marginalizado e afinou sua música no diapasão do ódio contra o preconceito e a perseguição racista, sentimento que constantemente fazia explodir em sua música - como é o caso da antológica "Haitian Fight Song". Seu estilo ao contrabaixo, ao mesmo tempo percussivo e ágil, já incorporava esse traço de sua personalidade. Dois de seus discos são considerados suas obras-primas: Pithecantropus Erectus (1956) e The Clown (1957). Nos dois, é possível encontrar a estética bem particular dessa fase de Mingus: a preocupação com os arranjos, resultado de sua adoração a Duke Ellington; e a expressão individual de cada músico nos solos, que remete ao seu interesse pelas propostas de Charlie Parker e Thelonious Monk.

Abaixo, a gravação de Haitian Fight Song.

Vereda do dia

"Deus existe mesmo quando não há . Mas o demônio não precisa de existir para haver"
Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O simplório e o safado

Há uns dois anos, não foram poucos os "especialistas", os "teóricos" e os oportunistas que caíram em cima de mim quando tentei apontar o problema ético que embalava a performance de certo "artista contemporâneo" de Fortaleza e que consistia numa pegadinha patrocinada com dinheiro público. E, pior, chancela de uma instituição pública. O pau cantou e, da chacota aos discursos cavos ou oportunistas, lidei com todo tipo de desagravo. Raros foram aqueles que compreenderam a matriz ética da "polêmica", que antecedia às dimensões artísticas e - vá lá - estéticas da questão.
Bom, em sua coluna desta semana no suplemento Mais!, da Folha de S. Paulo, o professor e articulista Jorge Coli escreveu um texto que pode ser muito produtivo se iluminar outras "polêmicas" no campo da arte contemporânea - a exemplo da pilantragem do famigerado japonês. Ao analisar a Bienal Internacional de São Paulo, Coli critica duramente a "obra" em que se transformou o segundo andar do prédio da mostra, deliberadamente deixado vazio pela organização do evento. E começa lembrando que, há 50 anos, Yves Klein (1928-1962) pintara de branco uma galeria em Paria para expor o vazio, "provocando filas de gente querendo entrar para ver o que não havia".
"A Bienal de São Paulo está vazia. Vazia. Sem floreios ou firulas: vazia, irremediavelmente vazia, pateticamente vazia. Vazia de obras, de idéias, de vergonha. (...) Não adianta vir com história de que essa Bienal causa 'polêmica', palavra hedionda porque reduz argumentos e debates a um espetáculo de circo. Não pode haver polêmica com alguma coisa que se situa entre o simplório e o safado", escreve.
E completa: "Se é para perturbar a seriedade sagrada dos lugares reservados às artes, uma sugestão: instalar a próxima bienal no Playcenter. Tanya Barson, da Tate Modern (Londres), que lamentou, na Folha, ter voado 14 horas para ver a Bienal do Vazio, poderia ao menos se divertir na montanha-russa, no chapéu mexicano".

sábado, 8 de novembro de 2008

Drama: Ação

Este é um dos momentos mais bonitos e corajosos da longa e consagrada carreira de Bethânia. Trata-se do disco Drama, um pérola lançada em 1972 e que marcou decisivamente a transição da juventude para a maturidade artística da cantora. Produzido por Caetano Veloso, que acabara de retornar do exílio em Londres, o disco abre com um "Ponto" contra o autoritarismo da ditadura: "Sou eu que me deito tarde/ Sou eu que levanto cedo/ Sou eu que realço tudo/ Sou eu que não tenho medo". O tom se estendia por outras faixas, como "Negror dos tempos" e "Drama", ambas do próprio Caetano. "Drama/ e ao fim de cada ato/ limpo num pano de prato/ as mãos sujas do sangue/ das canções". A saudação "Iansã" é outro grande momento do disco: "Eu sou um céu para as tuas tempestades/ Deusa pagã dos relâmpagos/ Das chuvas de todo ano/ Dentro de mim". 
O disco traz ainda uma inusitada versão rock´n´roll para "Volta por cima", de Paulo Vanzolini. Na época de seu lançamento, Drama consagrou os sucessos "Estácio, holly, Estácio", de Luiz Melodia (que gravaria seu primeiro disco no ano seguinte); e "Anjo Exterminado", de Macalé e Waly Salomão - regravada por Adriana Calcanhoto em disco-tributo a Waly. Em tempo: drama significa "ação" em grego.

Abaixo, um vídeo da turnê de Bethânia de 1973, que era baseada no disco. Fico impressionado como os arranjos daquela época e mesmo a sonoridade de certos instrumentos ainda soam extremamente modernos. E como canta esta criatura!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A cachorrada se aquecendo

O nosso bloco, o glorioso - e inoxidável, como diria aquele poeta de Quixeramobim - Unidos da Cachorra, fechou uma parceria com o Sesc e está fazendo um ensaio aberto na Praia de Iracema todos os primeiros sábados de cada mês. Esse é um rápido registro da nossa apresentação no sábado passado. O som está meio ruizinho e não pega direito as marcações e as caixas. Mas os tamborins dão seu recado. Era o comecinho do ensaio. Uma hora depois ninguém conseguia mais andar nesse quarteirão. Nos demais sábados, o ensaio acontece no Amicci´s a partir das 14h. O pré-carnaval bate à porta...

Camerata Carioca

No famigerado ano de 1983, quando a economia brasileira foi à lona, um lançamento de música instrumental tornou-se um divisor de águas no Brasil. Tanto por reafirmar a riqueza de uma tradição que parecia se esfumaçar ante o avanço dos teclados, baterias eletrônicas e sintetizadores; quanto por retrabalhar os códigos do nosso processo musical de maneira absolutamente original até então. Capitaneada pela virtuose de Joel Nascimento, a turma da Camerata Carioca lançava o disco Tocar, um libelo a favor da música brasileira que reuniu alguns dos principais nomes do choro e da música erudita no País: além de Joel (bandolim), Joaquim Santos e Maurício Carrilho (violões), Luiz Otávio Braga (violão de 7), Henrique Cazes (cavaquinho), Beto Cazes (percussão) e Dazinho (sax e flauta). "É difícil destacar detalhes valorosos do disco, pois são muitos, mesmo assim valem citação especial: a balançadíssima participação de Radamés Gnatalli no 'Remexendo', os belíssimo arranjos de Maurício Carrilho - 'Fugata' e 'Choro de mãe' -, Luiz Otávio Braga - 'Terna saudade' e 'Lenda do caboclo' - e o timbre especial do sax-alto de Dazinho no solo de 'Valsa Triste'", lembra Henrique Cazes, no encarte da edição do disco em CD.

Abaixo, um vídeo de Henrique Cazes tocando "Minhas mãos meu cavaquinho", de Waldir Azevedo.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A voz do dia

"Deixa falar todas as coisas visíveis
Deixa falar a aparência das coisas que vivem no tempo
Deixa, suas vozes serão abafadas.
A voz imensa que dorme no mistério sufocará a todas.
Deixa, que tudo só frutificará
na atmosfera sobrenatural da poesia".
João Cabral de Melo Neto

Marquinhos de Oswaldo Cruz

Um pouco antes da nova geração do samba da Lapa começar a ganhar prestígio nacional - a reboque sobretudo dos êxitos de Teresa Cristina -, o portelense Marquinhos de Oswaldo Cruz já pontuava como um nome valoroso do gênero. Em 2000, ele estreava em disco com o consistente Uma Geografia Popular, chamando atenção tanto para seu trabalho como compositor quanto para a tradição de grandes sambistas localizada na latitude lírica entre Madureira e Oswaldo Cruz. Seis anos depois, Marquinhos voltou à carga com um grande disco: Memórias de minh'alma, que saiu pela Cumba Discos. Depois de muito pelejar em lojas de discos - reais e virtuais - finalmente consegui meu exemplar. Valeu cada dia da espera. Marquinhos é dos raros compositores que sabem usar a poesia - em seu caso acompanhada de uma riqueza melódica  e harmônica que faz lembrar os grandes mestres portelenses - para esgrimir contra a vida dura dos trabalhadores suburbanos numa metrópole como o Rio de Janeiro. "Os olhos não podem ver", belo samba que abre o disco, antecipa esse sentimento de lírica resistência que dá o tom de boa parte do CD: "Um velho banco, antiga estação / Vou sentindo o que os olhos não podem ver / Nesta marmita, eu carrego os meus versos / Que alimentam de emoção meu dia a dia".
Segue-se um feliz pout-pourri de composições de dois grandes portelenses - Candeia ("Zé Tambozeiro" e "Samba da Antiga") e Manacéa ("Carro de boi") - que desagua, na faixa seguinte, na emocionante "Portela Canta", um samba de terreiro de Marquinhos inspirado no desastre do desfile da Portela de 2005, em que a Velha Guarda foi impedida de desfilar na Sapucaí em função do inchaço da escola. Medida, aliás, que salvou a maior campeã do carnaval carioca de um vexatório e histórico rebaixamento. 
Nas mãos do compositor, a tragédia virou uma antológica apoteose e, sem exageros, entra para a história como uma dos mais belos sambas de quadra de todos os tempos. "Mas a Portela canta/ Vai nessa noite sem luar/ Sem alma na cuíca chora/ E com a voz do seu terreiro/ Ocupará o seu lugar", canta Marquinhos acompanhado por um coro de primeira:  Áurea Maria, Agrião, Ircéia, Tantinho da Mangueira, entre outros. 
Só essas faixas de abertura valeriam por todo o disco. Mas Memórias de Minh'alma ainda reserva quatro destacadas parcerias de Marquinhos com L.C. Máximo ("Pé de Moleque", "Na rua, a varanda", "Verde Bandeira", "Memórias") e um desfecho em grande estilo com a belíssima "Éramos reis", que maltrata o coração da gente na voz crucial de Virgínia Rodrigues.  
Abaixo, Marquinhos numa edição especial do programa Sarau, da Globo News, sobre o pagode do trem. Ao lado dele, Xangô da Mangueira e Monarco.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Beatles e uma revolução pecuniária


Os Beatles e os Stones foram tão (des)importantes para a cultura jovem dos anos 60 quanto as Spice Girls nos anos 90. O argumento é do historiador David Fowler, professor da Universidade de Cambridge, para quem as duas bandas foram apenas fenômenos de publicidade movidos por desejos pecuniários.

"Os Beatles fizeram sucesso muito rápido, seu público era formado principalmente por adolescentes, mas não faziam conexões, não promoviam a cultura jovem como um opção de vida. Faziam apenas músicas simplistas, e não acho que promovessem nenhum tipo de mudança. Estavam ali apenas pelo dinheiro, não para mudar o mundo", defende o professor, que acaba de lançar o livro Youth Culture In Modern Britain - 1920-1970 (Ed. Palgrave).

Segundo Fowler, Beatles e Stones tinham a mesma ideologia das Spice Girls. Qual seja, buscavam segurança e dinheiro. Herói da cultura jovem, para ele, era Rolf Gardiner, estudante de Cambridge que, nos anos 20, começou a falar em "jungenkultur", ou "cultura jovem", uma onda de discussões políticas e musicais que começava a ganhar terreno em algumas universidades. Já a ação dos Beatles, teria sempre girado em torno da fama e do dinheiro, "que souberam aproveitar muito bem". Só uma curiosidade: "We´re only in it for the money", aliás, era o nome do disco que Frank Zappa lançou em 1968 num despudorado deboche a seus contemporâneos famosos.

O livro ainda não foi lançado no Brasil. Quando o for, terá trilhado um tortuoso caminho entre polêmicas, ataques e desagravos de beatles e stonemaníacos mundo afora. O que pode inclusive desvirtuar a discussão. Exageros pontuais à parte, essa é uma leitura que pode ajudar muito a compreender os caminhos cada vez mais caretas, auto-indulgentes e musicalmente redundantes que o rock vai trilhando em nossos dias.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Bíblia, a revista

Maior best-seller mundial - com cerca de 500 milhões de cópias vendidas anualmente -, a Bíblia acaba de ganhar uma curiosa (e brevemente polêmica, podem apostar) edição. Trata-se de uma versão pop dos textos sagrados editada em formato de revista (duas revistas, na verdade, uma para cada testamento) pelo sueco Dag Söderberg, que misturou as escrituras com fotos de celebridades e outras imagens, que vão do poético ao chocante. "Sensibilidades conservadoras podem sofrer um pouco. Eu adorei", escreve Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha de São Paulo, que resenhou a revista do Novo Testamento.
Na Suécia, as revistas de Söderberg - uma espécie de encontro entre a Vogue e a Colors Magazine - foram responsáveis pela façanha de aumentar em 50% a venda da Bíblia: o mercado sueco, que vendia 60 mil exemplares anuais do livro sagrado, incorporou às suas planilhas mais 30 mil cópias do Velho e do Novo Testamento. Nos Estados Unidos, só a edição revistizada do Novo Testamento - com 288 páginas e preço de cerca de R$ 75 - ganhou tiragem inicial de 200 mil cópias e uma campanha de marketing orçada em meio milhão de dólares. A foto ao lado é da capa do Velho Testamento.
Mais informações sobre a polêmica e sobre o marketing feito em torno da publicação podem ser acessadas no site http://www.illuminatedworld.com/.