quinta-feira, 9 de setembro de 2010
O virtuose e o evangelho
No próximo dia 26 de setembro, completa-se uma década da morte de Baden Powell. Em julho de 1999, quando de sua passagem por Fortaleza para um show no anfiteatro do Dragão do Mar, este blogueiro, então repórter do Caderno 3 do Diário do Nordeste, entrevistou o violonista. Na época, Baden havia se convertido à igreja evangélica, o que lhe causava certo embaraço na hora de interpretar alguns seus clássicos, especialmente aqueles ligados à linhagem dos afro-sambas. "Eu posso cantar, só não faço louvar", disse. A entrevista se deu por telefone, com Baden falando de Natal, destino anterior de sua turnê pelo Nordeste. Ao final do texto recuperado da entrevista, um vídeo com uma apresentação de Baden em Paris quatro meses antes do show em Fortaleza.
Pergunta - Como será o show de hoje à noite? (N.R. - A matéria foi publicada no dia 16 de julho de 1999).
Baden - Será um show bem brasileiro acima de tudo, com músicas do nosso patrimônio musical. De Pinxinguinha à Bossa Nova e outros clássicos da nossa música popular. Porque eu defendo as teoria de que todo grande clássico pode vir a ser popular e vice-versa. Além disso, também tem algumas músicas do seu amigo Baden Powell, minhas parcerias com o Vinícius, Paulo César Pinheiro. Mas é sempre brasileiro, uma coisa brasileira acima de tudo.
Pergunta - Uma marca dos seus shows são as conversas com o público. Essa caraterística também vai estar presente no show de logo mais?
Baden - No show eu falo bastante, conto muitas histórias. A minha vivência com o Vinícius. Eu morei um tempo na casa dele, onde nós compomos a maior parte de nossas músicas. Enfim, eu conto histórias, me sinto na obrigação de contá-las, sinto-me um professor vamos dizer assim, especialmente para os jovens. Para passar aos jovens alguma coisa do que a gente fez, porque são eles que vão levar a vida adiante. Sem os jovens, o mundo todo pára. E eu acredito muito nos jovens, acho que nós estamos prester a ver uma nova geração surgindo, que inclusive vai ser mais forte e criativa do que a geração da bossa nova. O que falta é chance de mostrar. Se eles se unissem e fizessem algo juntos, nas universidades não sei, as TVs seriam obrigadas a mostrá-los. Todos filhos da pátria.
Pergunta - Você é um artista que faz uma grande sucesso nos EUA, na Europa e até mesmo no Japão. Chega a te incomodar o fato de que a repercussão no Brasil não seja a mesma do exterior?
Baden - Não me incomodo não. Eu sou um artista que tem os pés no chão. Não sou de cartaz, como o Roberto Carlos, por exemplo, que vende milhares de discos. Eu não sou um artista da moda. Algumas músicas minhas são até conhecidas, algumas que a Elis gravou; mas a música instrumental não faz tanto sucesso com o povo. Então é uma coisa mais do que normal. A música instrumental sempre foi uma coisa muito difícil para o povo. Eles conseguem decorar as letras das músicas cantadas, mas não se interessam tanto pela música instrumental.
Pergunta - Uma notícia que repercutiu recentemente no meio musical brasileiro foi a de sua conversão à igreja evangélica. Como se deu esse processo? Qual foi o motivo da conversão?
Baden - Foi uma questão de sabedoria. Eu sempre fui muito católico e sempre me interessei muito por religião, tanto que fiz os afro-sambas com o Vinícius. Mas de tanto ler, de tanto me informar, cheguei à conclusão de que a verdade é Jesus Cristo. E fiquei maravilhado com isso. Acho que alcancei o nível mais alto na minha carreira com isso.
Pergunta - Mas como você encara hoje aquela parte de sua obra que é ligada aos afro-sambas, por exemplo?
Baden - Eu apenas não louvo, mas falo sobre isso e posso perfeitamente cantar. Louvar é que não pode. Então, algumas músicas eu não posso cantar porque são louvações. Eu não posso cantar a palavra saravá, por exemplo, porque é uma louvação ao Belzebu. Mas encaro isso naturalmente. Como eu disse, eu só não faço louvar.
Pergunta - Você costuma afirmar que, no seu caso, criador e intérprete nunca trabalham simultaneamente. Qual dos dois tem trabalhado mais atualmente?
Baden - Tudo isso tem uma fase. Quando é a fase do criador, por exemplo, eu nem pego no violão, porque aí você escreve muito. Já a fase do intérprete atrapalha a fase do criador porque eu tenho que estudar muito. De modos que acho que prefiro a composição, porque é uma coisa muito mais liberal. Mas estou atualmente na fase do intérprete.
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3 comentários:
Muito boa a entrevista. Principalmente pelo "posso até cantar mas não louvo". Ora, se todo canto é louvação, qualquer um ao cantar louvar. E aí saudades da fase repórter?
Muita saudade, caro Marvioli. Embora não tenha deixado de ser repórter. Estou dando apenas um tempo para depois retornar (espero) com mais maturidade à profissão. Abs.
Estava nesse show!
Que noite!
Que saudade da porra!
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