terça-feira, 29 de setembro de 2009

Jornal Nacional: a "cadeia de comando"

Abaixo, um texto enviado por um caro colaborador deste blog e publicado originalmente no www.fazendomedia.com (já citado por essas latitudes). Uma boa provocação dentro da efeméride dos 40 anos de Jornal Nacional. O texto foi reproduzido mediante autorização de um de seus autores, o professor Denilson Botelho, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).


JORNAL NACIONAL: A “CADEIA DE COMANDO”*

Por Redação, 25.09.2009


Visto de dentro, o JN se assemelha a um funil. Passam por ele, todos os dias, centenas de fatos e eventos do mundo inteiro. De tudo, apenas 25 notícias em média chegam aos telespectadores. A operação desse filtro constitui a essência do trabalho do JN. A qualidade da filtragem, aliada à preparação e apresentação cuidadosa daquilo que passa por ela, faz do programa o mais importante formador de opinião do Brasil. Há quatro décadas.

Bonner não decide solitariamente tudo o que vai ou não vai ao ar. Várias vezes ao dia, confabula com seu chefe direto – Ali Kamel, diretor da Central Globo de Jornalismo, que responde por todos os programas jornalísticos da Rede Globo. Kamel, por sua vez, conversa com frequência com o chefe de ambos, o gaúcho Carlos Henrique Schröder, diretor-geral de Jornalismo e Esporte da emissora. Essa é a cadeia de comando.

Lido de forma crítica, este trecho (e outros) – disponível no próprio site da Rede Globo, aqui – é uma denúncia. O Jornal Nacional é uma produção autoritária, liderada por estrategistas das Organizações Globo a serviço de seus interesses empresariais (vide matérias da TV Digital ou sobre a Rede Record/IURD, entre centenas de exemplos diários). É um instrumento ideológico clássico, que 40 milhões de pessoas que nunca leram ou entenderam Gramsci recebem diariamente (e não é preciso lê-lo para entender o mecanismo, mas vale a leitura para quem efetivamente acredita na democracia).

As matérias seguem o padrão da “obviedade” – éóbvio que os temas são X, Y, Z… -, da novidade (muitas vezes o que é “velho”, porém importante, é deixado de lado), da superficialidade e descontextualização (o texto citado denuncia isso), da rapidez (própria da economia, não da realidade social). Os temas de caráter mais político obedecem ao script ideológico de seus “donos”, como é possível visualizar neste pequeno texto. Há tantos filtros que é impossível termos qualquer busca por “imparcialidade” .

E o pior é que um dos lugares privilegiados e históricos, na sociedade civil, de crítica a estes mecanismos – a Universidade – está comprometido, sobretudo no campo de formação dos profissionais que produzem as matérias: a Comunicação. Basta notar que o Departamento de Comunicação da PUC-Rio é quase que um setor de extensão universitária da TV Globo (não é nenhuma novidade, para quem conhece) e a coordenadora de jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ é coordenadora da Globo Universidade (aqui).

Perdemos muito, como sociedade civil, ao assistir a esse show de autoritarismo no campo da informação – notavelmente, um campo muito importante para o desenvolvimento de qualquer país.


O braço acadêmico da “cadeia de comando”

Nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), também na zona sul do Rio de Janeiro, uma das mais renomadas na área da comunicação, não é diferente:  até porque parte do seu corpo docente leciona em ambas universidades. Em torno de 90% das atividades extra classe, sobretudo as palestras, são realizadas com profissionais da Globo ou algo relacionado à corporação. SeuJornal Laboratório, desativado no semestre passado, sem qualquer esclarecimento aos alunos, tinha como editor um ex-profissional de O Globo:  o projeto era regido numa dinâmica completamente empresarial, engessada, acrítica, sem levar em consideração que o jornal é feito por e para universitários, gratuitamente.

E mais: a disciplina de redação e edição em televisão, cujos formandos em jornalismo têm que cursar, quem dá a aula era editor de um programa da Globo News. Toda a sua matéria é desenvolvida em função dos vídeos que ele apresenta nos bastidores da emissora, logo nos primeiros dias de aula. No final das contas, não se trata de uma formação, mas sim instrução, quase um adestramento para um modelo pré determinado e incontestável.

Contudo, tal fenômeno não se verifica apenas na PUC-RJ e na Facha, mas também em outras universidades particulares. Talvez a diferença esteja no fato de que a PUC e a Facha ainda consigam inserir nos seus quadros docentes os “profissionais do mercado”, que é como os coordenadores e diretores chamam essas criaturas que podem até ser excelentes jornalistas, embora deixem muito a desejar como professores, na medida em que não estão preocupados em formar jornalistas com senso crítico, mas sim mão-de-obra para as grandes empresas. Os técnicos do lide!

Um aspecto grotesco dessa relação promíscua entre universidades particulares e grandes empresas é a realização de palestras ou semanas de comunicação que os cursos organizam. Existe toda uma pressão para tentar convidar repórteres ou apresentadores que metem a cara no video e são mais conhecidos. Seria uma forma demarketing junto aos alunos ingênuos: “olha, a faculdade vai trazer o fulano para falar na Semana de Comunicação!” E muitos ficam encantados e seduzidos pela proximidade com aquela mistura de jornalista e celebridade.

O problema é que muitas vezes o tal repórter global vem e… não tem nada para dizer. Assim já ocorreu com Eduardo Tchao, Gloria Maria, Sidney Rezende e outros. O Tchao certa vez defendeu que fazer jornalismo é essencialmente dar furo. Questionado sobre a ética do furo – lembremo-nos do caso Escola Base –, o mesmo não se fez de rogado e disse que “problemas acontecem e é preciso ter cuidado”. Mas pregar a ética do furo para estudante de jornalismo é inaceitável, convenhamos! Glória Maria, em outra ocasião, levou um video com trechos de reportagens que fez, os exibiu e falou “agora pode perguntar, gente!” Isso é palestra???

Essas universidades particulares ficam tentando se aproximar das grandes empresas como se jornalista só tivesse esse destino: trabalhar numa grande emissora. Ou seja, há muito tempo perdeu-se essa perspectiva de uma formação crítica nos cursos de comunicação. Virou fábrica de fazer salsicha mesmo! Lembra mesmo aquela célebre sequência do filme The Wall.

O lugar da formação crítica, quando existe, está nas públicas. Quando existe!


(*) Por Denilson Botelho, Eduardo Sá e Gustavo Barreto. Os autores são editores de educação, cultura e internacional do Fazendo Media, respectivamente. O professor Denilson Botelho se encontra atualmente no Piauí, onde dá aula na Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Um comentário:

Cris Bonfim disse...

Reflexão muito interessante, Felipe. Obrigada por compartilhá-la. Você poderia me passar o contato do professor que autorizou a reprodução do texto no blog?
Abraços.