Algumas provocações para Enrico Rocha (foto acima), artista e mestre em Linguagens Visuais pela EBA/UFRJ.
Talabarte - Que procedimentos e/ou vícios vocês não tolera nas artes plásticas?
Enrico Rocha - Perco fácil a paciência com a postura de seres especiais - o velho gênio - que muitos adotam para se apresentar como artista. A experiência estética é condição da vida humana, de qualquer pessoa. É evidente que não é qualquer pessoa que se dedica a investigar essa experiência, e em menor número são aqueles que investem seu tempo em produzir experiências estéticas e compartilhar as mesmas com os outros. Ainda assim, interessa-me quem compreende essa disposição como generosidade, como dom, como dádiva. Acho enfadonha a glamourização da experiência artística, um equívoco. Não tenho interesse na produção de objetos estéticos destinados a serem comercializados no mercado das artes e, consequentemente, em todo o sistema criado em torno do pretenso luxo, da distinção social. Meu interesse é investigar a vida esteticamente, o ponto de interserção entre um corpo sensível, experiência individual e singular, e o mundo, experiência coletiva e plural. Obviamente também me interessa a troca, a partilha com os outros, é nessa relação que produzimos valores.
Talabarte - Por outro lado, por qual virtude da arte você tem mais estima?
Enrico - Acho que já citei algumas virtudes da arte quando deveria ter comentado somente os vícios, mas acrescento: compreendo com Mário Pedrosa a arte como exercício experimental da liberdade. A arte, como campo de investigação estética, deve ter como alicerce e horizonte a liberdade, a invenção da vida. Esse desafio é sua maior virtude.
Talabarte - Que leitura você faz da informação de que um artista como o britânico Damien Hirst quebrou o recorde dos leilões de arte ao vender zebras congeladas e outras obras polêmicas?
Enrico - Vejo esse tipo de notícia com curiosidade e desinteresse ao mesmo tempo. A mesma curiosidade sobre os cachês milionários recebidos por astros de hollywood ou topmodels. Que experiência coletiva se apresenta por meio desses valores? Porém, dedico-me pouco a pensar sobre isso. O mercado de arte e o mercado de notícias têm suas artimanhas, seus artifícios sensacionalistas. Pouco me interesso pelos dois.
Talabarte - Você olha com desconfiança para quais "certezas" na produção e na crítica de arte?
Enrico - Olho com desconfiança para qualquer certeza na produção e na crítica de arte, seja sobre formas ou conceitos. Aliás essa diferença clara também merece desconfiança. Compreendo, como já citei, o campo da arte como um campo de investigação. Interessam-me as interrogações, as inquietações, os desejos. Nesse sentido, considero que a única afirmação imprescindível é da vida como experiência estética. Afinal, o que a produção artística é se não uma tentativa de responder a questão ontológica por meio de uma experiência estética? Interessam-me também algumas exclamações, como elogio ou celebração de certas experiências.
Talabarte - O que lhe parece mais produtivo: discutir/fazer arte "em" Fortaleza ou discutir/fazer arte "a partir" de Fortaleza?
Enrico - Acho que tanto a questão da identidade quanto da universalidade da produção artística são falsos problemas. Assumo o lugar que habito em sua relação com o mundo como uma condição. Produzo tanto neste lugar como a partir deste lugar. Investigo as condições singulares, de percepção inclusive, que este lugar me apresenta. Comprometo-me com a construção deste lugar singular como espaço habitável. Mas isso não quer dizer que me dedico a representar este lugar, colaborar com a produção de uma identidade que possa diferenciá-lo dos demais. Muito menos pauto-me pela necessidade de ser reconhecido em qualquer lugar, pelo objetivo de ver meu trabalho inserido no circuito internacional, por exemplo. Entretanto, interesso-me pelas discussões realizadas em outros lugares do mundo, pois acho impossível compreender minha experiência, como a de qualquer pessoa, sem essa relação. De outro modo, cosidero que participo do mundo a partir de Fortaleza ao mesmo tempo em que habito o mundo em Fortaleza.
Talabarte - Ação ou discurso?
Enrico - Ação e discurso. Lembro de Hannah Arendt em a Condição Humana. Compreendo com a autora que ação e discurso são experiências fundadoras do espaço público. E só considero a produção artística em sua dimensão pública, inserida nesse espaço. Não me refiro a discursos sobre ações, ou a ações sobre discursos, como experiências distintas e complementares, quando não compensatórias. Penso na arte como ação e discurso simultaneamente, construção e compreensão do mundo.
Talabarte - O sublime ou o abalo?
Enrico - A experiência estética como expressão ética. Isso pode ser assustador.
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