A primeira porta para a discografia brasileira que se abriu para mim foram algumas capas de LP, que contemplava maravilhado na discoteca de meu pai desde minha mais remota infância. Eram de tal modo expressivas que me pareciam mais humanas que as fotos reais. Não raro, ficava na dúvida se o rosto figurado naquele quadrado mágico que embalava os discos era desenho ou uma fotografia. Na semiótica de minha infância - pessoal e intransferível -, aquelas capas deviam conter uma música igualmente fascinante. Não entendia o que queriam dizer. Mas ficava horas contemplando aquele traço, aquelas luzes, aquelas cores. Não era possível alguém se entregar com tanto carinho à representação de outrem daquela forma, sem estar embalado pelo mesmo carinho com a música daquelas pessoas.
Anos depois vim saber quem era o autor daquelas capas que tanto me fascinavam: Elifas Andreato. Hoje, se me perguntam qual a capa de disco mais bonita da música popular brasileira, respondo de imediato: qualquer uma do Elifas Andreato. Duas, em especial, acho de uma delicadeza tocante, as capas dos siameses Memórias Cantando e Memórias Chorando (foto acima), de Paulinho da Viola. Mas como não se emocionar com a fachada de LPs antológicos de Elis, Clementina, Adoniran, Martinho da Vila? Ou com as capas e encartes da coleção História da Música Popular Brasileira? Ou mesmo com todas as outras capas que Elifas produziu para o próprio Paulinho?
Hoje, o homem apaixonado pela música brasileira é resultado do sentimento que ficou cravado naquela criança fascinada pelas capas de Elifas Andreato. Seus desenhos não pavimentaram apenas minha relação com a música, mas ajudaram a criar um brasileiro apaixonado por seu País. Ajudaram a criar um homem que nunca entendeu aquela obrigação cínica de sermos inteligentemente irônicos, autodepreciativos e carregados de soberba ao criticar o Brasil - usando uma expressão do jornalista Hélio Campos Mello no editorial da edição de outubro da revista Brasileiros.
Esse sentimento, Elifas conta em entrevista à mesma Brasileiros, "faz mal à saúde" - o que em seu caso se traduziu em alcoolismo. Mas "faz bem para a alma", como atestam a beleza e a ternura de suas pinturas, permeadas por um "expressionismo caboclo" e pela tenacidade de seu amor ao País. "A tal da esperança é uma companheira fiel", ele brinca.
Abaixo, um trecho do documentário Elifas Andreato, um artista brasileiro.
Um comentário:
Não consigo não ficar puto comigo mesmo quando as outras coisas me impedem de vir por aqui. A cada visita, é uma grata surpresa.
Sensacional o post e o documentário, Felipe.
Abraços com as saudades dos sambas de sábado.
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