Comecei a estudar clarineta nos últimos três meses e descobri uma verdadeira obsessão. Não sei exatamente porque fui escolher logo a clarineta. Queria estudar algum instrumento de solo e, desavisadamente, optei por um que tem uma das execuções mais complexas. A começar pela afinação, um insólito Si bemol, que faz com que você veja as partituras "normais" de Dó sempre através de um deslocamento, de um fuso, de um não-lugar musical - como preferem os pós-modernos. E é tão mais insólito - pelo menos para um neófito que nem eu - se a gente pensar que, na verdade, o som é o mesmo; apenas a grafia na partitura muda de um instrumento para o outro. Outra "delicadeza" da clarineta, outro deslocamento típico de sua estrutura, é sua chave de registro, que ao invés de oitavar suas notas - ou seja, ir, por exemplo, de um dó para o dó da escala mais aguda -, faz uma transição de décimas segundas. O que era um Dó na posição antiga vira um Sol da escala seguinte quando acionada a chave de registro. Uma transição de dar um nó no dedilhado de qualquer um. Isso, no entanto, permite que aquele instrumento relativamente pequeno, menos suntuoso que o saxofone, consiga alcançar uma extensão absurda, de umas quatro oitavas. E uma digitação ágil como nenhum outro instrumento de sopro. Que o digam os solos malucos do Benny Goodman, a categoria de um Severino Araújo ou um Abel Ferreira, e o virtuosismo de um Paulo Sérgio Santos ou de um Paulo Moura - para mim, um dos maiores músicos do mundo. Meu amigo Fábio Amaral tem, muito pacientemente, me ensinado os caminhos dessa verdadeira bruxaria chamada teoria musical. É algo fascinante, por ser ao mesmo tempo matemático, rigoroso; e fluido, etéreo, aberto ao temperamento e à assinatura pessoal de cada músico. Um relação entre o lógico e o dramático, onde podemos deslocar o pragmatismo geométrico da partitura apenas pela força das nossas paixões.
Esse vídeo abaixo é de uma campanha de uma empresa que fornece peças para clarinetas. Ignorando a parte publicitária, vale ouvir a execução demolidora de "Espinha de Bacalhau" por esse jovem clarinetista chamado Tiago Souza.
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