terça-feira, 30 de junho de 2009

O bibliólico anônimo

Texto de autoria do jornalista Paulo Roberto Pires

Não sou como o novo personagem de Luis Fernando Verissimo, que como ele adiantou em entrevista ao “Prosa & Verso”, nasceu cantarolando “Formei-me em Letras e na bebida busco esquecer”. Mas descobri no blog de Pierre Assouline que preciso buscar filiação urgente aos Bibliólicos Anônimos. Todo mundo que tem vícios (aliás, alguém não os têm?) sabe muito bem de suas virtudes. Pois os bibliólicos mal tinham consciência de sua dependência quando viram a patologia retratada pela associação de editores e livreiros americanos - que, obviamente, vai pegar pesado para estimular os bookadicts.
O B.A. seria, portanto, um grupo que estimula o vício. Você chega, começa a dar seu depoimento e, pela manifestação dos demais presentes, começa a se sentir em casa, confortado. A partir dali, em reuniões semanais feitas num sebo, você pode aprender novos rituais no consumo de livros, trocar impressões, aprender estratégias de consumo. Para facilitar a vida, seguem alguns sintomas clássicos do bibliocolismo:

1. O bibliólico, como depõe Assouline. jamais sai de casa sem ter alguma coisa para ler. Serve revista, jornal ou bula de remédio, mas o bom mesmo é um livrinho – que ajuda a passar o tempo em metrô, consultório ou fila, além, é claro, de ser ótima proteção contra chatos interativos.
2. O bibliólico não consegue passar por livraria ou sebo sem dar uma “olhadinha”. E, raramente, dá uma olhadinha sem dar uma compradinha.
3. O bibliólico sofre terríveis crises de privação. Muda caminho e chega atrasado em reunião para comprar aquele livro fundamental. Que às vezes será lido dali a dois anos. Ou continuará fechado por outros dois.
4. O bibliólico cheira. Muito. E, proustianamente, tem lembranças associadas aos aromas dos livros. O livro francês é o do bom: quando novinho, é praticamente uma viagem a Paris.
5. O bibliólico é um ótimo negociante. Não pode ver uma oferta. Eu mesmo já comprei três exemplares de um mesmo livro de Nabokov. Um de cada vez, pensando que não tinha comprado antes. Só pelo bom preço. Ah, sim: até hoje não o li.
6. O bibliólico tem compulsão por obras completas. Quando cisma com um autor, sai de baixo: vai comprando tudo o que pode, mesmo que dele só tenha lido um livrinho – do qual gostou muito.
7. O bibliólico causa sérios transtornos à família. Ninguém em casa aguenta mais as sacolinhas de plástico e as caixas de papelão das livrarias virtuais. Por isso, ele costuma se livrar das primeiras andando pela rua e mandar entregar as últimas no trabalho.
8. O bibliólico é, em geral, um sujeito pacato. Mas, cuidado, pode ser muito agressivo quando alguém chega em sua casa e, diante das pilhas e mais pilhas de livros, lança a pérfida dúvida: “você já leu isso tudo?” Ora bolas, isso é pergunta que se faça?

Remédio contra a crise: música nova


Um catálogo composto por "trabalhos 100% originais, refletindo o cenário moderno da música brasileira, feita no Brasil ou fora, porém sempre por brasileiros". É essa a aposta da Curve Music, uma gravador britânica criada há cinco anos por um paulista radicado em Londres, para driblar a crise por que passa o mercado fonográfico. "Mesmo que o suporte físico, o disco, não venda mais, ele ainda é um item forte para a divulgação de um artista. Mas a comercialização digital já é uma realidade em muitos países", defendeu Afonso Marcondes, dono da gravadora, em entrevista recente ao jornal O Globo.
Ele cita o caso da Coréia do Sul, onde o CD saiu do mercado há três anos, mas onde os consumidores aderiram à compra pela internet e os artistas do catálogo da Curve estão entre os mais vendidos no gênero world music. "Podem mudar os suportes, mas enquanto existir a humanidade a música será indispensável", aposta.
No catálogo da Curve, estão artistas como a já veterana Arícia Mess, os DJs Slim Rimografia e Lucio K, Ophelia and the tree (de Uberlândia) e os cearenses d´O Jardim das Horas (foto acima).

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Diploma de jornalismo: "cenário brasileiro é exótico", condena advogado


Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o advogado José Paulo Cavalcanti (ex-presidente da Empresa Brasileira de Notícias) reposiciona o debate sobre a exigência - ou a falta dela - do diploma de jornalista para o exercício da profissão. "Não, o diploma dos jornalistas não acabou. A decisão do Supremo Tribunal Federal, na última semana, limitou-se a dizer que o decreto-lei 972/69 era incompatível com a Constituição democrática de 1988. Mais nada", escreve o advogado. Tecnicamente, a decisão do STF, de acordo com Cavalcanti, é correta na medida em que não poderia deixar vigendo uma regra acessória do decreto-lei (justamente o artigo 4, que prevê a exigência) enquanto o decreto em si já havia sido refutado pela Corte. Não houve, e aqui vale o destaque, julgamento sobre o diploma, que poderá voltar a ser exigido em lei.

Sobre as declarações de Gilmar Mendes a respeito a possibilidade de um projeto de lei infra-constitucional restabelecer a obrigatoriedade do diploma - classificado como inconstitucional pelo comandante falastrão do STF -, Cavalcanti diz que são apenas "palavras ao vento". "Gilmar Mendes, mais uma vez, expressa opinião pessoal sobre tema que pode vir a ser discutido no Supremo - em vez da reserva que, como regra, a seus ministros conviria guardar em situações assim".

Enquanto o diploma não volta à pauta da Justiça, alguns números levantados por Cavalcanti cutucam o vespeiro com lâminas mais afiadas. O primeiro deles é o de que o modelo de "desregulamentação absoluta" - como a que se coloca agora no Brasil - existe apenas em três países (Chile, Áustria e Suíça). Outros 14 ainda compartilham do já antigo modelo brasileiro; entre eles, Bélgica, África do Sul e Arábia Saudita. Nos demais países, a questão é matizada, mas nenhum deles prescinde de algum tipo de regulamentação em torno da profissão (escolaridade, ausência de condenação penal, algum curso médio ou superior, curso preparatório específico, estágios compulsórios).

"Na Alemanha, por exemplo, quase nenhum jornal importante contrata quem não tem diploma. Nos Estados Unidos, onde ele também não é exigido, há 400 faculdades, 120 cursos de pós-graduação e 35 doutorados; sem contar que, na média, 80% das Redações são compostas por diplomados", cita. "Maior diferença, entre Redações brasileiras e estrangeiras, é precisamente a quantidade de jornalistas com cabelos brancos: abundantes, nas democracias consolidadas, e escassos, no Brasil, pelo uso indiscriminado de estagiários, lumpens na profissão, mão de obra jovem e barata".

Vale ler a conclusão do artigo:

"Mas por que jornais, em regra, tanto querem jornalistas diplomados? A resposta é simples. Por ser dispendioso ensinar, dentro das Redações, a fazer um jornal. E também porque jornalistas aprendem, nas universidades, que errar custa caro. Nos Estados Unidos, com vitória dos demandantes em 75% dos casos, a média das indenizações oscila entre US$ 100 mil e US$ 200 mil dólares.

Com frequência, vai muito além disso. Por exemplo: Leonard Ross x New York Times, US$ 7,5 milhões; Richard Sprague x Philadelfia Inquirer, US$ 34 milhões; Victor Feazel x Dallas Television Station, US$ 58 milhões; Wall Street Journal x Money Management Analytical Research, US$ 222,7 milhões.

Dando-se então que jornalistas formados, por estatisticamente errar menos, valem mais. E ganham bem mais também, claro. Desde que haja leis de imprensa decentes, faltou dizer. O que nunca tivemos -e continuamos sem ter.

Posta a questão em tons técnicos e mais serenos, o que se vê hoje em nosso país é um cenário anormal. Exótico. Porque, em toda parte, são os próprios jornalistas que não aceitam a exigência do diploma, enquanto aqui sua defesa é feita pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). E empresas sempre pedem diploma - enquanto aqui as restrições contra ele partem de um de nossos mais respeitados jornais, a Folha de S.Paulo.

Dando os trâmites por findos, assim, cumpre agora esperar por legislação específica do Congresso Nacional - a quem cabe, com mais propriedade e mais legitimidade, estabelecer requisitos para o exercício das profissões. A ele cumprindo, afinal, decidir se o diploma deve ser mesmo exigido.

Ou não".

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Daltonismo do dia


Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.

Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.

Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.

Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha.

Anjo daltônico, de Jorge de Lima

quarta-feira, 24 de junho de 2009

A hora do Brasil


A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou projeto que unifica todos os fusos horários do Brasil. As redes de televisão aplaudiram, afinal, poderão uniformizar suas grades de programação. A saúde pública, nem tanto. Unir os horários de locais como a Ponta do Seixas, no extremo oriental da Paraíba; e a cidade de Cruzeiro do Sul, no extremo ocidental do Acre, significa arredondar, de maneira grosseira, quatro fusos reais em relação a Greenwich. Entre outros absurdos, a nova lei vai colocar os acreanos para acordar bem mais cedo. Mas bem mais cedo mesmo. A ponto de poderem contemplar o nascer do sol às 8h01, horário em que se registraria o fenômeno na última sexta-feira caso a lei já estivesse valendo.

Em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, o jornalista Marcelo Leite ressalta que a adaptação a esse tipo de "arredondamento" não se dá sem estresse. "Existem indicações de que essa manipulação artificial do ritmo circadiano do organismo humano - ciclo que dura um dia, como diz o nome, regulado pela luz - pode prejudicar a saúde. Em especial quando os relógios são adiantados, no início do horário de verão, e as pessoas perdem uma hora de sono", escreve. Leite cita um estudo sueco, realizado ao longo de vinte anos, que mostra que aumentam significativamente os casos de infarto nos primeiros dias do horário de verão.

Imagine, então, um horário de verão que altera não em uma mas em quatro horas o relógio biológico de toda uma população.

Ascencion: a epifania de Coltrane

Um disco de som abravasivo, explosivo, catártico. Uma epifania sonora embalada pela espiritualidade que pulsavas nas composições de Coltrane desde A Love Supreme. Há quem o compare, numa comparação apressada mas não de todo equivocada, aos fluxos espontâneos dos quadros de Pollock. Mas é importante perceber a investigação em meio à aparente gratuidade, o sentido de liberdade em meio à aparente libertinagem, a espiritualidade em meio à concretude do som.

Formado por um único tema de 40 minutos de duração, Ascencion (1965) é mais visceral que A Love Supreme (1964) e é o corolário da atonalidade e da polirritmia que Coltrane passou a explorar de maneira até hoje desafiadora na última fase de sua carreira. O homem que queria falar com Deus acabou por virar uma divindade por conta de discos como esse. E aqui não vai força de expressão: Coltrane é cultuado na igreja Saint John Coltrane Church, em São Francisco.

A seu lado, no disco, Freddie Hubbard, Pharaoah Sanders, McCoy Tyner, Archie Shepp, entre outros gigantes. Um time de peso dialogando, provocando, tensionando, iluminando uma transcendência sonora difícil de se transpor. O caminho dos homens, afinal, é sempre tortuoso. Mas também pode ser belo e redentor.

Abaixo, um trecho do disco, com solos alternados de Coltrane e Shepp.

domingo, 21 de junho de 2009

Previsão do dia

"Vivemos num mundo de mudanças contínuas. Mas não é porque o mundo vai mudar que não se deve fazer o de hoje. O download é presente. O MP3 é hoje. Na verdade, de hoje para ontem. Só que que vou fazer o que puder por ele. Sei que amanhã o que vai dominar é o streaming (sistema pelo qual a música fica permanente no ar, sem que o internauta precise baixá-la). Mas, se eu negar o hoje, estarei sempre não fazendo nada. Você tem de se preparar para o futuro mas agir no presente. (...) Hoje a gente vive a decadência dele (do formato álbum). Mas, se no futuro o artista fincar o pé e lançar um trabalho no formato álbum, as pessoas ficarão curiosas para ouvir. Vai ter de tudo. No entanto, tenho certeza de que o streaming é o futuro e que as pessoas vão pagar por isso"
Carlos Eduardo Miranda, produtor musical, em entrevista à revista Bravo!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um roda de samba e de sonhos

Trecho do documentário Carioca, Suburbano, Mulato e Malandro, de Tom Job Azulay. Dino no 7 Cordas, Mané do Cavaco no próprio, Mauro Duarte e Mestre Marçal nos tamborins, Gisa Nogueira no chocalho, Sérgio Cabral, Nei Lopes e Paulo César Pinheiro no coral. E não se discute mais o assunto. 


Sem lenço, sem diploma... (ou Os Cuervos)

Abaixo, um ótimo artigo, de autoria da jornalista Elaine Tavares, sobre a decisão do STF em relação ao fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão.

Paulo Freire, o grande educador brasileiro que é praticamente desconhecido no Brasil, sempre foi enfático com relação à alfabetização. "Não basta saber ler, é preciso saber ler o mundo". Queria dizer com isso que aprender era coisa que ia muito além da compreensão sobre como se juntavam as letras. Era necessário estar capacitado também para uma leitura crítica do mundo. E como é que se consegue isso? Não basta unicamente estudar, ler, ter acesso a múltiplas fontes de informação, múltiplos pontos de vista. É preciso fundamentalmente saber de onde se é. E o que isso quer dizer? Que a pessoa precisa ter bem claro o lugar que ocupa no mundo, o que, no mundo capitalista, nos leva a uma compreensão da nossa posição de classe.

A votação sobre a não exigência do diploma para a profissão de jornalista, que aconteceu no STF brasileiro, diz bem desta questão. Ali estavam os senhores togados, representantes da classe dominante. São homens nomeados pelos presidentes de plantão para defender os interesses dos que mandam. Nada mais que isso. Vez ou outra acontece uma decisão com base na lei, mas sempre é coisa pequena, que não mexe nas estruturas, porque como bem diz o professor Nildo Ouriques, da UFSC, a democracia liberal é um regime sem lei. Neste modo de governo, as leis são mudadas ao bel prazer da minoria que tem o comando.


Vejamos os argumentos do ministro Gilmar Mendes para que a profissão prescinda de uma formação universitária: "Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até a saúde e à vida dos consumidores. Logo, um jornalista não precisa de formação para fazer bom jornalismo." Alguém entendeu?


Pois claro. Vamos supor que o que tivesse em questão fosse a necessidade de uma faculdade de Direito para que o juiz pudesse julgar a vida de outras pessoas. Poderíamos, qualquer um, argumentar o seguinte: "Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos consumidores. Logo um juiz não precisa de formação para ser um bom juiz. Basta que ele tenha um bom senso de justiça e estude muito. "Simples não?


Num país onde a maioria da população, desprovida do acesso à cultura e a educação, que se informa pela Globo, este simplório argumento representa uma vergonha. E nos causa profundo pesar ouvir isso de alguém que está acima de praticamente todos os habitantes da nação, o presidente do STF. É um argumento anti-intelectual, anti-cultural, anti-vida.


Minha mãe era uma grande cozinheira, mas sua comida divina nos era servida em casa, para a família. Não estava ela inserida no sistema de super-exploração capitalista, atuando numa empresa transnacional, na qual imperam os conceitos de competição, baixos salários e disputas intestinas. Não estava ela submetida a patrões, organogramas e metas de produtividade. Não estava também integrada num regime de divisão do trabalho aos moldes de garantir maiores lucros aos patrões. Logo, a decisão tomada nesta quarta-feira pelo STF foi uma decisão de classe. A defesa intransigente dos donos de jornais e empresários da comunicação que querem apenas gente minimamente capacitada para ler, não para ler o mundo. Porque o ser crítico, desejado por Paulo Freire, é um indivíduo perigoso demais. Ele reclama, ele reivindica, ele luta e ele ensina. A elite brasileira não quer isso para o seu povo. Há que mantê-lo sempre atado ao cabresto da ignorância, ao entretenimento, a mais-valia ideológica promovida pelos meios de comunicação de massa. Dá-lhe Big Brother, a Fazenda e outros quetais.


Voltando aos tempos do início do capitalismo

Quando a Idade Média terminou, foi-se chegando um jeito de organizar a vida que mais tarde viria a ser chamado de capitalismo. É o supra-sumo da liberdade, dizem os seus defensores. Nele, o trabalhador tem escolhas. Como era naqueles dias em que as fábricas passaram a dominar a vida. O povo empobrecido dos burgos tinha como escolher: ou se submetia a trabalhar vinte horas em condições insalubres e de quase escravidão, ou estava morto. Grande escolha.


Agora, no mundo capitalista da mídia selvagem e cortesã estamos no mesmo patamar. Os profissionais não precisam de formação específica, só vocação. Depois, uma vez dentro da empresa terão escolhas. Ou se submetem a salários mais baixos, condições precárias, opressão, assédio moral e tudo o que vem de lambuja no processo de super-exploração, ou não entram nesta profissão tão simples quanto fritar um bife.


Bueno, e não é por acaso que o futuro esteja praticamente na mão da empresas de mídia, visto que hoje em dia a produção de informação é o xodó do planeta. Logo, aquilo que é a coisa mais importante para um povo, o conhecimento das coisas da vida, ficará entregue a sanha do capital. Aos trabalhadores restará a opção democrática: aceitar ou cair fora. Não precisa ser vidente para prever o futuro: profissionais capacitados serão substituídos por quem aceitar submeter-se a salários menores. Será o "lindo" mundo habermasiano do consenso. A livre negociação entre empresários e trabalhadores. O tubarão dialogando com a sardinha.


Alternativas

Quem acompanha a vida cotidiana dos jornalistas nos locais de trabalho sabe que as coisas vão piorar muito. Até agora ainda havia um mínimo de regulação, uma pequena fatia de direitos com a qual o sindicato podia mover-se. Era possível fazer a luta através da Justiça ou da delegacia do trabalho. Havia um amparo mínimo. Agora não há mais. Os trabalhadores estão entregues a sua sorte, porque até que se crie uma nova lei com algum tipo de regulamentação a vida seguirá seu curso inexorável.


Mas, como dizem os cubanos - acostumados a bloqueios e vicissitudes - às vezes o horror pode servir para o passo adiante. Nos últimos tempos estávamos entregues a um trabalho sindical burocratizado, limitado às ações na Justiça. Havia uma apatia dos trabalhadores frente às lutas, uma espécie de "deixa que o sindicato resolva". E os sindicatos, esvaziados de vida, iam arrastando-se, ganhando uma coisinha aqui e outra ali, amansando o monstro.


Agora estamos no chão. Os empresários ganharam esta batalha. Desregulamentados totalmente, estamos entregues aos desejos dos patrões. Sem medidas compensatórias via Justiça só cabe uma ação: a luta mesma, renhida e dura. Voltarmos aos tempos em que os trabalhadores se reuniam nos sindicatos para conspirar e organizar batalhas contra o capital. Então, é chegada a hora. De volta às ruas, de volta à organização, de volta a vida! Foi só uma batalha...Outras virão.


Por isso, agora, estamos num momento de viragem. Ou inventamos ou morremos, como dizia Simón Rodrigues. Para novas liras, novas canções. Nada de soluções atrasadas como a do Conselho Federal de Jornalismo que só engessa e institucionaliza a luta. Nada temos a perder, apenas nossos corpos nus, como dizia Marcos Faermann. Só os trabalhadores unidos e organizados podem mudar o seu destino. Por isso, vamos à luta. Refazer os mapas, reorientar rumos, mas organizados no sindicato.


Os patrões talvez não tenham se dado conta, mas ao nos tirarem tudo podem estar criando "cuervos". Nada mais perigoso que um homem sem esperança!


Elaine Tavares é jornalista.

Os sem diploma


Em meio ao luto pela decisão de ontem do STF, recebi esse "anúncio" que ameniza um pouco o sentimento de melancolia, revolta e impotência.

Desabafo do dia

"Peço os meus mais sinceros perdões a quem me lê, se, por acaso, der a ligeira impressão de que posso estar tomado por uma arrogante ousadia, ao afirmar, com toda pureza d’alma, que os últimos vinte anos podem ser considerados as duas décadas dos embustes. Místicos, filosóficos, políticos, econômicos, estéticos e sei lá que mais. Nossa ética pós-moderna é gerida pelas leis do mercado e nosso comportamento pelas mais variadas frescuras de modismos estéreis. Nossa cultura é a do fast food, dos simplismos mais baratos, uma espécie deteriorada do show business, muito mais business do que show".

Airton Monte, psiquiatra e cronista, em sua coluna de hoje no jornal O POVO.


quarta-feira, 17 de junho de 2009

Ofício do dia


"Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte".

Dylan Thomas, no poema Em meu ofício ou arte taciturna. Tradução de Ivan Junqueira.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Portela, passado de glória: sempre!


Há discos que, mais que sintetizar, podem justificar todo um gênero musical. É o caso de Amoroso, de João Gilberto, em relação à bossa nova; Kind of Blue e A love supreme, em relação ao jazz; Primas e bordões, no caso do chorinho; e de Sgt. Peppers, no que diz respeito ao rock. Vale lembrar ainda a presença de Blonde on blonde, no terreno do folk rock; e da importância de Catch a Fire na história do reggae. No caso do samba, esse disco-síntese, ponto de partida e de chegada para ouvintes, músicos e produtores de determinado gênero, é Portela, passado de glória, primeiro álbum da Velha Guarda da Portela, produzido por Paulinho da Viola e lançado em 1970. O disco, que apresentava pela primeira sambas antológicos como "Quantas lágrimas", "Desengano" e "Sofrimento de quem ama", acaba de ganhar uma nova edição em CD, com uma nova apresentação escrita por Paulinho e com acabamento à altura de sua importância - já que a edição de 1997 era um insulto.
"Com um precioso acervo de sambas, um ritmo inconfundível, inúmeros discos, livros, especiais de televisão, um belo documentário, vários shows fora do Brasil e perto de completar 40 anos, a Velha Guarda da Portela se mantém atuante, reunindo velhos e novos sambistas para nos encantar com suas estórias, ou mesmo 'para a mocidade brincar', como queria Chico Santana. Apesar das dificuldades técnicas, do reduzido número de pessoas na produção (no estúdio apenas eu e o técnico de som) e do pouco tempo disponível, creio que este registro tornou-se uma referência importante para aqueles que quiserem conhecer um pouco da cultura do samba, em especial a da Portela. Monarco, nosso grande mestre, no final de um dos seus mais belos sambas afirmou: 'Se for falar da PORTELA, hoje eu não vou terminar'; e eu, lhe pedindo licença, acrescento: 'de sua VELHA GUARDA também'", escreve Paulinho no novo encarte. 
Abaixo, a velha guarda em ação.



Chorinho pra você

Paulo Moura, Daniela Spielman, Zé da Velha e Silvério Pontes. Os quatro se encontram para tocar "Chorinho pra você", do Severino Araújo, durante as gravações do antológico documentário Brasileirinho. Junto com "Espinha de Bacalhau", também do maestro Severino, essa foi a música que fez minha cabeça para me arriscar entre os arabescos da digitação da clarineta.

Se ficar, o tucano come


Um bom sintoma do que é um governo do PSDB são os episódios recentes na USP, envolvendo alunos, professores e policiais militares. Há 41 anos, período que contempla quase todo o governo militar, a PM não invadia o campus da USP. Voltou a fazê-lo agora, durante a gestão de José Serra, que vê no ato dos funcionários grevistas a imperdoável heresia da paralisação, prevista em lei. A invasão - tratada como "ocupação" pela grande imprensa e que teve direito a muito gás lacrimogênio e rasantes de helicópteros - foi elogiada por Serra. Cabia à reitora Suely Vilela negociar e dialogar com os grevistas, mas aí era pedir muito para a liturgia tucana, né não?

Escreveu, não leu...


Na última semana, quando da comemoração dos 10 anos do ministério da Defesa, o ministro Nelson Jobim deixou de ler um trecho do discurso que havia sido escrito para a ocasião, num gesto de causar, no mínimo, azia nos estômagos democráticos mais sensíveis e um sorriso de canto de boca em certas viúvas autoritárias. O trecho que não foi lido é o seguinte: "Sua existência (do Ministério da Defesa) afirma o conceito de que as instituições militares devem se subordinar ao governo civil constitucionalmente eleito". Trocando em miúdos: escreveu não leu, o pau pode comer!

A pátria de máscaras


Em 1970, o futebol brasileiro era um esporte "belo, calmo e simples", para usar uma definição de Sócrates. E, mesmo em meio ao período mais sinistro de nossa história recente, o povo brasileiro orgulhava-se de sua seleção nacional. Como não estufar o peito para declinar aquela escalação? Félix, Carlos Alberto, Piazza, Brito e Everaldo; Gérson, Clodoaldo e Rivelino; Tostão, Pelé e Jairzinho. A arte podia vestir meiões e caneleiras.
Em 1982, o Brasil, que já havia reinventado o esporte criado pelos ingleses, reinventou novamente aquele que então era o esporte (re)criado pelos holandeses mecânicos nos anos 70, formando a seleção mais brilhante de todos os tempos. O insucesso do time de Telê foi o canto do cisne do futebol-espetáculo, do futebol-arte, que deu lugar à boçalidade pragmática de técnicos taroucos e cínicos - que nunca conseguiram perceber que o único sentido do futebol é mesmo o do espetáculo, sua ética é a ética da arte. Se aquele time ganha a Copa, não só os rumos do futebol seriam outros, mas a própria razão do esporte alcançaria outros horizontes. Apesar da derrota no Sarriá, o envolvimento da população com o time canarinho era tal que ele desembarcou no Brasil festejado, nos braços dos torcedores, que jamais esqueceram aquela escalação: Valdir Peres, Leandro, Luizinho, Oscar e Junior; Zico, Sócrates, Falcão e Toninho Cerezo; Serginho e Éder.
Hoje... Bom, hoje são cada vez mais raros os torcedores que se estimulam com um jogo da seleção brasileira e são menos ainda os que conseguem lembrar de seu time-base. Ou você seria capaz de, em poucos segundos, lembrar dos nove jogadores que ligam Júlio César a Robinho? Tudo bem que a risível e pífia condução de Dunga não permite grandes facilidades ao torcedor. A seleção virou outra coisa. Virou uma muleta de marketing preciosa para a televisão e um balcão de negócios extremamente rentável para empresários e cartolas, todos abençoados por Ricardo Teixeira. A pátria de chuteiras virou a pátria de máscaras, de caneta na mão, doida para assinar o próximo contrato milionário e ir morar bem longe.
Assistindo aos melhores momentos - se é que se pode encontrar algo assim em meio àquele futebol truculento, exasperado e esnobe - do jogo contra o Egito, essas inquietações de torcedor vieram à tona. E me deixaram com uma inconsolável melancolia, embalada pelas platitudes sintomáticas de Galvão Bueno... Que o Messe nos resgate em Buenos Aires.

quinta-feira, 4 de junho de 2009