sábado, 26 de junho de 2010

N'kosi Sikeleli Africa


De volta ao Brasil, depois de sete dias na África do Sul. A memória mais marcante que trago foram a altivez, a simpatia e a cordialidade do povo sul-africano. Um povo que não chegou a comer o pão que o diabo amassou porque, nesse caso, foi o próprio diabo quem lhes amassou. E, ainda assim, é capaz do sorriso mais franco, da maior delicadeza no trato com o outro. O inglês dos negros é carregado das marcas do zulu, o que torna a compreensão mais difícil e faz com que aquela fique parecendo uma língua que não é a deles. E, no limite, não é mesmo. Entre eles, é o zulu que conecta as pessoas. Já o inglês dos brancos também tem marcas do africâner, um misto de inglês e holandês de tom agressivo, pedante, com o qual ergueram a triste memória do apartheid.
Johannesburgo é melancólica, cinza e fria, implacável em seu desenho urbano, com vias e distâncias maquiavelicamente pensadas para segregar negros e brancos. O que ainda acontece na saída de cada um dos diversos "centros" da Cidade: brancos em carrões estalando de novos e negros, diante da precariedade do sistema de transporte público, andando a pé e percorrendo distâncias imensas até chegarem a seus guetos. Durban, à beira do Índico, é um oposto quase tropical da maior cidade sul-africana: ensolarada, musical, cosmopolita. A forte presença de indianos e portugueses ajuda a diluir as marcas do apartheid. Por ali, o sorriso é mais fácil e os dias, mais generosos.
Assim como o Brasil, a África do Sul não é para amadores. Em "South Africa's Brave New World" (Penguin), R.W. Johnson discute os impasses, as contradições e os desafios colocados para o País depois do fim do apartheid. Se a emocionante posse de Mandela como presidente em 1994 projetou uma nova era de esperança e de mudanças pacíficas e racionais, a realidade tratou de mostrar que a combinação entre o profundo estrago causado pelo apartheid e o perfil dos novos gestores que assumiam o poder naquela época - em sua grande maioria, exilados e/ou presos durante a maior parte de suas vidas adultas - levaram o País à beira da falência e a enorme dificuldades administrativas.
A música sulafricana, com seu modalismo contagiante, é outro traço que fascina por lá. Aos que não lembram, Djavan chegou a gravar o hino sulafricano e o hino da juventude sulafricana em seu disco "Meu Lado" (1986). Paul Simon também fez incursões por esse repertório. Traduzido do zulu "N'Kosi Sikeleli Africa", o hino pede que Deus proteja a África do Sul. Durante boa parte do século XX, Deus parece não ter ouvido essas preces. Quem sabe com um "santo" como Mandela a intermediar suas orações, os sul-africanos possam finalmente ser atendidos.

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