Toni Servillo em cena do filme de Sorrentino: a beleza como justificativa do próprio tempo |
A alegria não é, afinal, ou talvez não necessariamente, a prova dos nove - para usar os versos de Oswald de Andrade. Mas a beleza, sim. A alegria, sobretudo aquela sublimação de humores superficial e mediada pelo consumo e pela ostentação, é uma perda de tempo, uma máscara, um refúgio. A alegria artificial é sempre uma desculpa vulgar e, por contraditório que pareça, insuportavelmente triste. Já a beleza, não. A beleza, por mais impreciso e intrigante que seja seu conceito, se coloca como justificativa do próprio tempo, como a assertiva maior da própria experiência humana. E é ela que pode nos conduzir à felicidade. É isso que parece nos propor o diretor e roteirista Paolo Sorrentino no seu tocante A Grande Beleza, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano e um dos concorrentes em Cannes.
Tendo como cenário uma Roma de visual arrebatador e ostensivo (e aí, de imediato, ligamos o filme à obra-prima felliniana de A Doce Vida), A Grande Beleza nos traz o jornalista Jep Gambardella circulando pelo grand monde burguês da Cidade Eterna buscando respostas para suas inquietações profissionais e pessoais. Jornalista bem sucedido, escritor que ficou famoso pelo único livro que escreveu e um sedutor incansável, ele tem como amigos e interlocutores figuras caricatas e decadentes que se encontram em festas igualmente caricatas (a referência a Fellini se dá em diversas camadas da narrativa) que costuram a rotina vazia de uma aristocracia intelectual cínica e esnobe.
Sobra alegria em meio a tanta beleza; e, ainda assim, os personagens de Sorrentino são seres humanos infelizes e solitários, no limite do tédio, no limite de suas frustrações. Essa ficha cai para Gambardella junto com a percepção de seu próprio envelhecimento. É quando ele inicia seu ciclo de auto-questionamento, contemplando em seus pares a inutilidade e a superficialidade de seus estilos de vida e tentando (re)descobrir a potência da beleza no ato de criação artística e nas tramas de relações humanas.
Ao longo do filme, ele procura resgatar uma intensidade perdida. Procura retomar uma vivacidade que, entretanto, ele não sabe ao certo se lhe fugiu junto com a juventude; se teria lhe escapado por conta de sua falta de convicção política, da sua vida amorosa desregrada, do seu alheamento em relação à espiritualidade ou de sua reconhecida alienação diante da miséria e da pobreza. Entretanto, nenhuma dessas "narrativas" - a política, a religião, a economia, a juventude, etc - lhe ampara. É quando emerge da narrativa seu questionamento fundamental: a experiência humana talvez seja condicionada por uma radicalidade que prefere se ater aos meios e nos faz esquecer dos fins.
O filme de Sorrentino, assim como Flaubert nas palavras do crítico Émile Faguet, trafega num romantismo que desenha a realidade como algo raso demais e, ao mesmo tempo, num realismo que considera o romantismo vazio. Seu protagonista misantropo é um artista que acha os burgueses grotescos e também um burguês que acha os artistas pretensiosos demais. Sobra, ao final, apenas a constatação do ridículo dos artifícios humanos, do barulho, da "fofoca", da fogueira de vaidades, do frisson hedonista - expedientes atrás dos quais parece se esconder a real beleza e a real intensidade da vida. É quando, talvez, ele encontra algumas respostas sobre sua própria trajetória.
A bela trilha instrumental que encerra o filme é um dos mais belos momentos do longa. Mas poderia tranquilamente ser trocada pela música "Vida", de Chico Buarque, de versos que parecem ter sido escritos sob encomenda de Sorrentino: "Vida, minha vida / Olha o que é que eu fiz / Deixei a fatia / Mais doce da vida / Na mesa dos homens / De vida vazia / Mas, vida, ali / Quem sabe, eu fui feliz".
Um comentário:
Esse filme é excelente.
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