Quarta-feira passada, início da tarde. Amigo carioca que reside em Fortaleza vai ao jogo com a esposa e a filha. Desavisadamente, segue de táxi pelo início da Alberto Craveiro para tentar acessar o estádio. Dá de cara com o protesto justo na hora do primeiro conflito entre os manifestantes e a tropa de choque. Protege-se daqui, desvia de lá, se esconde aqui, avança mais um pouco. Mesmo desnorteado e um tanto assustado, depois de um tempo ele consegue chegar à fileira de policiais e mostrar seu ingresso.
“Seja bem-vindo à Copa das Confederações”, diz-lhe polidamente um policial da tropa de choque. Surpreso, meu amigo fica sem palavras diante da gentileza do policial, que, entre pedras, gritos, balas de borracha e gás lacrimogênio, segue com as mesuras. “O senhor siga adiante que logo irá acessar o estádio. Agora, é bom se proteger e apressar o passo porque eles (os manifestantes) estão jogando muitas pedras para o lado de cá. Tenha um bom jogo”.
Meio tragicômico (sim, e é verídico), o episódio serve para ilustrar certa mentalidade da política brasileira, principalmente em suas expressões regionais, provincianas. Muitas das quais, aliás, estão na mira difusa dos protestos que se espalharam pelo País. É o tipo de político que naturaliza nossos impasses e se revela completamente alheio às demandas reais e aos dramas concretos da nossa vida, não raro achando-se acima do bem e do mal. É a mentalidade que segue, indiferente à grita da sociedade, construindo aquários surreais, erguendo pontes inúteis, levantando estádios nababescos.
Noves fora o condenável vandalismo e a patifaria golpista e antipartidária que tentou se aproveitar das passeatas, os protestos da semana passada foram muito positivos, entre outras coisas, por fazer essa grita cotidiana tornar-se ensurdecedora para muitos. Os militantes dessa pós-política encurralaram nossos governantes para que esses passem efetivamente a nos considerar em suas planilhas, a considerar o trato transparente com o dinheiro público, a respeitar critérios republicanos etc. E agora, sim: “doa a quem doer!”. Do contrário, a tendência é que turistas e demais convidados de tais megaeventos continuem a ser recebidos nesses termos surreais.
* Texto publicado na página de Opinião do jornal O POVO - 24 de junho de 2013
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