quinta-feira, 20 de junho de 2013

Dilma e Lula tiveram um filho rebelde?


Por Juan Arias

Ambos foram protagonistas de uma década de governo na que o Brasil se impôs como um país com vontade de mudança real

Dilma encontrou o ex-presidente Lula em São Paulo, após o estouro dos protestos na rua. Qualquer jornalista daria qualquer coisa por assistir o que os dois disseram nesse momento em que o país está em chamas. Ambos foram protagonistas de uma década de governo na que o Brasil se impôs como um país com vontade de mudança real, principalmente no âmbito social, como também no econômico.

O mundo acreditou no despertar do gigante americano, cada vez mais forte no continente e mais integrado na geopolítica mundial.

Até disseram, talvez com ênfase excessiva, que a história do Brasil se dividia em antes e depois de Lula e Dilma, o ex-torneiro sindicalista e a ex-guerrilheira que chegou à Presidência de mãos dadas ao primeiro governante operário deste país.

O Presidente Obama chegou a afirmar que Lula era o político "mais popular do mundo" e hoje em dia dizem que Dilma é a "segunda mulher mais poderosa do planeta".

A magia dos números levou para o mundo quantias invejáveis de progresso: 30 milhões de pobres sentando ao banquete da classe média, um país sem desemprego, um crescimento econômico sonhado na Europa; uma força de confiança mundial conseguiu para o Brasil a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Lula e Dilma eram como aqueles pais que se sentem orgulhosos de ver seus filhos saírem da penúria, colocarem a gravata para ingressar na universidade; levarem no bolso o celular e as chaves da moto, e até do carro.

Os filhos cresceram, conheceram mais coisas da vida e da política que os pais,utilizando muito melhor que eles os endiabrados labirintos da tecnologia da informação moderna.

E começaram a fazer perguntas aos pais. E ousaram até fazer perguntas escabrosas. E, o que foi ainda pior, até discordar deles. Inclusive chegaram ao ponto de reclamar aos pais do que ainda não tinham ganhado, ou porque o que tinham ganhado estava estragado, que o brinquedo não funcionava bem.

O pior de tudo foram as perguntas insolentes, como quase todas as que os filhos fazem aos pais quando crescem. Lula chegou a elogiar o sistema de saúde do Brasil, numa frase que hoje ele preferiria esquecer. Disse que tinha chegado "quase à perfeição", e acrescentou que "no Brasil até dava vontade de ficar doente para desfrutar de um hospital".

Os filhos um dia foram a esses hospitais e viram que era melhor estar saudáveis.

Dilma e Lula sentiram-se orgulhosos diante do mundo quando conquistaram para o país a Copa do Mundo e as Olimpíadas. E dedicaram milhares de milhões de dólares nos preparativos. E explicaram quanta beleza, alegria e turistas esses eventos iriam trazer ao Brasil.

E os filhos que subiam no ônibus, pagando caro, nas grandes cidades, sendo empurrados, alguns tentando entrar pelas janelas, eles com perigo de ser assaltados, elas de ser abusadas sexualmente; em vez de se alegrar com os estádios de primeiro mundo, ingratos, começaram a dizer: "Podemos abrir mão da Copa, mas não de transportes, escolas e hospitais dignos".

Todas essas coisas e muitas mais que apareciam nas manifestações e protestos na rua, algumas ameaçantes, como "vocês não nos representam", devem ter sido examinadas por Dilma e Lula, enquanto o dólar estava subindo e a Bolsa descendo.

Alguns filhos foram tão desagradecidos que pediram na Internet que Dilma saia da Presidência. Até a manhã de hoje mais de 140.000 pessoas já tinham assinado. É como se o filho, que já cresceu e se rebelou, pedisse que os pais fossem embora de casa. Injusto.

Não sei se vamos saber o que a Dilma e o Lula decidiram fazer ou dizer ao filho que se rebelou e prefere morar na pós-política. Ao filho que para protestar e atuar na sociedade não precisa mais aderir o sindicato ou o partido político do pai, ou ir de mãos dadas com ele para se manifestar pelas ruas em contra do patrão.

Ele sabe ir só e livremente. "Não precisamos pertencer a nenhum partido para estar indignados e protestar", podia-se ler esta manhã no facebook.

Em São Paulo, um sondeio revelou que 80% das 65.000 pessoas que saíram às ruas não pertencem a nenhum partido político.

Dilma disse hoje: " O meu governo está atento às vozes que pedem mudanças, está comprometido com a justiça social". E acresceu: "Essas vozes precisam ser ouvidas".

Também os pais quando conversam sobre os filhos que se rebelam e protestam, costumam dizer "Precisamos ouvi-los".

Sem dúvida, Dilma e Lula terão saído do encontro como essa vontade de escutar, de dialogar com os filhos rebeldes. O temor agora é que tal vez esses filhos já não queiram falar com eles. Pode ser que prefiram falar por si mesmos.

É um momento difícil e, ao mesmo tempo, apaixonante, o que está vivendo o Brasil. Os aspectos positivos do protesto, que já abraçam quase o país inteiro, poderiam servir de exemplo aos países irmãos do continente.

Somente as águas paradas que apodrecem. Só nas famílias onde parece viver a calmaria costumam surgir as maiores tragédias.

É melhor gritar do que aguentar a raiva, dizem os psicólogos.

As biografias de Lula e Dilma estão cheias de gritos e raivas.

Ninguém melhor do que eles para dirigir esses filhos rebeldes para um crescimento político que conte com que hoje em dia o mundo é outro, diferente do que eles viveram; que a política não pode se fazer como fizeram eles, mesmo que fosse à base de suor e sangue, e que os filhos querem ser mais protagonistas do que nasce do que enterradores do que já morreu.

E quanto à pretensão perigosa de algumas pessoas de botar os pais para fora de casa, por muito que a política mudasse, em democracia existe somente uma maneira legítima de fazer isso: o voto livre.

O ano próximo os brasileiros irão às urnas.

No segredo do voto poderão resolver os seus conflitos. E que sejam também eles leais com a ética política.

Ontem alguém fez essa pergunta escabrosa, desta vez aos manifestantes: "Por que os que gritam contra os políticos corruptos acabam por votar neles nas urnas?"

Seria um ótimo cartaz para os próximos protestos nas ruas.

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