domingo, 16 de outubro de 2011

O gosto e a barbárie


Na arte, gosto não só se discute, como deve ser discutido. O cerne da questão do consumo não está na perspectiva supostamente ingênua e inofensiva - quase aleatória - das afinidades pessoais. O ato de se escutar esse e não aquele gênero musical, por exemplo, reflete fundamentalmente uma opção política e estética que aponta para um projeto (ou projetos) de civilização. Penso isso à luz das declarações de Jacques Rancière (foto acima) à revista Cult, em que o pensador francês analisa como a estética e a política são maneiras de organizar o sensível: "de dar a entender, de dar a ver, de construir a visibilidade e a inteligibilidade dos acontecimentos". "Temos de pensar na estética em sentido largo, como modos de percepção e sensibilidade, a maneira pela qual os indivíduos e grupos constroem o mundo", ele defende.
Afinal, que mundo poderá ser construído a partir da visão sexista e rasteiras das letras do forró eletrônico? Que civilização poderemos divisar através dos xingamentos e trocadilhos de mau gosto presentes na chamada swingueira? Que delicadeza, que sentidos de solidariedade esperar de um proprietário de um famigerado paredão de som e seus convivas? Que intensidade esperar de alguém refém de melodias pobres e redundantes, de ritmos recorrentes e repetitivos? Que originalidade imaginar em alguém que só convive entre pastiches?
Em geral, a crítica cultural apresenta certo fastio para tratar desse assunto. E, não raro, setores da academia tentam relativizar essas questões estabelecendo pontos de fuga para esse elemento central que é nossa inexorável barbárie cotidiana - que cada vez menos pessoas estão sabendo reinventar em atitudes e sensibilidades positivas.

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