Os titãs negros (Coltrane, Adderley e Miles) e o "branquelo": no palco, apenas Evans não recebia aplausos |
Ruy Castro tem uma definição que considero muito apropriada para o horizonte étnico da historiografia do jazz. Diz ele: "A vida para os músicos de Duke Ellington, Cab Calloway ou Count Basie não era tão confortável quanto a dos músicos de Benny Goodman, Artie Shaw ou Tommy Dorsey. Mas isso tinha mais a ver com a doença da sociedade americana do que com o jazz em si. Já o racismo ao contrário é uma doença específica do jazz". Castro se refere ao fato de que um músico da grandeza de um Bill Evans, por exemplo, raramente têm a sua posição e sua colaboração para a história do jazz devidamente contemplada pelos historiadores. Uma contribuição que, no caso de Evans, é também fundadora (pela reinvenção dos trios de piano, entre outras) e regimental, na medida em que venceu a resistência das plateias (negras e brancas) e dos narradores do jazz.
Há um disco ao vivo de Miles Davis, com quem Evans tocou naquele que seria o dream team da carreira do trompetista, chamado Four-Play, em que a plateia distribui aplausos generosos e entusiasmados aos solos de todos os músicos do grupo, menos para os do pianista, o branquelo de costas arqueadas que era o ponto fora da curva racial desenhada no palco por Coltrane, Cannonball, Paul Chambers, Jimmy Cobb e Miles. Mal comparando - mesmo porque as trincheiras raciais no Brasil são outras - era como se o público de chorinho só creditasse méritos a Pixinguinha e ignorasse deliberadamente Jacob do Bandolim. "As plateias negras e também as brancas não o perdoavam por ter tomado o lugar de Red Garland (no grupo de Miles)", conta Ruy na ótima coletânea Tempestado de Ritmos. "Por ironia, criou-se um apartheid com sinal trocado, no qual os músicos brancos foram as vítimas. Um apartheid do qual todos temos sido cúmplices", defende.
Em resumo: saber da contribuição branca ao jazz, e mais especificamente da contribuição de Evans, é também saber da evolução de um gênero musical que emociona e se embrenha na alma humana em camadas que estão muito além da (cor da) pele.
No vídeo abaixo, o pianista interpreta "Minha", do brasileiro Francis Hime.
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