quarta-feira, 27 de abril de 2011

Laerte

Ai d'eu sodade

Abaixo, o vídeo de Sandra Ribeiro inspirado na música "Ai d'eu sodade", também conhecida como o "ABC do Preguiçoso" ou hino informal dos baianos. Xangai tem uma interpretação genial dessa toada no primeiro Cantoria. Os protagonistas são os atores Aramis Trindade e Zuleica Ferreira.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Alô, alô Minnesota! Aquele abraço!

Blue e Jade: clichês não embaraçam ufanistas nem apátridas

O mercado blockbuster norte-americano é o campo do estereótipo e do clichê; cinema pode ser uma outra coisa. É preciso retornar a esse ponto de partida para poder assistir sem grilos de consciência (e, sim, curtir bastante) a animação Rio. Os estereótipos sobre o Brasil estão lá, mas não causam maiores embaraços, nem aos ufanistas nem aos apátridas de plantão; e emolduram a divertidíssima história contada com maestria por Carlos Saldanha. O requinte da recriação do Rio de Janeiro através da computação gráfica é um espetáculo à parte (ou ao centro) e, muito longe daquele país abandonado à própria sorte, esquecido por Deus e lembrado apenas pelos turistas à caça de putas a céu aberto ("Blame it on Rio", "Turistas", etc), o que pulsa ao longo da regimental hora e meia de duração é um local exuberante e apoteótico, mas também (Saldanha faz questão de nos lembrar com uma leveza que talvez seja sua grande sacada) contraditório e desigual. O que importa, no entanto, são mesmo as hilárias desventuras das duas araras protagonistas e seus atrapalhados parceiros. No mais, apenas os moradores de Minnesota, contraponto gelado e enfadonho ao cenário quente e colorido em que transcorre a história, são os únicos com reais motivos pra reclamar do filme.

domingo, 24 de abril de 2011

Evans e o apartheid com sinal trocado

Os titãs negros (Coltrane, Adderley e Miles) e o "branquelo": no palco,
apenas Evans não recebia aplausos

Ruy Castro tem uma definição que considero muito apropriada para o horizonte étnico da historiografia do jazz. Diz ele: "A vida para os músicos de Duke Ellington, Cab Calloway ou Count Basie  não era tão confortável quanto a dos músicos de Benny Goodman, Artie Shaw ou Tommy Dorsey. Mas isso tinha mais a ver com a doença da sociedade americana do que com o jazz em si. Já o racismo ao contrário é uma doença específica do jazz". Castro se refere ao fato de que um músico da grandeza de um Bill Evans, por exemplo, raramente têm a sua posição e sua colaboração para a história do jazz devidamente contemplada pelos historiadores. Uma contribuição que, no caso de Evans, é também fundadora (pela reinvenção dos trios de piano, entre outras) e regimental, na medida em que venceu a resistência das plateias (negras e brancas) e dos narradores do jazz.
Há um disco ao vivo de Miles Davis, com quem Evans tocou naquele que seria o dream team da carreira do trompetista, chamado Four-Play, em que a plateia distribui aplausos generosos e entusiasmados aos solos de todos os músicos do grupo, menos para os do pianista, o branquelo de costas arqueadas que era o ponto fora da curva racial desenhada no palco por Coltrane, Cannonball, Paul Chambers, Jimmy Cobb e Miles. Mal comparando - mesmo porque as trincheiras raciais no Brasil são outras - era como se o público de chorinho só creditasse méritos a Pixinguinha e ignorasse deliberadamente Jacob do Bandolim. "As plateias negras e também as brancas não o perdoavam por ter tomado o lugar de Red Garland (no grupo de Miles)", conta Ruy na ótima coletânea Tempestado de Ritmos. "Por ironia, criou-se um apartheid com sinal trocado, no qual os músicos brancos foram as vítimas. Um apartheid do qual todos temos sido cúmplices", defende.
Em resumo: saber da contribuição branca ao jazz, e mais especificamente da contribuição de Evans, é também saber da evolução de um gênero musical que emociona e se embrenha na alma humana em camadas que estão muito além da (cor da) pele.

No vídeo abaixo, o pianista interpreta "Minha", do brasileiro Francis Hime.

Quem não se comunica...


Um começo de conversa aos que chegaram com o bonde andando, mas também três produtivas reflexões sobre distorções, boçalidades e mitificações que (des)regulam o campo da comunicação no País. A primeira, Bia Barbosa (foto acima), do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, pontua as pendências constitucionais sobre o tema e aponta perspectivas para o debate sobre a democratização da comunicação que poderá chegar este ano ao Congresso. Sérgio Amadeu, professor da UFABC, discute a estrutura da Internet no País e defende a banda larga efetivamente democratizada. Por fim, Rachel Moreno, do Observatório da Mulher discute estereótipos e mitificações em torno da imagem da mulher no campo da grande mídia. As falas fizeram parte do encontro de blogueiros progressistas, realizado em São Paulo entre os dias 15 e 17 de abril.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Milagres do povo



"Quem é ateu e viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem Deus
Não cessam de brotar, nem cansam de esperar
E o coração que é soberano e que é senhor
Não cabe na escravidão, não cabe no seu não
Não cabe em si de tanto sim
É pura dança e sexo e glória, e paira para além da história

Ojuobá ia lá e via
Ojuobahia
Xangô manda chamar Obatalá guia
Mamãe Oxum chora lagrimalegria
Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ia
Ojuobá ia lá e via
Ojuobahia
Obá

É no xaréu que brilha a prata luz do céu
E o povo negro entendeu que o grande vencedor
Se ergue além da dor
Tudo chegou sobrevivente num navio
Quem descobriu o Brasil?
Foi o negro que viu a crueldade bem de frente
E ainda produziu milagres de fé no extremo ocidente

Ojuobá ia lá e via
Ojuobahia
Xangô manda chamar Obatalá guia
Mamãe Oxum chora lagrimalegria
Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ia
Ojuobá ia lá e via
Ojuobahia
Obá"

"Milagres do povo", Caetano Veloso

As novas raposas de Seattle


Fleet Foxes é uma banda de Seattle, a mesma cidade que há 20 e poucos anos exportou o grunge para o mundo inteiro. Nada, no entanto, podia ser tão dissonante à fúria e ao ruído de Cobain e cia. Robin Pecknold e suas "raposas" são epígonos do melhor folk-rock sessentista, ecoando Dylan, Simon, Garfunkel e Young em belos arranjos vocais e composições de crescente arrebatamento. "Baroque Harmonic Pop Jams" é como definem seu som. Pernosticismo à parte, o fato é que poucas vezes o pop harmônico soou tão elaborado. Para este blogueiro, um ex-roqueiro com quase nenhuma paciência para a petulância infantil e para auto-indulgência do rock de nossos dias, composições como "Blue ridge Mountains", "Ragged Woods" e "White Winter Hymnal" soam como um inspirador alento. Abaixo, registros do primeiro álbum da banda (capa acima), lançado em 2008.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Maracanã não é mais nosso!


O texto abaixo foi publicado hoje n´O Globo e é de autoria de Pedro Motta Gueiros.

No slideshow de imagens chocantes que entram pelas janelas abertas do mundo, é difícil separar o real do virtual.
Entre desastres naturais e dramas humanos, o Maracanã em escombros se confunde com mais uma tragédia.
Recriar a realidade dentro do estádio é uma metáfora gasta e perigosa.
De todas as brincadeiras do mundo, o futebol talvez seja apenas a mais séria.
É nesse espaço do lúdico e da fantasia que se fortalecem a identidade e os laços de uma cultura.
Para quem guarda naquele quarteirão entre a Eurico Rabello e Radial Oeste boa parte das melhores memórias afetivas, encontrar o Maracanã como uma boca banguela à espera de um implante traz o desconforto de uma cadeira de dentista.
Na estética elitizada da indústria do entretenimento, o sorriso construído para um mês de Copa do Mundo esconde a cara – às vezes desdentada, às vezes não, mas nossa! – do torcedor brasileiro.
Nada disso será levado em conta daqui a três anos e três meses, quando o dirigível de um dos patrocinadores enviar ao mundo imagens aéreas do estádio lotado para a decisão.
No momento da glória e do êxtase, serão exaltados os acertos da empreitada, a beleza da nova arena e, quiçá, a presença da seleção brasileira em mais uma final (será?).
Mas hoje, as perdas ainda se impõem aos ganhos.
Com a necessidade de refazer toda a cobertura, o orçamento bateu no teto.
Além do gasto de R$1 bilhão na reforma de um estádio que já passara por duas grandes intervenções apenas neste século, há prejuízos concretos e subjetivos a serem contabilizados.
Num momento em que o futebol do Rio tem os últimos dois campeões brasileiros e volta a exercer atração sobre grandes estrelas, a operação não se completa sem que o Rio tenha o seu grande (outrora grande) palco e sua caixa de ressonância.
Na simetria de seus anéis, o estádio funcionava como um dínamo gerador de energia limpa e de ondas sonoras, rítmicas e musicais, que ecoavam pelas suas arquibancadas junto com o sinal radiofônico de tempo e placar no Maraca.
Seja pela questão financeira ou pela transformação do espaço público, não há mais retorno possível desta atmosfera.
Para comportar camarotes, espaços vips e a nova face de megaeventos cada vez mais corporativos, as intervenções vão mexer na forma e no conteúdo simbólico e efetivo do estádio.
É como se, do dia para noite, o carioca fosse privado de ir à praia no lugar que frequenta há anos e ao voltar, três anos depois, não encontrasse mais sua turma, e a areia fosse substituída por cimento.
A transformação começou na preparação para o Mundial de Clubes de 2000, sempre para atender às imposições da Fifa.
No lugar do livre movimento das massas, que fazia o cordão de isolamento dos policiais se deslocar de acordo com a proporção entre as torcidas, chegou o momento de se estabelecer limites, divisórias e uma certa segregação, a começar pelo banimento definitivo da geral.
A partir do ocorrido na Europa, em que a presença de torcedores em pé concorreu para a tragédia de Heysel, nos anos 80, o efeito dominó derrubou não só alambrados, mas a maior parte das outras formas de se ver futebol.
No Maracanã, no entanto, a geral, sempre foi vítima e não responsável pela violência.
As maiores violências registradas no setor mais popular do estádio vinham de cima, dentro dos copos arremessados das arquibancadas.
Com espírito esportivo para se misturar aos rivais e não ver muito mais do que as canelas de seus ídolos, restava ao geraldino o faro para identificar se a bomba era de xixi ou cerveja.
O resto era festa.
Mas resistir é possível.
Julgar uma cultura pelos valores da outra é um atentado à singularidade e até à soberania de cada região.
Na Alemanha, o respeito às convenções internacionais não exclui a manutenção das tradições locais.
Para as competições sob organização da confederação europeia, o Westfallen Stadium, em Dortmund, tem 100% de sua audiência sentada em lugares marcados.
Para os jogos da liga nacional, os assentos são removidos para a torcida vibrar à sua maneira, de pé, no embalo e da cerveja e da paixão alemã pelo futebol! Rio de Janeiro?
Mas no Brasil o caminho sem volta leva a um impasse e faz pensar se vale mesmo à pena trocar uma construção de 61 anos por um mês de futebol nos padrões de assepsia impostos pelos donos da festa e seus parceiros comerciais.
Na finalíssima do campeonato de futebol americano quase a totalidade do estádio é bloqueada pelos patrocinadores que oferecem ingressos como forma de premiar seus funcinários.
Na Copa do Mundo de 2014, as agências de viagem e empresas têm prioridade semelhante. Nestes termos, não seria melhor ter feito um estádio novo de acordo com interesses particulares para preservar o bem público com suas características genuínas?
Ponto de fusão da democracia social, o Maracanã não é chamado de templo apenas por força de expressão.
A explosão do gol e da fraternidade no abraço ao torcedor desconhecido era versão esportiva de uma cerimônia religiosa.
Não se mexe no teto da Capela Sistina. Se restaura, quando necessário.
Estar no Maracanã tem, ou tinha, a dimensão do sagrado.
Das primeiras experiências pelas mãos do pai ao gosto de nostalgia do mate espumante, a vida passa num outro slideshow, este de imagens sublimes.
Hoje, o que se vê é uma boca banguela.
Junto com a queda das arquibancadas, implode também parte da alma carioca.
Que o velho gigante, para sempre adormecido, descanse em paz.
Depois de uma destruição, é uma defesa natural do homem tentar transformar o horror em alento.
Além dos escombros e das ilusões perdidas, só nos resta a esperança de que a vida e o Maracanã possam ser melhores daqui para frente.

domingo, 17 de abril de 2011

Marta Argerich

A Sonata K. 141, de Scarlatti (1685-1757), com sua cascata de notas repetidas e alternadas, é uma das peças mais difíceis para o piano. Nas mãos de Martha Argerich, ganha um pulso ainda mais vigoroso, "mais rápido que jamais se imaginou", como defende Arthur Nestrovski em Outras Notas Musicais. "Com ela, não parece só o mais rápido, mas o mais certo e o mais natural. É um dos raros momentos em que a dificuldade técnica transparece no rosto da pianista. Mas transparece de modo mais delicado e bem-humorado: num biquinho que ela faz com a boca, além de cantarolar as melodias".

sábado, 16 de abril de 2011

Cabine: Almas à venda


Cinismo e surrealismo se amparam de forma brilhante nesta curiosa produção dirigida por Sophie Barthes (também roteirista). O ótimo Giamatti interpreta a si mesmo, um ator em crise conjugal e profissional que não suporta mais o fardo das emoções que tem de levar ao palco. Através de um artigo na New Yorker, ele descobre um inusitado serviço de extração e locação de almas. Em meio à desventura particular de não encontrar o tom adequado para seu personagem na versão de Tio Vanya, de Tchekhov, que está prestes a estrear; Giamatti se envolve de forma tragicômica com uma rede russa de traficantes de alma. Nada de tão surreal que você já não tenha visto - inclusive com um roteiro melhor acabado - em Buñuel ou no Gondry de Brilho Eterno... Mas vale pela atuação de Giamatti (como sempre), pelo tempero de cinismo ao melhor estilo Woody Allen que costura muitos dos diálogos e, afinal, pela alegoria bem-humorada em torno da mercantilização da existência.

Zappa

Quando a caretice ao seu redor lhe soar insuportável, Frank Zappa é tiro certo. Detalhe, no vídeo abaixo, para Steve Vai na guitarra fazendo os "solos impossíveis", na definição do próprio Zappa.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O inferno são os outros


Dirigir em Fortaleza é um verbo intransitivo. Eu dirijo e ponto. Eu sigo lento na faixa esquerda, eu paro em faixa dupla, eu faço conversões proibidas, eu fecho cruzamentos. Eu posso. Eu, eu, eu. E o restante dos motoristas que se dane. O inferno são os outros. Ao volante, o fortalezense perde o registro da alteridade e revela sua face mais sórdida, sua vocação para a tirania e para a grosseira. Leso ou tosco, a Cidade tem o pior motorista do Brasil. Uma cidade de formação despudoramente patrimonialista, tocada por uma elitezinha escrota, incivilizada e acéfala, que emporcalha as ruas pelo vidro da Hilux e quer politizar engarrafamentos e buracos, não podia gerar outro tipo de trânsito. Ai de ti, Fortaleza - essa falsa holandesa que se deslumbrou com seu rosto refletido numa imensa poça de lama na Aldeota e mal sabe dar na Dom Manuel. Agroboys e playboys de todas as classes sociais saúdam tuas distâncias. E estupram tua delicadeza.