quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O planeta politicamente incorreto


"Maluf se entrega à polícia”. “Nelson Ned é o novo Menudo”. “Paulo Francis na presidência da Funai”. “Newton Cruz prende Deus”. Essas e outras manchetes esdrúxulas estampavam a capa da primeira edição do Planeta Diário, um jornaleco criado pelos humoristas Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva e auto-intitulado “o maior jornal do planeta”. Terminava o ano de 1984 e o Brasil apenas começava a sacudir a poeira da ditadura, esperando dar a volta por cima do autoritarismo, da quebradeira econômica, do obscurantismo moral, etc. Toda uma geração, que passara a adolescência debaixo das barbas dos generais, chegava à maturidade (ou quase) sem saber direito o que fazer com aquele novo clima de liberdades individuais. Os três “editores” do Planeta também não. Na dúvida, resolvem sair esculachando, literalmente, com Deus e o mundo. Para bem e para o mal, nascia um novo formato de humor no Brasil.

“Candidatos epiléticos se debatem na TV”. “Acidente nuclear: cadáveres de Goiânia estão fora de perigo”. “Cai a estabilidade no emprego: Sarney é demitido por justa causa”. “113,7% dos eleitores acham que pesquisas estão erradas”. “Afif prometeu aos que o mandaram à merda que ‘juntos chegaremos lá’”. “Até japoneses acham o mínimo ridículo”. “Mala estava vivo: Oswaldo Montenegro encontrado a salvo na bagagem do boeing”. Entre o besteirol mais cretino e o politicamente incorreto mais despudorado, esse era o tom das manchetes do jornal. Nos editoriais, algumas das bandeiras e compromissos da “instituição”: “O povo brasileiro, que já é meio burro, não está entendendo nada: o presidente não usa mais aliança e cueca, Jânio Quadros parou de beber e na União Soviética o comunismo, o pão, o açúcar e a batata acabaram”.

Já os leitores interessados em economia não podiam perder seções de serviço como “Seu dinheiro... porque o meu já acabou” ou “Economia popular: formas alternativas de sobrevivência”. Os mais descolados podiam acompanhar discussões sobre a depressão de Zé Ramalho ou o legado de On the Road (devidamente traduzido para “Abre a rodinha”).

A editora Desiderata – que tem lançado ótimos títulos de Millôr Fernandes, Ivan Lessa e congêneres – montou uma coletânea com o melhor (o melhor?) das 77 edições do Planeta Diário, que conseguiu sobreviver até 1991, quando dois de seus editores se juntaram ao Casseta Popular, outro “periódico” canastrão da época, e, numa fusão nada murdochiana, formaram o Casseta & Planeta. Cláudio Paiva virou redator da Globo. Hoje, Hubert, Reinaldo e cia. estão plenamente domesticados pelos padrões globais de produção, por seus próprios clichês e pelo “trocadilhismo”, a doença infantil do humor. Na época do Planeta Diário, no entanto, suas edições cuspiam abelha – e não raro cometiam o que hoje seriam considerados “excessos” de deixar a turma do Pânico na TV! pouco à vontade. 

Nenhum comentário: