quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Konstantinos Kaváfis
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Poemetes araújos - V
Nega, vamos pra longe
Vamos pra onde a alegria é certa
Longe dessa gente careta
Longe da covardia, dessa treta
Vamos cantar de peito limpo e cara aberta
Nega, vamos pra longe
Vamos pra onde o samba impera
Longe dessas gravatas
Longe da solidão, dessas bravatas
Vamos dançar que o sol nos espera
Nega, vamos pra longe
Que o amor há de ser grato
Com quem ilumina uma noite dessa
Comigo não há falta, não há pressa
Tenho apenas o samba
Que tudo inicia
Que tudo irradia
Que tudo cessa
Fortaleza, outubro de 2009
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Nelson: Freire
Exaltar, portanto, sua arte somente a partir de seu virtuosismo (como foi o caso de filmes que abordaram outros pianistas famosos) é por demais tentador. No contexto do documentário de João Moreira Salles, porém, essa esquematização chega a parecer um tanto óbvia e beira a desimportância. Em Nelson Freire, o filme, o assombro dos dedos sobre o piano é apenas uma das pinceladas que o diretor usa para reconstituir em aquarela o perfil do pianista.
O documentário tem pouco mais de uma hora e meia de duração, ao longo da qual esse decantado virtuosismo se mistura a uma série de outras perspectivas sugeridas pela figura de Nelson: sua serenidade e sua imaginação poderosa diante de uma peça erudita, o frisson que suas apresentações despertam mundo afora, seu rigor técnico e sua disciplina quase sufocantes, ou ainda seu fascínio pelos mestres Guiomar Novaes e Artur Rubinstein.
No roteiro sinuoso do documentário, a vertigem do piano dilui-se, fundamentalmente, num sentimento de abandono e de entrega que pontua cada nota das interpretações de Nelson. É esse viés que forma o matiz mais forte do quadro pintado por Salles. Criança doente, criada no isolamento dos estudos e das partituras, longe dos primos e das brincadeiras de rua, Freire teve a música como sua principal interlocutora. E foi a partir desse diálogo solitário que conseguiu orientar e dar sentido a todo seu universo de desejos e emoções.
Sua ética, por exemplo, não pertence ao terreno movediço da pabulagem e da fama. Para Nelson, poucas coisas são mais embaraçosas do que a badalação dos fãs nos camarins ou o burburinho da imprensa. A música é sua razão última e sem ela nada se justifica, nada se movimenta. Nem memória nem afetos. Nem mesmo o mundo verbal parece guardar algum sentido em sua vida. Na verdade, as palavras lhe são quase um não-dizer, dão-se sempre numa expressão tímida, contida.
O verbo de Nelson é outro. Sua sintaxe se dá entre claves, compassos e colcheias. Nessa gramática, ele tenta traduzir a seu modo toda a história da humanidade em busca do sublime. No filme de Salles, esse esforço de vida inteira se dá entre o prolixo Rachmanioff e o caudaloso Villa-Lobos, entre o Chopin fundamental e o Schumann da Fantasia em dó maior. Entre catedrais, enfim, da cultura humana que acabaram por justificar sua própria existência. E que estão permanentemente a legitimar a nossa.
Stefan Zweig e o banquete de brasilidade
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Céu embaixo
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
O planeta politicamente incorreto
"Maluf se entrega à polícia”. “Nelson Ned é o novo Menudo”. “Paulo Francis na presidência da Funai”. “Newton Cruz prende Deus”. Essas e outras manchetes esdrúxulas estampavam a capa da primeira edição do Planeta Diário, um jornaleco criado pelos humoristas Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva e auto-intitulado “o maior jornal do planeta”. Terminava o ano de 1984 e o Brasil apenas começava a sacudir a poeira da ditadura, esperando dar a volta por cima do autoritarismo, da quebradeira econômica, do obscurantismo moral, etc. Toda uma geração, que passara a adolescência debaixo das barbas dos generais, chegava à maturidade (ou quase) sem saber direito o que fazer com aquele novo clima de liberdades individuais. Os três “editores” do Planeta também não. Na dúvida, resolvem sair esculachando, literalmente, com Deus e o mundo. Para bem e para o mal, nascia um novo formato de humor no Brasil.
“Candidatos epiléticos se debatem na TV”. “Acidente nuclear: cadáveres de Goiânia estão fora de perigo”. “Cai a estabilidade no emprego: Sarney é demitido por justa causa”. “113,7% dos eleitores acham que pesquisas estão erradas”. “Afif prometeu aos que o mandaram à merda que ‘juntos chegaremos lá’”. “Até japoneses acham o mínimo ridículo”. “Mala estava vivo: Oswaldo Montenegro encontrado a salvo na bagagem do boeing”. Entre o besteirol mais cretino e o politicamente incorreto mais despudorado, esse era o tom das manchetes do jornal. Nos editoriais, algumas das bandeiras e compromissos da “instituição”: “O povo brasileiro, que já é meio burro, não está entendendo nada: o presidente não usa mais aliança e cueca, Jânio Quadros parou de beber e na União Soviética o comunismo, o pão, o açúcar e a batata acabaram”.
Já os leitores interessados em economia não podiam perder seções de serviço como “Seu dinheiro... porque o meu já acabou” ou “Economia popular: formas alternativas de sobrevivência”. Os mais descolados podiam acompanhar discussões sobre a depressão de Zé Ramalho ou o legado de On the Road (devidamente traduzido para “Abre a rodinha”).
A editora Desiderata – que tem lançado ótimos títulos de Millôr Fernandes, Ivan Lessa e congêneres – montou uma coletânea com o melhor (o melhor?) das 77 edições do Planeta Diário, que conseguiu sobreviver até 1991, quando dois de seus editores se juntaram ao Casseta Popular, outro “periódico” canastrão da época, e, numa fusão nada murdochiana, formaram o Casseta & Planeta. Cláudio Paiva virou redator da Globo. Hoje, Hubert, Reinaldo e cia. estão plenamente domesticados pelos padrões globais de produção, por seus próprios clichês e pelo “trocadilhismo”, a doença infantil do humor. Na época do Planeta Diário, no entanto, suas edições cuspiam abelha – e não raro cometiam o que hoje seriam considerados “excessos” de deixar a turma do Pânico na TV! pouco à vontade.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Água, terra, ar e Montarroyos
Márcio Montarroyos (1949-2007) foi uma das grandes eminências do instrumental brasileiro. Seu estilo preciso e arrojado, além da defesa tenaz da música instrumental made in Brazil, lhe projetaram internacionalmente e chamaram atenção de músicos do quilate de Stevie Wonder, Sarah Vaughan, Carlos Santana e Ella Fitzgerald, com quem dividiu palcos e estúdios. Por aqui, seus solos figuram em discos de quase todos os grandes medalhões da MPB, de Jobim a Gismonti, Caetano a Maria Bethânia, numa extensa galeria a perder de vista. De sua discografia solo, destacam-se discos como Sessão Nostalgia (1973), Stone Alliance (1977) e Terra Mater (1989). Em 1989, Montarroyos participou do álbum duplo Concerto Planeta Terra, um registro de show antológico realizado no Parque do Ibirapuera ao lado do pianista Nelson Ayres, do guitarrista Toninho Horta e do saxofonista Nivaldo Ornelas, tendo como banda de apoio ninguém menos que Carlos Bala na bateria, Zeca Assumpção no baixo e a orquestra sinfônica de Campinas. No disco, cada músico do quarteto principal interpreta uma peça de próprio punho. Nelson ficou com "Água"; Ornellas, com "Ar"; e Toninho, com "Terra". Montarroyos, o que dá bem a medida de seu estilo, ficou com "Fogo".