sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Perguntas e respostas

É de Décio Pignatari, a observação segundo a qual, em nossos dias, a resposta esterelizante - "não vale a pena" - parece substituir a pergunta criativa - "e agora, que fazer?". No campo da música popular, a maior parte de nossos artistas parece engessado pela primeira e são raros os que enfrentam a segunda de maneira franca. Entre estes, são ainda mais raros os que conseguem propor algo efetivamente interessante sem cair em certos maneirismos; dos quais um dos mais perigosos, a meu ver, é aquele que vê na mistura aleatória de linguagens, no cruzamento atabalhoado de informações, uma tábua de salvação estética. Em geral, eles atuam como o cozinheiro que se encanta com uma enormidade de ingredientes para sua refeição, decide usar todos e, por fim, acaba por anular as particularidades de cada sabor, as nuances de cada elemento usado no prato, servindo ao seu desafortunado cliente uma comida que não tem gosto de nada.
Um disco lançado recentemente enfrenta de maneira corajosa a provocação do poeta concretista, fugindo dessa tentação da "mistura" e propondo novas abordagens para a música popular. Trata-se do segundo volume da série Brasilianos, do quinteto de Hamilton de Holanda. Nesse trabalho, Hamilton leva a um patamar ainda mais alto a tensão e as experimentações a que tem submetido não só a tradição da música instrumental no Brasil mas os próprios limites harmônicos e timbrísticos do bandolim. Não à toa, por exemplo, se notabilizou por utilizar um instrumento de dez cordas, duas além das oito tradicionais. 
Nesse Brasilianos 2, a virtuose é o caminho percorrido pelo quinteto para afirmar seu próprio texto, sua própria expressão. O que não significa apenas correria ou malabarismos cromáticos. Mas a elaboração de texturas, diálogos e contrapontos que fazem transbordar pelo disco uma enorme sensação de liberdade - que começa na pouco usual constituição do quinteto (contrabaixo, violão, gaita, bateria e bandolim). 
Em "A vida tem dessas coisas", uma das faixas mais representativas do estilo e do vigor de Hamilton de Holanda, o afro-samba recebe pitadas de Villa-Lobos entre os bordões do contrabaixo e do violão. Em "O mundo não se acabou", a vertigem do maculêlê faz a cama para a cascata de notas com tal exuberância que poderia fundir a cuca de um crítico de jazz mais careta. "Carolina de Carol" aproxima o ijexá da salsa e tenta traduzir a confusão de uma brincadeira entre várias crianças - como o são, afinal, Hamilton e seus escudeiros pela absoluta falta de medo do perigo, do desconhecido. "Tamanduá" e "Estrela Negra" entregam o que o samba "Ano bom", que abre o disco, prometia. Rara felicidade.
Hamilton e seu quinteto podem até nem responder devidamente à provocação de Pignatari. Mas, no mínimo, propõem novas perguntas que são tão ou mais interessantes que uma resposta pronta. 
Abaixo, o quinteto em ação.


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