quarta-feira, 18 de julho de 2012
O tempo de Zé Ramalho
Depois de cinco anos dedicados a tributos a outros artistas, Zé Ramalho volta a lançar um disco de inéditas. Em Sinais dos Tempos, o cantor e compositor paraibano retoma sua produção autoral e também as sonoridades lisérgicas e a poética surrealista que impregnaram suas melhores composições e seus melhores trabalhos. O novo CD, o vigésimo sexto disco de carreira, chega ao mercado pelo selo Avôhai Music, criado por Zé em parceria com a esposa, Roberta Ramalho.
“Depois que passei dos 60, parece que os anos estão correndo. Me vejo num mundo louco, rápido e cruel e tendo de me inspirar nele para fazer minha obra de arte”, ele explica no material de divulgação do CD. “Os fãs vinham cobrando um disco autoral, mas passei os últimos cinco anos refletindo sobre mudanças que ocorreram e fazendo músicas aos poucos”.
Ao longo desse período, Zé travou um longa batalha na justiça para poder gravar seus próprios sucessos. Ao lado de artistas como Roberto e Erasmo Carlos, brigou contra um grupo de editoras musicais que tentou aumentar as taxas cobradas das gravadoras para a utilização das músicas em CDs e DVDs. Moveu uma ação contra a editora EMI Songs – que fazia parte do grupo denominado Associação Brasileira dos Editores de Música (Abem) – e tentou rescindir os contratos através dos quais cedeu os direitos patrimoniais de suas canções.
Em 2005, ao lançar o CD e o DVD Ao Vivo, com que comemorava seus 30 anos de carreira, Zé teve os produtos tirados de circulação – apenas a primeira tiragem foi vendida. O cantor partiu, então, para uma série de homenagens a outros artistas, como Bob Dylan, Beatles, Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, até conseguir a vitória nos tribunais.
No novo CD, o desgaste do período de litígio é lembrado na faixa “Indo com o tempo”, em que ele canta: “Não perdoarei a quem me trouxe dor”. Mas as incursões pela obra de seus ídolos e alguns episódios de sua vida pessoal - como o nascimento dos netos e a parceria profissional com a esposa - fizeram o artista sublimar a mágoa das editoras e se inspirar para os novos vôos registrados no disco. “Estão no álbum lembranças e vivências, algumas de forma mais aberta e outras mais enigmáticas”, explica.
Robertinho do Recife
O álbum é dirigido e produzido por Robertinho do Recife e pelo próprio Zé Ramalho. A Banda Z escolta o paraibano em todas as gravações: Chico Guedes (contrabaixo), Edu Constant (bateria), Dodô de Moraes (teclados), Toti Cavalcanti (sopros) e Zé Gomes (percussão). A cantora Roberta de Recife, filha de Robertinho; e o guitarrista norte-americano Jesse Robinson fazem participações especiais no disco.
“É um album para pessoas que estavam aguardando novas produções musicais minhas, sem maiores pretensões. É a continuidade do meu trabalho, minha leitura do mundo atual e minha maturidade como homem e compositor. É a vontade de continuar levando essa vida de shows, estúdio, gravações e de oferecer o que crio”, explica.
Todas as 12 faixas são de sua autoria. As letras alternam referências a outros ídolos do compositor - como Pink Floyd e Carlos Drummond de Andrade -, que é citado em “Lembranças do primeiro” (“No meio do caminho há uma pedra. Deixe-a, não a remova”); e a canções que marcaram a trajetória do paraibano - como “A terceira lâmina”, “Beira-Mar” e “A noite preta”, lançada em seu disco de estreia e que recebe agora o contraponto poético em “A noite branca”.
“Há uma crueldade em relação à máquina do mundo hoje em dia, com toda essa correria. Mas não deixo pra trás nada do que eu sou”, afirma. Inquietações filosóficas que volta e meia vão dar no tema da morte também permeiam o CD. Sobretudo em “Olhar alquimista”, em que ele canta: “Aonde me viram não mais verão os alquimistas e os anciões”. “A morte é uma coisa sobre a qual já comecei a pensar. Ela está também na primeira faixa, quando canto: ‘será que chegarei à terra prometida ou atravessarei o túnel de luz’. Não que eu me sinta perto de morrer, mas tenho uma curiosa especulação e penso muito nisso hoje em dia”, avalia.
Ao deixar de lado o caminho dos discos-tributo e voltar a produzir um CD de inéditas, Zé Ramalho muda para permanecer o mesmo: eloqüente e claro em seus enigmas.
Matéria publicada no caderno Vida & Arte, do jornal O POVO, edição do dia 18 de julho.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário