quarta-feira, 25 de maio de 2011

Bob Dylan: 70 anos em 10 discos (parte I)

1. Bob Dylan (1962)
Em três dias de estúdio, que custaram à Columbia não mais que US$ 400, Dylan gravou seu disco de estreia. Na sala, nada além de dois microfones, seu violão e sua gaita. O disco emperrou nas lojas e desagradou o próprio cantor, que registrou "umas coisas que escrevi, umas coisas que descobri e umas coisas que roubei".  Até hoje, no entanto, o título está em catálogo e já saiu em um sem número de edições (prefira a Mono!). É um pequeno mapa da matriz folk/country/blues com que Dylan desembarcou em Nova York e apresenta um músico vigoroso ao violão. As versões de "House of the rising sun", "Baby let me take you down", "See that my grave is kept clean" e "Man of Constant Sorrow" giram no meu i-tunes quase diariamente. Vale também espiar as autorais, especialmente "Song to Woody", tributo a Woody Guthrie, o cara que colocou Dylan nos trilhos do folk e da constestação. Era o esboço do poeta lendário que estaria por vir - e que mudaria o mundo e a música, além do amor, da saudade ou qualquer outro tema que lhe caísse nas mãos.



2. Another side of Bob Dylan (1964)
A primeira fase da carreira de Dylan foi, para muitos, a mais inspirada. Embora seja um pensamento um tanto reducionista, é inegável que nela se situa a maior parte de suas grandes canções. No entanto, seus primeiros anos de gavação também podem ser resumido num chatíssimo conflito (pelo menos na cabeça dos fãs mais radicais) entre o que era a música folk tradicional, "pura", "desplugada", "imaculada", etc; e a nascente eletrificação do rock e da música pop (terrenos que Dylan pisaria com maestria). Os gritos de "Judas!" e "Traidor!" começaram a ser ouvidos nos shows e a paciência do cantor foi ao limite. Os excepcionais e obrigatórios Freewheeling Bob Dylan (1963), The times they are a-changing (1964) e Bringing it all back home (1965) pontuam essa fase. São discos monumentais, mas em torno dos quais foi construído um estereótipo de Dylan (o cara meio-hippie, meio bêbado, que tem voz esquisita e canta música folk de "protesto" acompanhado apenas de um violão e de uma gaita).  No entanto, há nesse bolo um disco intrigante: Another side of Bob Dylan (1964). Espécie de manifesto de revolta e insatisfação com essa imagem e sua suposta "função" no mainstream musical. Aqui, ele começou a anunciar que não queria mais ser profeta, porta-voz nem nenhuma outra persona que a crítica ou os fãs quisessem lhe impor. A começar pelo título. No discurso, Dylan começava a desconstruir aquele estereótipo. Curiosamente, era um disco acústico, com acompanhamento feito apenas com violão, gaita ou piano. A desconstrução sonora do estereótipo viria mais tarde - ou pensando bem viria ao longo de toda sua carreira. Destaque para "It ain't me babe" e a lindíssima "My back pages".



3. Highway 61 revisited (1965)
Na época, apenas Dylan poderia dispensar Eric Clapton e os Bluesbreakers por não gostar da sonoridade do grupo. O jeito foi gravar com a guitarra de Mike Bloomfield e o teclado de Al Kooper, que nem ao menos sabia tocar o instrumento. E a alquimia que surgiu desse encontro foi tamanha que mudou a música de Dylan e rendeu um de seus melhores discos. Pauleira do começo ao fim: da paradigmática "Like a rolling stones" aos versos eliotianos de "Desolation Row", que fecha o disco. Entre uma e outra, marcos como "Tombstone Blues", "It takes a lot to laugh..." e "Ballad of a thin man". Não conhece nada de Dylan? Comece por esse disco.




4. Blonde on blonde (1966)
Chegamos aqui a um nível de realização artística que colocou Dylan em definitivo entre os grandes músicos populares do século XX. Gravado com o acompanhamento de músicos de Nashville, que lhe encantaram pelo talento e pela discrição - ao contrário da azáfama de Nova York -, Blonde on Blonde se alterna entre canções de amor extremamente doloridas e a mais vigorosa celebração do blues. Brian Hinton, no Gravações Comentadas, lançado no Brasil pela Larousse, conta que os músicos jogavam pingue-pongue e cartas no estúdio enquanto Dylan rascunhava as músicas ao piano (para invariavelmente gravá-las apenas ao nascer do dia). "Just like a woman" é o tipo de música cuja melodia acompanha o ouvinte para a vida inteira. "Memphis blues again", "One of us must know" e "Absolutely sweet Mary" têm refrões arrebatadores. O mais é chover no molhado sobre a genialidade do cara. Discão!!!




5. John Wesley Harding (1968)
O disco mais misterioso e intrigante de Dylan, que repaginou seu som trabalhando com um formato mais cru e um "punch" mais vigoroso de baixo (Charles McCoy) e bateria (Keneth Buttrey), além da guitarra de Peter Drake. Mitologia bíblica, esoterismo e confissões pessoais dão o tom das letras. Clássicos que ganhariam versões demolidoras nas mãos de outros roqueiros são apresentadas aqui pela primeira vez, como a antológica "All along the watchtower" (que seria genialmente envenenada por Hendrix) e "Dear Landlord" (que receberia uma versão alucinada na voz de Janis Joplin). Destaque também para "As I went out one morning", com seu baixo hipnótico e sua bateria suingadíssima. A turma que aparece   com Dylan na capa não são os músicos do disco, mas membros da trupe cigana Bauls of Bengal, artistas begalis de rua cujo sentido de vida girava sobre noitadas de bebedeira e cantoria. Se você já sacou que existe um quinto elemento na capa, você conhece muito da obra do Dylan. Ou tem olho de lince. Eu, claro, não vou dizer onde ele está...

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