terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Os novos (falsos) consensos
Passadas as eleições e na iminência do término do segundo mandato do Governo Lula, o solipsismo da chamada grande imprensa no Brasil vai agora, em suas retrospectivas de fim de ano, erguer a bandeira de que os últimos oito anos não representaram um avanço em relação ao governo de FHC. Mais precisamente, vai creditar o sucesso de popularidade de Lula ao êxito supostamente inexorável das plataformas macro-econômicas implantadas anteriormente por FHC e vai escrever seus erros (do governo petista) com as tintas da suposta incompetência da esquerda, dos riscos da ideologização das ações de Governo, da formação educacional incompleta do presidente, etc, etc.
O Globo, no último fim de semana, abriu os trabalhos. Depois de distorcer números, inverter perspectivas e manipular estatísticas ao sabor de suas conveniências editoriais, o jornal saiu-se com um caderno "especial" que faria um leitor estrangeiro que por ventura não conhecesse o Brasil imaginar que o País vem descendo a ladeira nos últimos tempos e que o povo brasileiro padece de uma hipnose profunda ao ratificar com quase 90% de aprovação tamanha "incompetência" e tamanho "retrocesso".
Não há, claro, nenhuma surpresa nesse esforço dos grandes jornais e revistas identificados com (e financiados por) os setores mais à direita do espectro político brasileiro. Os últimos oito anos balizaram, dentro das grandes redações, o que de pior pode haver na prática jornalística - cartilha que só o distanciamento histórico poderá explicar com contornos mais razoáveis. O mesmo acúmulo histórico, no entanto, mostra que se o patrimonialismo é uma das principais marcas do Estado brasileiro, isso se deve também ao fato de um cartel formado por meia dúzia de famílias se apropriarem de concessões públicas e de conceitos republicanos como a liberdade de expressão.
Voltando à retrospectiva, impressiona a quantidade de mitos que vão embalando esses falsos consensos que se quer vender à opinião pública. Na segunda-feira após a publicação do tal caderno do Globo, o Blog do Planalto rebateu a análise torta e trouxe alguns dados importantes para quem quer esquadrinhar os últimos oito anos com alguma honestidade intelectual - o que não foi o caso do jornal da família Marinho. Os dados estão bem sistematizados e se dividem por áreas do Governo.
Só para citar a suposta "herança bendita" recebida por Lula de FHC segundo o jornal, o texto do Planalto lembra que o risco país em dezembro de 2001 era de 963 pontos básicos e que chegou a 1460 em dezembro de 2002. No mesmo período, a taxa de câmbio real/dólar; norte-americano subiu de 2,32 para 3,53, numa depreciação nominal de 52%. Já a entrada líquida de capital externo caiu de US$ 27 bilhões em 2001 para US$ 8 bilhões em 2002, marola que ajudou a levar as reservas internacionais brasileiras ao patamar de apenas US$ 37,8 bilhões, dos quais mais de US$ 20 bi correspondiam um empréstimo junto ao FMI. A inflação, que vinha se equilibrando em 9%, bateu a casa dos dois dígitos e chegou a 12,5% ao ano em 2002. A dívida líquida, por fim, chegou a mais de 60% do PIB no final de 2002.
Como se vê, o "presente de amigo" deixado pelo venerando FHC praticamente inviabilizava o futuro da economia brasileira - panorama que o Governo Lula, apesar de inúmeros avanços ainda necessários, soube reverter -, mas os repórteres do Globo não souberam (e também não quiseram) desembrulhar a tal "herança".
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