sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

2010: dez discos que fizeram a diferença

Em 2010, a lista não é dos dez melhores discos (ou outra hierarquia do tipo) - afinal, não há critérios objetivos que possam justificar tal exercício além das afinidades e da militância do blogueiro. Por isso, optei em fazer uma lista de fim de ano com dez discos que fizeram a diferença em 2010, o que permite uma avaliação, no mínimo, mais palpável, embora ainda órfã de escalas e medidas mais objetivas. São eles:

1. Terreiro Grande e Cristina Buarque cantam Candeia - Terreiro Grande e Cristina Buarque
Na visão (ou na audição) deste blogueiro, o disco mais relevante do ano. Tanto por revisitar em altíssimo nível o repertório do mestre portelense quanto por iluminar a presença do grupo paulista no atual cenário do samba brasileiro. E também, e mais que tudo, por reafirmar o nome de Cristina Buarque - pelo compromisso inadiável com a delicadeza e com os sentidos mais profundos da nossa música - como um dos mais importantes artistas brasileiros vivos. O CD saiu em abril pela Tratore, que também lançou Tuco e Batalhão de Sambistas, outro CD de tutano deste ano que se vai.

2. Papagaio do moleque - Rabo de lagartixa
O disco foi lançado no fim de 2009, mas só ganhou as lojas e as discussões pela internet em 2010. Qualquer CD que reunisse Marcello Gonçalves, Daniela Spielmann e Beto Cazes já seria um grande disco. No caso específico desse trabalho, ao talento dos três somam-se as presenças de Alessandro Valente e Alexandre Brasil, que completam a formação do Rabo de Lagartixa; e o repertório inesgotável de Villa-Lobos, o que garante um disco-monumento, desses de se escutar a vida inteira sem deixar de se surpreender com a arquitetura exuberante de Villa e com a alegria e a virtuose desses intérpretes. O mais importante lançamento envolvendo a obra de Villa-Lobos neste século.

3. Esperança - Hamilton de Holanda
Hamilton é um homem de seu tempo. Reinventa seu instrumento, ampliando suas possibilidades de expressão; conecta ouvintes e músicos de todo o mundo em novas plataformas tecnológicas, onde divulga seu trabalho e funda amizades; revira o baú das nossas melhores memórias musicais; e percorre os cinco continentes desbravando novas audiências e novos encontros (que vão dos venezuelanos do Ensamble Gurrufio ao ex-Led Zeppelin John Paul Jones). Não utiliza a tradição como biombo para certa auto-indulgência criativa nem vende a alma às tentações fugazes da contemporaneidade, da música de mercado e de outros faustos do tipo. Sua carreira é uma celebração permanente e otimista de nossos dias, em que utiliza como armas repertórios de todas as épocas mas também mira o futuro propondo novas composições.

4. Dizzy Gillespie no Brasil com Trio Mocotó - Dizzy Gillespie
Dizzy dispensa maiores apresentações, assim como o Trio Mocotó. Esse encontro do gênio do jazz com os gênios do ritmo, no entanto, requer algum esclarecimento. Trata-se de um disco gravado em 1974, em São Paulo, do qual até 2008 não se tinha notícia. Na época da gravação, Dizzy deixou o Brasil levando a master do registro e nunca deu satisfações sobre o assunto. A matriz foi encontrada por um produtor suíço em 2008 e resultou neste lançamento da Biscoito Fino em parceria com Groovin'High. "Entre os brasileiros reencontrei a sonoridade ideal, porque, pra mim, música boa é aquela que, de um modo ou de outro, tem cor negra", afirmava Dizzy. Um discos mais importantes de 2010, portanto, foi gravado há 36 anos, mas não perdeu seu gingado absurdo nem sua sonoridade exuberante.

5. Hoje - Carmen Miranda 
Remexer no baú dos mortos, em geral, rende (anti-)homenagens de gosto extremamente duvidoso e que não acrescentam nada à obra do artista falecido. Não é o caso desse projeto assinado por Henrique Cazes, que acrescentou uma base de cordas (violão de 7, cavaco e violão tenor), detalhes de sopro e novos elementos de percussão às gravações originais de Carmen Miranda da década de 30. Resultado: é possível ouvir novamente a voz de Carmen rodeada por graves e agudos que se ouviam em suas apresentações ao vivo, mas que não tinham sido registrados em seus discos. Os detalhes são explicados por Cazes numa entrevista que vem como faixa bônus.

6. Jasmine - Keith Jarrett e Charlie Haden
Para todo fã de Jarrett, qualquer novo disco do pianista faz sempre a diferença. Este, no entanto, tem uma razão especial. O disco, gravado na casa de Jarrett, marca o reencontro do pianista com Haden, depois de 35 anos. Haden foi o baixista do primeiro trio de Jarrett, ainda nos anos 60; e de seu Quarteto Americano com o qual atravessou boa parte dos anos 70. Uma experiência intimista entre dois grandes nomes do jazz mundial, que deixam de lado as provocações entre virtuoses para derramar lirismo num dos álbuns mais bonitos do ano.


7. Certa manhã acordei de sonhos intranquilos - Otto
Outro disco que foi lançado oficialmente no fim de 2009, mas que aconteceu em definitivo apenas em 2010. Trata-se do melhor do músico pernambucano, um trabalho que recoloca Otto entre os artistas mais criativos do país. Há quem possa fazer ressalvas à verborragia do músico em suas entrevistas ou a suas letras viajandonas, mas é inegável que Otto sabe, como poucos, criar e explorar texturas e combinações rítmicas passeando e dissolvendo fronteiras entre inúmeros gêneros. A banda afiada, com Catatau, Dengue, Pupilo e outros craques, é ingrediente fundamental nessa receita.  Participação especial de Céu e regravação inspirada de "Naquela Mesa"(Sérgio Bittencourt) são as cerejas do bolo.

8. Pra gente fazer mais um samba - Wilson das Neves
Sobre o disco, o texto de Chico Buarque no encarte já diz tudo: "São vinte e cinco anos de amizade, depois de outros tantos de amiração à distância. Eu conhecia Wilson das Neves dos discos, reconhecia de cara sua batida, vez por outra o peruava através do vidro dos estúdios de gravação. Hoje não subo ao palco sem ele. Camarim dos músicos, sem o Das Neves, não é camarim. Ele é o pulso da banda, termômetro, técnico do time, rei da anedota e pajé. Este disco nos traz de volta o grande melodista que é Wilson das Neves. Escutei-o seguidamente com deleite, com um sorriso, com um ciúme danado dos seus parceiros. Aí está ele com sua graça, com a ginga que é só dele, com essa voz que deve ser a voz rouca das ruas, eis aí Wilson das Neves cantando versos prenhes de sabedoria popular".

9. Orquestra Republicana - Ao vivo na Lapa
A Orquestra Republicana - formada por músicos de diversos grupos cariocas como Tira Poeira, Garrafieira e Anjos da Lua - é um dos grupos mais tradicionais no mapa da boemia musical do bairro. Desde 2005, Gallotti, Pedro Holanda, Mariana Bernardes e cia. pilotam a gafieira moderníssima das noites de sábado no Democráticos, um charmoso e centenário sobrado localizado na Rua do Riachuelo que ferve ao som de muito partido-alto, samba sincopado, choros e valsas. Em 2008, o baile foi registrado e agora, finalmente, virou disco através do selo Bolacha Discos. No repertório, Lapas de diversas épocas se encontram. Mas o destaque é mesmo a novíssima Lapa cantada em composições de Alfredo Del-Penho ("Quebranto", "Pra Essa Gente Boa", "Noite à Lapa"), Pedro Hollanda ("Acontece", "Não Vem que Não Tem"), Eduardo Gallotti ("Partido do Homem Solteiro") e Samuel de Oliveira ("Rosa Branca Maré").  Um disco pra saudar a alegria de ser brasileiro, radicalmente brasileiro.

10. Vidas Volantes - Breculê
Em 2010, mais importante para a música cearense do que remexer, pela enésima efeméride, pela enésima vez, no baú da Massafeira - mais relevante como evento, como marco, do que como movimento (que não foi) -, foi o lançamento do CD Vidas Volantes, da rapazeada inspirada do Breculê. Boas composições embaladas por uma boa produção, vitalizadas num colorido balaio de ritmos, colocam a música cearense novamente olhando pra frente, para novos textos, para novos sentidos. Chega de saudade!

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