Para o filósofo Claude Leforte, o Estado Democrático é
sempre maior que o Estado de Direito. Ou seja, experimenta direitos que ainda
não estão incorporados ao segundo. É, segundo ele, “o teatro da contestação
cujo objeto não se reduz à conservação de um pacto tacitamente estabelecido,
mas que se forma a partir de focos que o poder não pode dominar inteiramente”.
Vladimir Safatle, em seu inquietante A
esquerda que não teme dizer seu nome, faz uma leitura muito produtiva sobre
o assunto. Trata-se, portanto, de uma noção a ser sempre tensionada na relação
que promove entre a Justiça e o Direito. E, longe de solapar a democracia,
lembra Safatle, é algo que a funda e fortalece.
Nos termos correntes da política local, nossa desventura é
que esse tensionamento, essa superação, se dá em negativo. Não pelas vias da
soberania popular; mas na esteira de comezinhas conveniências pessoais, pelo
devir de um projeto de poder e, pior, pela afetação de certos homens públicos. O
caso do ex- governador Ciro Gomes, que ocupa uma surreal posição institucional
dentro (ou fora?) da Secretaria de Segurança, é por demais emblemático. A (pouco
clara) movimentação de Ciro Gomes na Instituição e suas cornetadas públicas são
típicas de quem vê a legalidade como algo a posteriori, não a priori. Nessa
posição, ele não age a partir dos limites institucionais; mas vai de encontro
aos mesmos, redesenhando e distorcendo esses preceitos ao sabor de valores nada
republicanos.
À luz do organograma do Governo, a atuação de Ciro é tão
ilegítima quanto serão criminosas, uma vez comprovadas, as supostas milícias que
ora denuncia (conseguirá efetivamente provar algo sobre o assunto?). O
ex-deputado age como alguém que não suporta a dialética da política e que
prefere trocar a palavra política pela palavra polícia (entendida aqui como
violência simbólica/estatal). Entre o Estado Democrático e o Estado de Direito,
Ciro parece optar pelo Estado de Luis XIV, aquele do "L'État c'est
moi".
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