Um pesadelo
noite adentro;
um grito rompe
a vigília:
risco n'água
nesse Atlântico
imemorial
de solidão.
quinta-feira, 30 de maio de 2013
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Spike Jones, um gênio "criminosamente" gaiato
Pelo menos vinte anos antes de, por aqui, os Mutantes satirizarem impiedosamente o clássico seresteiro "Chão de Estrelas", Spike Jones (1911-1965) já era craque na arte de caricaturizar e desconstruir "standards" do cancioneiro norte-americano. Sua orquestra reunia alguns dos melhores músicos de seu tempo e marcou época no teatro, na televisão e no mercado fonográfico - onde produzia suas marmotas na toda-poderosa e pudica RCA Victor. "O fato de a Victor lhe dar carta branca era uma homenagem à sua formidável musicalidade, mesmo que usada para fins criminosamente gaiatos", comenta Ruy Castro em seu Tempestade Ritmos. Um fenômeno que anteciparia em algumas décadas outros geniais desatinos musicais; inclusive por essas latitudes, que veriam nascer zorras como Joelho de Porco, Premeditando o Breque, Falcão e Língua de Trapo.
Poemetes Araújos XX
O que pesa
mais
no alto? Em
pleno vôo,
a dúvida:
a leveza obtusa
dessas toneladas
de aço
com asas? Ou,
solitária,
minha falta
de fé?
quinta-feira, 23 de maio de 2013
O amor segundo Haneke
Apenas agora assisti ao badalado e controverso Amor, de Michael Haneke. Um dos filmes
mais humanos e delicados de que tenho notícia. Um libelo sobre o tema que lhe dá nome: amor romântico, mas não afetado; intenso mas gentilmente sóbrio; extraordinário mas
arraigadamente cotidiano. O profundo silêncio de sua narrativa me traduziu a
calma e a naturalidade diante da vida a que os amantes são tão íntimos. Não é
sobre amores de conveniência, mas sobre certa conveniência do amor – expresso
em sua mágica renovação na insignificância da rotina. O amor de Haneke é a
cumplicidade que atravessa horas de conversas, que traduz olhares, que
compartilha secretamente dores, mas primordialmente – e preciosamente – divide alegrias. Não
me pareceu um filme sobre eutanásia nem “contra” o amor, como alguns chegaram a
escrever. Pelo contrário. O filme celebra a vida, através da relação apaixonada
dos dois idosos protagonistas. Diante do ocaso físico de Emmanuele Riva,
brilhante em sua atuação, o casal tenta seguir adiante com a normalidade de um
cotidiano pontuado de pequenos gestos de amor. Aquém e além dele, há apenas vaidade, rancores, frustrações; há o mundo lá fora do qual os dois não querem notícia. E é quando a doença impede por
definitivo qualquer troca, qualquer cumplicidade, qualquer olhar entre os dois
– que seguiam amantes delicados mesmo nos momentos mais difíceis do entrecho
médico -, que se revela a atitude final. Tudo servirá como rito de passagem
para as memórias que seguirão. Nada, a rigor, foi interrompido. O amor é medida certa; ele sabe de
si e, em silêncio, sabe que restará.
L'État c'est moi!
Para o filósofo Claude Leforte, o Estado Democrático é
sempre maior que o Estado de Direito. Ou seja, experimenta direitos que ainda
não estão incorporados ao segundo. É, segundo ele, “o teatro da contestação
cujo objeto não se reduz à conservação de um pacto tacitamente estabelecido,
mas que se forma a partir de focos que o poder não pode dominar inteiramente”.
Vladimir Safatle, em seu inquietante A
esquerda que não teme dizer seu nome, faz uma leitura muito produtiva sobre
o assunto. Trata-se, portanto, de uma noção a ser sempre tensionada na relação
que promove entre a Justiça e o Direito. E, longe de solapar a democracia,
lembra Safatle, é algo que a funda e fortalece.
Nos termos correntes da política local, nossa desventura é
que esse tensionamento, essa superação, se dá em negativo. Não pelas vias da
soberania popular; mas na esteira de comezinhas conveniências pessoais, pelo
devir de um projeto de poder e, pior, pela afetação de certos homens públicos. O
caso do ex- governador Ciro Gomes, que ocupa uma surreal posição institucional
dentro (ou fora?) da Secretaria de Segurança, é por demais emblemático. A (pouco
clara) movimentação de Ciro Gomes na Instituição e suas cornetadas públicas são
típicas de quem vê a legalidade como algo a posteriori, não a priori. Nessa
posição, ele não age a partir dos limites institucionais; mas vai de encontro
aos mesmos, redesenhando e distorcendo esses preceitos ao sabor de valores nada
republicanos.
À luz do organograma do Governo, a atuação de Ciro é tão
ilegítima quanto serão criminosas, uma vez comprovadas, as supostas milícias que
ora denuncia (conseguirá efetivamente provar algo sobre o assunto?). O
ex-deputado age como alguém que não suporta a dialética da política e que
prefere trocar a palavra política pela palavra polícia (entendida aqui como
violência simbólica/estatal). Entre o Estado Democrático e o Estado de Direito,
Ciro parece optar pelo Estado de Luis XIV, aquele do "L'État c'est
moi".
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