sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A arte de estentar fachadas




Ao saber da queda de parte da estrutura da entrada do Hospital Regional Norte, em Sobral, lembrei do verso de um poema com que me deparei recentemente na Internet – cuja autoria não consegui confirmar. “Essa fachada de rocha,/ por dentro é areia movediça”, diz a poesia. E pensei em como nossa política é, em grande medida, a “arte” de ostentar fachadas.

Os semioticistas e psicanalistas de plantão talvez consigam explicar esse traço de nossa cultura. Mas o fato é que, mais do que em qualquer outra seara do debate público, é no simbolismo dos pórticos, monumentos, inaugurações e outras liturgias do gênero que nossos governantes gastam a maior parte de suas energias - e do nosso dinheiro. Um expediente que é um fim em si mesmo, um simulacro em que o “parecer ser” é (sempre) mais importante do que o “ser”.

Voltando ao caso do acidente em Sobral, penso como nosso atual governo do Estado é um típico exemplo dessa obsessão por fachadas, dessa prioridade pelo continente em detrimento do conteúdo. O hospital em questão, todos lembram , foi inaugurado com um show nababesco da cantora Ivete Sangalo, mesmo sem ter condições de funcionamento por falta de funcionários. E na mesma época em que centenas de cearenses restam à míngua no “piscinão” do HGF.

O caso é apenas um de uma longa lista de contradições semelhantes. Temos, por exemplo, as viaturas policiais mais luxuosas do País, mas vivemos uma assustadora epidemia de violência urbana. Temos também um estádio ostentador que não serve aos clubes do futebol local. Teremos em breve um aquário (!) à beira-mar enquanto milhares de sertanejos sofrem com uma seca dramática. Temos delegacias com fachadas modernas, mas condições medievais de acomodação dos presos - sem falar nas fugas recorrentes. Temos um pomposo Centro de Eventos que não previu uma passarela de acesso para os pedestres. Entre inúmeras outras estultícias.

E assim seguimos. Entre fachadas imponentes a esconder a terrível “areia movediça” da incompetência, do fisiologismo e do provincianismo.

* Artigo publicado na página de Opinião do Jornal O POVO, edição de 18.02.2013

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