quinta-feira, 9 de junho de 2011

De anjo a santa-menina


Luzia, a devota: Regina virou farol sagrado para mães que perderam suas filhas
Texto publicado no caderno III da série Santificados do jornal O POVO. Foto acima de Rafael Cavalcante. A íntegra do caderno pode ser lida aqui.


Primeiros dias de outubro de 1982. Pelos jornais e nas conversas de pé de calçada, a bruteza do caso ecoou pela Cidade. Regina de Fátima Oliveira, uma estudante de 12 anos, havia sido estuprada e assassinada barbaramente. “Poucas vezes um crime abalou tanto a opinião pública”, comentou o jornal O POVO em editorial. “Seviciada de maneira voluntária e violenta, tendo o autor ou autores usado para tal, força física aplicada e outros meios de crueldade”, detalhou o laudo elaborado pelo Instituto de Polícia Técnica.
O corpo foi encontrado num terreno baldio nas proximidades do Castelão - franjas do bairro Barroso II, às margens da avenida Juscelino Kubitschek. Sobre o cadáver, a identidade escolar no. 036626 emitida pela Escola de Primeiro Grau Marechal Juarez Távora. Em meio à comoção, associações de mulheres e de professores foram criadas para acompanhar o trabalho da polícia. Depois de uma semana de investigação, um desfecho ainda mais estarrecedor: o tio de Regina, Cosme de Oliveira, que se dizia apaixonado pela sobrinha, assumiu a autoria do crime. “Quando ela estava morrendo, eu joguei um punhado de terra na sua boca”, confessou à polícia.
Regina de Fátima nem chegou a entrar na adolescência. Em meio à barbárie, morreu anjo e virou santa. Transformou o horror em piedade. A multidão que cercou a delegacia do 8º. Distrito para linchar o assassino deu lugar a grupos de peregrinos que passaram a visitar o local onde a criança foi assassinada. “Ela vai ser muito lembrada. Quem pedir a Deus, por intermédio da menina violentada, conseguirá um milagre”, dizia um dos depoimentos reproduzidos pelos jornais da época. Uma capela e um pequeno oratório marcam hoje o lugar onde fieis de vários bairros da Cidade e mesmo de outros estados depositam flores, velas e orações. Muitos no bairro não sabem da capela de Nossa Senhora da Consolação, nome oficial do pequeno prédio; mas todos reconhecem a “capela da Regina de Fátima”.
“Há trinta anos, isso aqui era tudo mato. O corpo dela foi achado bem aí na frente. Quando vim pra cá, eu mesmo cheguei a pedir uma graça pra que meu ponto desse certo”, conta o comerciante ensimesmado que se identifica apenas como Batista e que sentou praça ao lado da capelinha. Missas são realizadas todos os domingos e uma caminhada do Montese até o Barroso é realizada mensalmente por devotos da santa-menina. Dia de finados é a data mais concorrida. “Muita gente. As pessoas vêm pedir todo tipo de graça. Pedem, por exemplo, ajuda dela para encontrar crianças perdidas”, conta Luzia Maia, da Pastoral do Dízimo da Capela de Nossa Senhora da Consolação.
Ela explica que a capela foi construída por uma senhora que sonhou com um padre rezando uma missa para uma multidão no meio da rua. No sonho, Nossa Senhora da Consolação lhe aparecia e pedia que a capela fosse construída. “Ela passou por aqui um dia e viu uma missa para Regina de Fátima. Tudo correspondia ao sonho e ela decidiu atender o pedido de Nossa Senhora”, emociona-se Luzia, ela própria devota da santa-menina que, entre outras graças, ajudou-lhe a comprar a casa-própria. “Virei devota quando me mudei pra cá. Não tinha dinheiro suficiente e ela me ajudou. Devo a ela”.

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