O blog abre espaço para uma colaboração do historiador Américo de Souza, que segue abaixo. Acima, cena de Vicky, Cristina, Barcelona, de Woody Allen.
Lembrando meu amigo Geraldo, que dizia serem livros e filmes são as melhores companhias em tempos de frustração e desalento, dei-me dois presentes neste último fim de semana. Primeiro A viagem do elefante, novo romance de José Saramago, depois Vicky, Cristina, Barcelona, novo filme de Woody Allen.
Para além de serem novidades, essas duas obras têm em comum o elogio ao que de mais humano há na vida: a condição do efêmero. Tendo como cenário uma Barcelona artística, boêmia, entregue aos prazeres da vida, imersa no colorido de Gaudi e no som vigoroso das guitarras, o filme de Allen conta uma história em que amor e desejo se confundem, se completam, se digladiam; casais se seduzem, sofrem, traem, enganam, separam, tentam de novo, num exercício intenso de exploração do dilema "não se pode estar junto, mas também não se pode ficar sem alguém", idéia que é apresentada não como uma condenação para ser lamentada, mas como condição própria das relações afetivas, porque humanas e, como tais, circunscritas ao caráter provisório e fugaz do ser e do fazer de homens e mulheres.
Saramago, por sua vez, narra, a seu modo, a história real de uma insólita viagem do elefante Salomão, que cruzou metade da Europa por extravagâncias de um rei e de um arquiduque, no século XVI. Irônico e sarcástico, como não poderia deixar de ser, o livro é em tudo e por tudo um exercício de compaixão e solidariedade pela fragilidade humana que a saga do elefante parafraseia. Assim como em Intermitências da morte e As pequenas memórias, a morte é reafirmada como destino único, comum e inevitável de todos os homens e que se reproduz em tudo que ele cria e experimenta. Ao virar a última página do livro temos duas opções: lamentar pela morte trágica de Salomão, ocorrida pouco depois de concluída a viagem, ou regozijar com a bela aventura da jornada. Ou seja, na vida podemos sentar e lamentar a certeza do seu fim ou aprendermos que o melhor modo de viver é conscientizar-se da provisoriedade humana, explorando ao máximo os momentos de alegria e beleza e tendo a certeza que, também para aqueles nem tão alegres, nem tão belos, o fim há de chegar.
Assim, torna-se impresindível a compreensão de que a mudança das coisas e dos sentimentos é, senão a única, a maior das verdades humanas. Por ironia, dois instrumentos de registro e preservação da criação humana, a escrita e o filme, são tomados por esses dois gênios do mundo contemporâneo como suportes para afirmação do efêmero como aquilo que de mais humano e belo há em todos nós.
Quanto a mim, sigo em frustração e desalento, mas agora acopanhado da certeza de que, como tudo na vida, isso um dia vai mudar.
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