segunda-feira, 21 de abril de 2014

Popular, populário, popularesco




“Populário” e “popularesco” eram as expressões que, nos anos 20, Mário de Andrade utilizava para dar conta da maneira como o Brasil reinventava musicalmente a síntese étnica das “três raças”. “Populário” tratava da produção de compositores que estariam, segundo ele, comprometidos com os nossos sons “autenticamente populares”.
Já “popularesco”, era, indistintamente, a produção veiculada pelos meios de comunicação de massa. Era “submúsica, carne para alimento de rádios e discos”, que “atucanava” a “sensualidade fácil” do público.
Essa disputa de discursos sobre a “pureza” de nossa genética musical ocupou a maior parte da crítica musical brasileira ao longo do século XX. Um debate em que o povo, em geral, não tinha voz. Essa era terceirizada a procuradores teóricos que falavam em nome dos valores supostamente “populares”.
Essa tradição criou o que hoje é uma enorme dificuldade da crítica em lidar com fenômenos como o funk ou o chamado “forró de plástico”. Valesca Popozuda e quejandos, na esteira das novas possibilidade da tecnologia, dispensaram os tais procuradores e hoje falam e se legitimam de forma autônoma ao circuito crítico. Ainda que, para isso. tenham de usar letras sexistas ou consideradas agressivas à luz de certa moral pequeno-burguesa - a mesma que alimenta um ódio insano às políticas de inclusão e de justiça social.
Popozuda é a vitória de um discurso das “periferias” que, em outros tempos, por conta de nosso atavismo excludente, jamais teria vingado no “centro” (da mídia, do mercado, etc). A questão que se coloca para a crítica, entretanto, é também entender de que forma o seu “beijinho no ombro” é também uma apologia boçal de intolerância ao outro. Assim como analisar como o forró eletrônico - que desconstruiu os privilégios e os preconceitos do mercado fonográfico - segue alimentando a violência de gênero e os preconceitos contra a mulher. E assim por diante...
Nossa música popular, hoje, não cabe mais em razões naturais nem em critérios historicamente institucionalizados. Para o bem e para o mal, o que antes era a exceção hoje é a regra.