segunda-feira, 24 de junho de 2013

Seja bem-vindo*


Quarta-feira passada, início da tarde. Amigo carioca que reside em Fortaleza vai ao jogo com a esposa e a filha. Desavisadamente, segue de táxi pelo início da Alberto Craveiro para tentar acessar o estádio. Dá de cara com o protesto justo na hora do primeiro conflito entre os manifestantes e a tropa de choque. Protege-se daqui, desvia de lá, se esconde aqui, avança mais um pouco. Mesmo desnorteado e um tanto assustado, depois de um tempo ele consegue chegar à fileira de policiais e mostrar seu ingresso.
“Seja bem-vindo à Copa das Confederações”, diz-lhe polidamente um policial da tropa de choque. Surpreso, meu amigo fica sem palavras diante da gentileza do policial, que, entre pedras, gritos, balas de borracha e gás lacrimogênio, segue com as mesuras. “O senhor siga adiante que logo irá acessar o estádio. Agora, é bom se proteger e apressar o passo porque eles (os manifestantes) estão jogando muitas pedras para o lado de cá. Tenha um bom jogo”.
Meio tragicômico (sim, e é verídico), o episódio serve para ilustrar certa mentalidade da política brasileira, principalmente em suas expressões regionais, provincianas. Muitas das quais, aliás, estão na mira difusa dos protestos que se espalharam pelo País. É o tipo de político que naturaliza nossos impasses e se revela completamente alheio às demandas reais e aos dramas concretos da nossa vida, não raro achando-se acima do bem e do mal. É a mentalidade que segue, indiferente à grita da sociedade, construindo aquários surreais, erguendo pontes inúteis, levantando estádios nababescos.
Noves fora o condenável vandalismo e a patifaria golpista e antipartidária que tentou se aproveitar das passeatas, os protestos da semana passada foram muito positivos, entre outras coisas, por fazer essa grita cotidiana tornar-se ensurdecedora para muitos. Os militantes dessa pós-política encurralaram nossos governantes para que esses passem efetivamente a nos considerar em suas planilhas, a considerar o trato transparente com o dinheiro público, a respeitar critérios republicanos etc. E agora, sim: “doa a quem doer!”. Do contrário, a tendência é que turistas e demais convidados de tais megaeventos continuem a ser recebidos nesses termos surreais.
* Texto publicado na página de Opinião do jornal O POVO - 24 de junho de 2013

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Dilma e Lula tiveram um filho rebelde?


Por Juan Arias

Ambos foram protagonistas de uma década de governo na que o Brasil se impôs como um país com vontade de mudança real

Dilma encontrou o ex-presidente Lula em São Paulo, após o estouro dos protestos na rua. Qualquer jornalista daria qualquer coisa por assistir o que os dois disseram nesse momento em que o país está em chamas. Ambos foram protagonistas de uma década de governo na que o Brasil se impôs como um país com vontade de mudança real, principalmente no âmbito social, como também no econômico.

O mundo acreditou no despertar do gigante americano, cada vez mais forte no continente e mais integrado na geopolítica mundial.

Até disseram, talvez com ênfase excessiva, que a história do Brasil se dividia em antes e depois de Lula e Dilma, o ex-torneiro sindicalista e a ex-guerrilheira que chegou à Presidência de mãos dadas ao primeiro governante operário deste país.

O Presidente Obama chegou a afirmar que Lula era o político "mais popular do mundo" e hoje em dia dizem que Dilma é a "segunda mulher mais poderosa do planeta".

A magia dos números levou para o mundo quantias invejáveis de progresso: 30 milhões de pobres sentando ao banquete da classe média, um país sem desemprego, um crescimento econômico sonhado na Europa; uma força de confiança mundial conseguiu para o Brasil a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Lula e Dilma eram como aqueles pais que se sentem orgulhosos de ver seus filhos saírem da penúria, colocarem a gravata para ingressar na universidade; levarem no bolso o celular e as chaves da moto, e até do carro.

Os filhos cresceram, conheceram mais coisas da vida e da política que os pais,utilizando muito melhor que eles os endiabrados labirintos da tecnologia da informação moderna.

E começaram a fazer perguntas aos pais. E ousaram até fazer perguntas escabrosas. E, o que foi ainda pior, até discordar deles. Inclusive chegaram ao ponto de reclamar aos pais do que ainda não tinham ganhado, ou porque o que tinham ganhado estava estragado, que o brinquedo não funcionava bem.

O pior de tudo foram as perguntas insolentes, como quase todas as que os filhos fazem aos pais quando crescem. Lula chegou a elogiar o sistema de saúde do Brasil, numa frase que hoje ele preferiria esquecer. Disse que tinha chegado "quase à perfeição", e acrescentou que "no Brasil até dava vontade de ficar doente para desfrutar de um hospital".

Os filhos um dia foram a esses hospitais e viram que era melhor estar saudáveis.

Dilma e Lula sentiram-se orgulhosos diante do mundo quando conquistaram para o país a Copa do Mundo e as Olimpíadas. E dedicaram milhares de milhões de dólares nos preparativos. E explicaram quanta beleza, alegria e turistas esses eventos iriam trazer ao Brasil.

E os filhos que subiam no ônibus, pagando caro, nas grandes cidades, sendo empurrados, alguns tentando entrar pelas janelas, eles com perigo de ser assaltados, elas de ser abusadas sexualmente; em vez de se alegrar com os estádios de primeiro mundo, ingratos, começaram a dizer: "Podemos abrir mão da Copa, mas não de transportes, escolas e hospitais dignos".

Todas essas coisas e muitas mais que apareciam nas manifestações e protestos na rua, algumas ameaçantes, como "vocês não nos representam", devem ter sido examinadas por Dilma e Lula, enquanto o dólar estava subindo e a Bolsa descendo.

Alguns filhos foram tão desagradecidos que pediram na Internet que Dilma saia da Presidência. Até a manhã de hoje mais de 140.000 pessoas já tinham assinado. É como se o filho, que já cresceu e se rebelou, pedisse que os pais fossem embora de casa. Injusto.

Não sei se vamos saber o que a Dilma e o Lula decidiram fazer ou dizer ao filho que se rebelou e prefere morar na pós-política. Ao filho que para protestar e atuar na sociedade não precisa mais aderir o sindicato ou o partido político do pai, ou ir de mãos dadas com ele para se manifestar pelas ruas em contra do patrão.

Ele sabe ir só e livremente. "Não precisamos pertencer a nenhum partido para estar indignados e protestar", podia-se ler esta manhã no facebook.

Em São Paulo, um sondeio revelou que 80% das 65.000 pessoas que saíram às ruas não pertencem a nenhum partido político.

Dilma disse hoje: " O meu governo está atento às vozes que pedem mudanças, está comprometido com a justiça social". E acresceu: "Essas vozes precisam ser ouvidas".

Também os pais quando conversam sobre os filhos que se rebelam e protestam, costumam dizer "Precisamos ouvi-los".

Sem dúvida, Dilma e Lula terão saído do encontro como essa vontade de escutar, de dialogar com os filhos rebeldes. O temor agora é que tal vez esses filhos já não queiram falar com eles. Pode ser que prefiram falar por si mesmos.

É um momento difícil e, ao mesmo tempo, apaixonante, o que está vivendo o Brasil. Os aspectos positivos do protesto, que já abraçam quase o país inteiro, poderiam servir de exemplo aos países irmãos do continente.

Somente as águas paradas que apodrecem. Só nas famílias onde parece viver a calmaria costumam surgir as maiores tragédias.

É melhor gritar do que aguentar a raiva, dizem os psicólogos.

As biografias de Lula e Dilma estão cheias de gritos e raivas.

Ninguém melhor do que eles para dirigir esses filhos rebeldes para um crescimento político que conte com que hoje em dia o mundo é outro, diferente do que eles viveram; que a política não pode se fazer como fizeram eles, mesmo que fosse à base de suor e sangue, e que os filhos querem ser mais protagonistas do que nasce do que enterradores do que já morreu.

E quanto à pretensão perigosa de algumas pessoas de botar os pais para fora de casa, por muito que a política mudasse, em democracia existe somente uma maneira legítima de fazer isso: o voto livre.

O ano próximo os brasileiros irão às urnas.

No segredo do voto poderão resolver os seus conflitos. E que sejam também eles leais com a ética política.

Ontem alguém fez essa pergunta escabrosa, desta vez aos manifestantes: "Por que os que gritam contra os políticos corruptos acabam por votar neles nas urnas?"

Seria um ótimo cartaz para os próximos protestos nas ruas.

terça-feira, 11 de junho de 2013

A revolta dos crocs


Nota divulgada pelo Governo do Estado para a imprensa - em que sugere que milícias querem se infiltrar na manifestação do próximo dia 13 - acaba de potencializar a marmota que é esse movimento "Fortaleza Apavorada". Algo que tinha tudo para ser mais uma dessas pífias manifestações contra a violência (e nunca a favor da justiça social) - ou, como diz brilhantemente um amigo, a "revolta dos crocs" - acaba de ganhar efetividade. 
Já é um movimento vitorioso, porque obrigou o Governo a fazer seu principal pronunciamento sobre a (in)segurança pública até agora - na nota, o Palácio da Abolição admite que o crime chegou a níveis "intoleráveis" em Fortaleza. E tudo, mais uma vez, pela inaptidão da atual gestão para o diálogo; sem falar, obviamente, na incompetência para lidar com a questão da violência urbana. Qualquer crítica, qualquer contraponto, são sempre vistos pelo Governo como movimentos conspiratórios, articulações políticas sub-reptícias, bandeiras partidarizadas. É a crítica "ad hominem" levada ao paroxismo da paranoia. 
A nota , obtusa, tem o claro objetivo de apavorar ainda mais os "apavorados". A estratégia palaciana para esvaziar a passeata talvez dê certo. Talvez não. A nota pode ter despertado o interesse de quem, até então, estava dando de ombros para o tal movimento. Vejamos... 

Nós que nos amávamos tanto (e amávamos tanto o jornalismo...)



Nós jornalistas vivemos uma terrível esquizofrenia. Teoricamente, por termos curso superior, nos vemos como profissionais liberais; mas, ao contrário de dentistas, arquitetos, advogados, etc, somos obrigados a alienar nossa força de trabalho porque não podemos, afinal de contas, montar um jornal, uma TV, uma rádio para cada um de nós. Por outro lado, as promessas da internet ainda não vingaram como realidade pecuniária. O que temos, por enquanto, é apenas uma farra libertária, que é ótima como (um início de) democratização da informação, mas que ainda não se consolidou como mercado de trabalho.
Pelo menos toda uma geração ainda nos separa de uma nova realidade de produção da informação (independente, liberal e com rendimentos decentes) no mundo digital. Até lá, na internet, com raríssimas exceções, reinará um quase diletantismo. Por ora, seguiremos como funcionários, peões com jornadas de trabalho extenuantes e sob imensa pressão. Seguiremos como trabalhadores de baixa renda, numa profissão que passa por uma histórica crise estrutural; nosso desemprego é estrutural. Há os que se acham algo além por conviverem de perto com os poderosos da política e/ou os donos do poder econômico. São cínicos ou ingênuos. Ou tudo isso junto. Ou coisa pior...
O debate sobre o diploma me parece um falso debate. De um lado, há os que querem nivelar por baixo a discussão e acabar com sua obrigatoriedade - são os que defendem o bundalelê no mercado. Pois penso que devemos nivelar essa discussão por cima e fazer do jornalismo um curso de pós-graduação. Quer ser jornalista?! Forme-se em direito ou economia ou história ou computação ou engenharia ou o que for e faça uma especialização em jornalismo. Isso iria elevar decisivamente o nível da nossa produção e criar uma outra realidade de mercado.
A nosso favor, por enquanto, ainda temos o fato de que somos fundamentais para a democracia e para o chamado estado de direito. Somos fundamentais para restituir ao debate público o espírito crítico. Somos imprescindíveis para dar voz a quem não consegue se manifestar publicamente. Ainda somos... Entretanto, somos todos, indistintamente, proletários. E isso parece nos causar um desconforto, parece criar um tabu, ensejar um recalque que embaça nossa capacidade de articulação e de mobilização. Some-se a isso, como é o caso do Ceará, um sindicalismo pífio e personalista e, voilà, eis o nosso dia-a-dia.
Enfim, sou apaixonado pelo que faço e tenho sincero orgulho de ser jornalista. Seguirei com meu ofício por acreditar realmente nessa missão. Mas talvez daqui a algum tempo tenha de procurar outra profissão para pagar minhas contas e, quem sabe, também custear meu ofício. Como o advogado que é apaixonado pela marcenaria; ou o engenheiro que também é cozinheiro; ou o médico que também é poeta.
Poderei me reinventar (creio que terei de me reinventar) e passar a ser outra coisa, mas seguirei sendo jornalista. Isso me cria enormes problemas e dificuldades, mas me dá uma imensa alegria.